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2 de Maio de 2024
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    Sem corpo, sem crime? (II)

    Publicado por ROTA-JURIDICA
    há 11 anos

    Sempre prevaleceu a máxima de que nos crimes de homicídio, sem o corpo da vítima, sem crime! Isso vem de longa data na história do direito criminal, pois o corpo é a materialidade do delito de homicídio, conforme exige o artigo 158 do Código de Processo Penal, que tem a seguinte redação: “Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.” Contudo o mesmo Código de Processo Penal relativiza o corpo de delito, podendo ser indireto, no seu artigo 167 do mesmo diploma legal, dizendo: “Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.” Hoje não somente a prova testemunhal pode supri-lo como também a prova indiciária que é colhida na fase do inquérito policial, com a prestimosa ajuda da polícia científica, a polícia do futuro, quando é possível reunir um conjunto de provas ou indícios que levam a configuração do exame de corpo de delito indireto.

    ‘Sem corpo sem crime’ ganhou relevo no emblemático caso dos irmãos Naves, o maior erro judiciário cometido no Brasil, quando os irmãos Joaquim e Sebastião, foram acusados de homicídio, confessaram sob tortura, foram absolvidos pelo tribunal do Júri popular por 6x1, e depois o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou a decisão do júri e os condenou, pois não havia a garantia constitucional da soberania dos veredictos, como há hoje, e cumpriram pena, sendo que anos depois a suposta vítima, Sebastião Caetano, reapareceu viva.

    Outro clássico da literatura criminal brasileira, fato verídico, foi o desaparecimento de Dana de Teffé. Dana casou-se com um embaixador riquíssimo; após sua separação, contratou um famoso advogado, para cuidar de seus interesses financeiros, o advogado supostamente munido de uma falsa procuração se apossou dos bens da cliente.

    Na versão do advogado, durante uma viagem pela via Dutra, Dana de Tefé teria desaparecido. O advogado foi preso, julgado e condenado por assassinato. Ele alegava que ambos teriam sido vítimas de assalto.

    O advogado conseguiu fugir da prisão, mais tarde recapturado, conseguiu anular sua condenação, e num segundo julgamento obteve a absolvição! Daí a máxima sem corpo sem crime! Até hoje Dana de Teffé nunca mais foi vista! Volta e meia o famoso cronista Carlos Heitor Cony relembra o caso em sua prestigiada coluna, fazendo alusão aos inúmeros mistérios insolúveis no Brasil, repete o bordão: “Onde estão os ossos de Dana de Teffé?”

    Em nosso sistema processual penal, havendo prova ou indícios de autoria, o investigado passa a ser indiciado; e no mesmo passo denunciado, pois a dúvida é pro sociedade, nos crimes dolosos contra a vida, depois de encerrada a fase inquisitorial e a instrução penal, a dúvida remete o acusado para ser julgado perante o tribunal do júri popular, fase em que o mesmo é pronunciado, e para a pronúncia basta o juiz se convencer da materialidade do fato que pode ser feita de forma indireta, bem como da existência de indícios suficientes de autoria, art. 413 do Código de Processo Penal.

    Portanto caros leitores, a máxima de que ‘sem corpo sem crime’ não é mais absoluta; e mais, a ocultação do cadáver como a sua destruição, incineração, desmembramento e ocultação, ou dar fim ao corpo como alimento para animais, configura outro crime, previsto no art. 211 do Código Penal, que é julgado conexamente com homicídio pelo tribunal do Júri.

    O Tribunal do Júri Popular, instituição centenária, tem uma particularidade interessante. O jurado cidadão comum, juiz leigo, ao integrar o conselho de sentença, ele não está obrigado a julgar de acordo com a lei, ele julga de acordo com sua consciência e os ditames de justiça, conforme a redação dada pelo art. 472 do Código de Processo Penal, ou seja, o jurado não está obrigado a julgar de acordo com a lei e não precisa fundamentar sua decisão, e mais, conforme estabelece o inciso XXXVIII do art. da CF, alínea c, a decisão tem garantia de ser soberana, ou seja, o Tribunal do Júri é soberano em suas decisões, que podem ser revistas pelos Tribunais quando houver nulidades ou quando a condenação ou absolvição for manifestamente contrária à prova dos autos, o Tribunal pode cassar a decisão do júri quando for contrária a prova dos autos apenas uma vez, o caso voltando a julgamento e se o júri decidir novamente pela absolvição ou condenação prevalecerá a decisão do júri por ser constitucionalmente soberana.

    Outra questão de grande relevo, é o papel da imprensa de informar e formar opinião referente aos crimes de grande repercussão, que muitas vezes, pecando pelo excesso, pode contribuir no desequilíbrio do futuro julgamento, posto que, as informações que são maciçamente repassadas ao grande público e nem sempre são completas, ficam no subconsciente do indivíduo e, amanhã, este cidadão será o jurado. Nesse contexto, penso que é preciso informar e divulgar os fatos, mas com sobriedade, para não comprometer a isenção do futuro julgamento, pois todo cidadão tem direito a um julgamento justo e imparcial, e cabe a acusação e a defesa demonstrarem os fatos, as provas e os indícios em plenário nos debates, e os jurados julgarem de acordo com suas consciências e os ditames de justiça, sem influência externa que venha a desequilibrar e/ou comprometer a justiça da decisão.

    Casos de grande repercussão, como foi do casal Nardoni que foi condenado pelo Tribunal do Júri Popular, sempre nos remete a uma indagação. Foram condenados em razão dos elementos probatórios existentes no processo ou já entraram no Tribunal do Júri condenados pela repercussão do fato e a força da mídia que os condenaram perante a opinião pública, essa mesma opinião pública que é formada de cidadãos, que são os escolhidos para formar e integrar o colegiado popular?

    Agora se anuncia o julgamento do conhecido ex-goleiro do Flamengo, Bruno, que está marcado para o próximo dia 19 do mês em curso. Ele e outros serão julgados por crime de homicídio qualificado e crimes conexos que são sequestro e cárcere privado. Hoje o fato de não haver sido encontrado o corpo de Eliza Samúdio, não será fator de impedimento para uma condenação ou uma absolvição, pois o júri terá liberdade de formar seu livre convencimento de acordo com sua consciência, diante dos fatos que serão trazidos pela acusação e defesa nos acalorados debates em plenário. Entretanto aí volta à mesma indagação, com a forte repercussão do caso e amplíssima cobertura midiática, os réus terão um julgamento justo e imparcial pelo colegiado popular?

    *Alex Neder é advogado criminalista e consultor jurídico.

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