SANTA SAÚDE CONDENADA – Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condenou Santa Saúde
Juíza Marielza Brandão Franco, da 29ª Vara Cível de Salvador, condenou Santa Saúde Servicos Medicos e Hospitalares
Inteiro teor da decisão:0059773-22.2004.805.0001 – Ação Civil ColetivaAutor (s): Tertuliano Pereira Bacelar
Advogado (s): Ricardo Lula Machado
Reu (s): Santa Saúde Servicos Medicos E Hospitalares
Advogado (s): Danusa Costa Lima e Silva de Amorim
Sentença: Vistos etc.,
TERTULIANO PEREIRA BACELAR e MARINA BARBOSA BACELAR, devidamente qualificados nos autos, por advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, contra SANTA SAÚDE-SERVIÇOS MÉDICOS E HOSPITALARES, também já qualificada, aduzindo em síntese que em 31 de maio de 1994 celebrou contrato de seguro de saúde com a empresa-Ré e que sempre pagaram regularmente o valor das prestações.
Afirmam que o seguro contratado assegura à Autora qualquer tratamento cirúrgico, cobrindo todos os instrumentos necessários a sua realização como internação em apartamento individual, tratamento ambulatorial e fisioterápico, consultas e exames complementares.
Ocorre que, ao ser acometida a Autora de doença cardiovascular, teve seu pedido de realização de cirurgia concedido pela Ré que, contudo, excluiu do rol de cobertura das despesas o implante do Stent Cypher, do Stent Zilver e dos dois Stent’s sem Rapamicina, materiais indispensáveis ao tratamento da Requerente.
Alegam que a negativa do procedimento pode levar à morte da Autora e pede a antecipação de tutela para obter autorização para o procedimento sem qualquer ônus a mesma. Requerem, ao final, que seja mantida a tutela liminar.
Juntou os documentos de fls. 17/125.
Liminar concedida às fls. 127.
Citada, a Ré apresentou contestação às fls. 131/141, aduzindo em preliminar ausência de representação, revogação do benefício da assistência judiciária gratuita e revogação da liminar. No mérito, sustenta que a negativa ocorreu somente por falta de cobertura do contrato anterior a lei 9656/98 e que o contrato foi assinado pela Demandante, tendo esta declarado a ciência de todas as cláusulas. Alega, ainda, que o implante das próteses acima referidas corresponde a tratamento expressamente excluído do contrato. Pede a improcedência do pedido, juntando os documentos de fls. 142/173.
Réplica às fls. 217/248.
Em vista da falta de interesse das partes em conciliar em audiência de fls. 214 e dispensada a produção de outras provas, é a hipótese de julgamento antecipado da lide.
Relatado, decido.
A Demandante pretende ser ver reconhecido o seu direito de cobertura do procedimento solicitado para realização de cirurgia de implante do Stent Cypher, do Stent Zilver e dos dois Stent’s sem Rapamicina, com inclusão de todos os materiais exigidos para o ato cirúrgico, pois, o seu Plano de Saúde recusou-se a cobrir parte do tratamento sob o argumento de que não existia cobertura contratual para o procedimento.
Inicialmente, aprecio o pedido de revogação do deferimento do pedido de gratuidade verificando que nenhuma razão tem o requerido um vez que não apresentou qualquer prova de suas alegações e, ainda, peticionou sem a técnica processual pertinente a impugnação ao deferimento do pedido de gratuidade.
A alegação de ausência de representação por parte do Autor é questão superada e não comporta extinção do feito sem exame de mérito, haja vista que o vício processual foi devidamente sanado pela parte, conforme petições de fls. 174 e 175.
A preliminar em que o Réu alega revogação da liminar não merece acolhimento. A medida visa a resguardar direitos que estejam sujeitos a uma grave ameaça, legitimando o Juiz a deferir qualquer providência amenizadora que determinado caso exija e desde que se depare com circunstâncias especiais onde se conclua que pressupostos indispensáveis ao respaldo da tutela se acham presentes, ou seja, a existência de um direito provável e o vislumbre do comprometimento do Direito da parte pelo retardamento da prestação jurisdicional definitiva.
Nos termos do art. 84 § 3º do CDC, tem por escopo a prevenir a ocorrência de dado irreparável ou de difícil reparação – tendo em vista que a prestação jurisdicional leva algum tempo para ser dada, e enquanto isso, não pode a interessada ficar arcando com o ônus da demora – e pode ser concedida pelo juiz desde que relevante o fundamento da demanda e justo o receio de ineficácia do provimento final, pelo que fica rejeitada a preliminar.
No mérito, o CDC prescreve que é direito do consumidor ter acesso a produtos e serviços eficientes e seguros, devendo ser informado adequadamente acerca do conteúdo dos contratos por ele firmado para aquisição de produtos e serviços, principalmente no que se refere aquelas cláusulas que limitem os direitos do consumidor, como aquelas que regulem a autorização para procedimentos cirúrgicos.
Nota-se, que a empresa fornecedora, pretende, pelos argumentos insertos em sua contestação, justificar a injusta negativa do material cirúrgico pela falta de cobertura do procedimento, uma vez que assinado anterior a lei 9656/98, que regula os planos de saúde e que, no seu artigo 10, já regulou que só pode haver exclusão de cobertura para este tipo de procedimento, se este não estiver ligado ao ato cirúrgico.
