Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
4 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Questionada a constitucionalidade de lei que regulamenta reserva legal

    há 14 anos

    Notícia (www.stf.jus.br)

    PGR questiona norma que dispensa proprietários rurais de recomporem vegetação de reserva legal

    A procuradora-geral da República em exercício, Sandra Cureau, ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4367) no Supremo Tribunal Federal contra dispositivo que permite aos proprietários rurais a desoneração do dever de manter em sua propriedade reservas florestais legais, mediante doação de área de terra localizada no interior de unidade de conservação, pendente de regularização fundiária. O texto está previsto no parágrafo 6º do art. 44 da Lei 4.771/65, com a redação dada pela Lei 11.428, de 22 de dezembro de 2006.

    De acordo com a procuradora-geral, o dispositivo legal questionado configura verdadeiro retrocesso legislativo na proteção do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na medida em que as demais modalidades de espaços territoriais especialmente protegidos não suprem a função ecológica da reserva legal.

    Ela explica que, com essa alteração legislativa, permitiu-se a compensação da reserva legal por outra área já protegida, no interior de unidade de conservação. Ou seja, ao invés de recompor, restaurar ou compensar a reserva legal com área semelhante, o proprietário rural poderá adquirir uma área já protegida, pendente apenas de regularização fundiária, diz.

    Para a PGR em exercício, este mecanismo não gera qualquer benefício ambiental, mas trata-se de possibilidade criada tão-somente para tentar resolver a inadmissível incapacidade administrativa de realizar a regularização fundiária das unidades de conservação, requisito fundamental para que esses espaços territoriais especialmente protegidos tenham a necessária eficácia.

    Sandra Cureau explica que a desoneração do dever de manter uma reserva florestal legal no interior de cada propriedade contraria o art. 225, parágrafo 1º, da Constituição Federal, especificamente em seus incisos I, II, III e VII, que determinam ao Poder Público e à coletividade o dever de garantir a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, prescrevendo obrigações positivas do Poder Público.

    Tais obrigações são preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

    Segundo sustenta, o dispositivo legal questionado também viola o art. 186, caput e inciso II, da Constituição Federal, que estabelece como requisitos da função social da propriedade a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.

    A ADI pede a concessão de medida liminar considerando o perigo de danos irreversíveis e a insegurança jurídica decorrente da vigência de um mecanismo inconstitucional. A PGR pede a declaração de inconstitucionalidade sem efeitos repristinatórios porque, de acordo com ela, a previsão normativa anterior também contraria, pelos mesmos motivos, a Constituição Federal.

    NOTAS DA REDAÇAO

    A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 foi a primeira brasileira a dispor em seu texto sobre o meio ambiente. Prevê o artigo 225, caput :

    Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações .

    O meio ambiente equilibrado, nas lições do professor Fabiano Melo, está umbilicalmente ligado à dignidade da pessoa humana.

    Na medida em que a Lei Maior preconiza que se trata de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida , associou o meio ambiente equilibrado ao direito à vida, o que, por consequência, coaduna-se com os preceitos da dignidade da pessoa humana. Mais que o direito à vida, há de se garantir uma vida digna, de preferência, em ambiente saudável. Vale dizer, a sadia qualidade de vida decorre do meio ambiente ecologicamente equilibrado. É preciso garantir esse meio ambiente salubre para o exercício dos demais direitos fundamentais.

    A notícia em comento relata ADI ajuizada pela PGR, em defesa do meio ambiente, com o objetivo de se declarar a inconstitucionalidade de dispositivo que desonera os proprietários rurais do dever de manter, nas suas respectivas áreas, reservas florestais legais, desde que doem área de terra localizada no interior de unidade de conservação, pendente de regularização fundiária.

    É compatível com o que dispõe o artigo 225, da Carta Magna, o raciocínio segundo o qual, o Estado, como gestor do meio ambiente, deve exigir o fiel cumprimento da função social das propriedades como expressão da proteção que deve recair sobre o meio ambiente. Neste sentido, várias são as normas infraconstitucionais que regulamentam a necessária adequação da propriedade com a preservação do meio ambiente, tudo com vistas ao que preconiza o princípio do desenvolvimento sustentável.

    A título de exemplo, vale lembrar que a Lei 6.938/81 dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Na referida norma encontra-se os mais variados instrumentos dessa política, dentre os quais o previsto no inciso VI, do artigo 9º que dispõe:

    Art. 9º - São Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:

    (...)

    VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; (sem grifos no original)

    Em cumprimento a essa exigência, a Lei9.9855/2000 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. De acordo com esta lei, a unidade de conservação constitui-se no espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção; (art. 2º, inc. I). As unidades de conservação podem ser de proteção integral (UPI) ou de uso sustentável (USS):

    Art. 7º As unidades de conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com características específicas:

    I - Unidades de Proteção Integral;

    II - Unidades de Uso Sustentável.

    1º O objetivo básico das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei.

    2º O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

    Além destes espaços territoriais protegidos, temos ainda, no Código Florestal, a exigência da reserva legal, cuja regulamentação advinda com a Lei 11.428/06, foi objeto de questionamento na ADI em comento.

    De acordo com o artigo 16, da Lei 4.771/65:

    Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal , no mínimo:

    I - oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

    II - trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do 7º deste artigo;

    III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

    IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

    Veja-se, portanto, que a reserva legal corresponde a área localizada numa propriedade rural, excetuada aquela de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas. Para a mencionada lei, a vegetação de reserva legal não pode ser suprimida, mas apenas utilizada sob regime de manejo florestal sustentável.

    Entretanto, com o advento da Lei 11.428/06 abriu-se uma brecha ao proprietário rural, no sentido de desmotivá-lo ao cumprimento da reserva legal. Esta lei atribui nova redação ao 6º do artigo 44, do Código Florestal, dispondo que:

    6º O proprietário rural poderá ser desonerado das obrigações previstas neste artigo, mediante a doação ao órgão ambiental competente de área localizada no interior de unidade de conservação de domínio público, pendente de regularização fundiária, respeitados os critérios previstos no inciso III do caput deste artigo.

    Ora, como pode o mesmo instituto legal prever medidas tão assecuratórias e ao mesmo tempo desonerar o cidadão de cumpri-las? Estamos com a respeitável PGR, em exercício, Sandra Cureau, no entendimento de que mencionado dispositivo está eivado de inconstitucionalidade ao contrariar mandamento da Lei Maior previsto no artigo 225, inciso III, in verbis: III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15364
    • Seguidores876140
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações719
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/questionada-a-constitucionalidade-de-lei-que-regulamenta-reserva-legal/2052350

    Informações relacionadas

    Tribunal Regional Federal da 1ª Região
    Jurisprudênciahá 5 anos

    Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 - REMESSA EX OFFICIO (REO): REO XXXXX-49.2009.4.01.3601

    Tribunal Regional Federal da 1ª Região
    Jurisprudênciahá 5 anos

    Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 - REMESSA EX OFFICIO: REO XXXXX-49.2009.4.01.3601

    Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 - REMESSA EX OFFICIO (REO): REO XXXXX-49.2009.4.01.3601

    Tribunal Regional Federal da 1ª Região
    Jurisprudênciaano passado

    Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 - REMESSA NECESSáRIA CíVEL: ReeNec XXXXX-49.2009.4.01.3601

    Tribunal de Contas da União
    Jurisprudênciahá 20 anos

    Tribunal de Contas da União TCU - RELATÓRIO DE AUDITORIA: RA XXXXX

    1 Comentário

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

    Um artigo muito bem elaborado de altíssima qualidades, meus parabéns. continuar lendo