Assim, ainda que o contrato tenha sido assinado antes da lei citada, caracteriza como abusiva a clausula contratual que excluía da cobertura qualquer negativa de autorização de materiais necessários ao ato cirúrgico, como é a hipótese dos presentes autos, pois o material solicitado estava ligado ao ato cirúrgico.
Assim, a justificativa apresentada é pálida e desprovida de fundamento, porque a cláusula limitativa aludida pelo fornecedor para justificar a negativa de autorização para uso dos materiais cirúrgicos é abusiva, o que por si só já demonstra a falta de clareza no contrato e restrinja tratamento necessário, frustrando a legítima expectativa do consumidor, pois existia justificativa clínica que demonstrou a sua efetiva necessidade de utilização no procedimento cirúrgico solicitado. Mesmo por que é dever do fornecedor, nos termos do artigo 6º, III, da lei consumerista, transmitir as informações necessárias ao consumidor de forma clara e precisa, com base nos princípios da boa fé e da transparência e seus deveres anexos de informação, cooperação e cuidado.
Analisando a recusa da seguradora quanto à alegada pertinência dos matérias cirúrgicos necessários para o procedimento cirúrgico e não havendo qualquer indício de má-fé da autora/segurada, são nulas de pleno direito qualquer cláusula que contrarie os princípios supra mencionadas, principalmente o principio da lealdade nas relações contratuais que deve nortear qualquer contrato.
Isso porque quem tem a obrigação de aferir as reais necessidades do estado do consumidor e dos recursos necessários para preservação de sua saúde é o médico responsável pela cirurgia, que inclusive responde civilmente pelos danos causados ao seu paciente em caso de erro ou negligência médica e a seguradora não pode negar a cobertura de procedimento urgente e necessário em uma cirurgia desta natureza, uma vez que o consumidor é a parte hipossuficiente na relação de consumo.
A jurisprudência vem a favor do autor:
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTO
DENOMINADO “STENT” PARA A REALIZAÇÃO DA
4 CIRURGIA CORONARIANA DA AUTORA – CLÁUSULA
CONTRATUAL QUE NÃO EXCLUI O FORNECIMENTO
DESSE MATERIAL – INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
DE ADESÃO – RELAÇÃO DE CONSUMO –
OBRIGAÇÃO RECONHECIDA – RECURSO PROVIDO –
De acordo com os artigos 47 do Código de Defesa do Consumidor e 423 do CC/02, no contrato de
adesão as cláusulas DEVEM SER INTERPRETADAS
EM FAVOR DO ADERENTE, sobretudo quando a
relação jurídica existente entre as partes está
subsumida à legislação consumerista. A partir dessa
premissa, afigura-se ilegal a conduta da requerida em
se negar a fornecer o equipamento denominado “Stent”
para a cirurgia coronariana que a consumidora teve de
se submeter, quando não existe expressamente no
contrato de prestação de serviços médicos a exclusão
desse material”.
(TJMS – AC 2003.009547-0/0000-00 – Campo Grande
– 3ª T.Cív. – Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo –
J. 22.11.2004) JCDC.47 JNCCB.423
Em que pese seja a requerida uma instituição privada, que tem nos lucros a sua finalidade precípua, não pode esquecer que os contratos de planos de saúde é um contrato de trato sucessivo, de longa duração, que visa proteger um bem jurídico que é a vida humana e, possui uma enorme importância social e individual, devendo as seguradoras ter consciência que acima da busca de lucros em seu ramo de atividades, está à integridade física e a vida do consumidor.
Assim, não se pode deixar de reconhecer a abusividade da negativa injusta pela empresa ré, prática que fere os princípios da equidade e provoca o desequilíbrio contratual e põe em risco a vida e a saúde dos seus segurados, desnaturando o contrato de seguro saúde.
Não esquecendo que a nova concepção do contrato, sem desprezar totalmente a liberdade de contratar, prestigia a dignidade da pessoa humana ao proclamar que seu conteúdo deve observar os limites da função social dos contratos.
Da mesma forma, constata-se que a empresa ré agiu de forma abusiva, demonstrando falta de compromisso com os princípios básicos que devem nortear os contratos, como boa fé, transparência, dever de informação e confiança.
Não se pode aceitar que práticas abusivas identificadas e condenadas na legislação consumerista continuem a ser exercitadas sem qualquer tipo de censura, o que vem ensejando os Tribunais a coibir tais atitudes com o reconhecimento do direito de indenização pelos danos morais suportados pelos usuários quanto aos serviços defeituosos fornecidos.
Assim, por tudo que acima foi exposto, e pelo que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a ação para reconhecer a injustiça da negativa de autorização da cirurgia da Autora com utilização dos materiais cirúrgicos descriminados à fls. 38/39, inclusive as próteses do Stent Cypher, do Stent Zilver e dos dois Stent’s sem Rapamicina, confirmando a tutela antecipada deferida e determinando que a empresa Ré arque com o valor do procedimento, declarado abusiva qualquer cláusula que veda a utilização do procedimento cirúrgico utilizado.
Condeno, ainda, a Ré nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da condenação atualizada, levando-se em conta do grau de zelo do profissional, o tempo exigido para o seu serviço e a complexidade da causa, nos termos do artigo 20 § 3º do CPC.
P.R.I.
Salvador, 11 de Fevereiro de 2011.
MARIELZA BRANDÃO FRANCO
Juíza Titular da 1ª Vara de Relação de Consumo de Salvador
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