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3 de Maio de 2024

STJ 2023 - Dano ao Patrimônio - Absolvição - Presas que atearam fogo em colchões - Ausência de Dolo e Revaloração Jurídica das Provas

mês passado

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 856990 - RS (2023/0348911-5)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus , com pedido liminar, impetrado em favor de DANIELA XXXXXXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação n. 5053120-73.2021.8.21.0001.

Consta dos autos que as pacientes foram denunciadas, juntamente com VITÓRIA XXXXXXXXXX, nas sanções do art. 163, parágrafo único, inciso III, na forma do art. 29, caput, com a incidência da agravante prevista no art. 61, inciso II, todos do Código Penal, porque, no dia 4/10/2020, na Penitenciária Feminina Madre Pelletier, durante o estado de calamidade pública ocasionado pelo surto do covid-19, atearam fogo em um colchão, causando danos na pintura do interior da cela, além do próprio colchão e inutilizaram três recargas de extintores de incêndio, totalizando o valor de R$ 550,00.

Em 26/5/2021, a denúncia foi recebida pelo Juízo da 4a Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS, oportunidade na qual foi determinada a suspensão do processo e do prazo prescricional em relação a corré Vitória Daiane (e- STJ fl. 36).

Encerrada a instrução criminal, o Juízo de primeiro grau, em 17/3/2023, julgou

improcedente a pretensão ministerial e absolveu ANA XXXXXXXXXXXXX das sanções do art. 163, parágrafo único, inciso III, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (e-STJ fls. 38/43).

Contra a sentença absolutória, o Ministério Público interpôs recurso de apelação para condenar as acusadas nos exatos termos da denúncia, sob o argumento de estar plenamente demonstrado que a intenção das rés, ao atearem fogo em um colchão no interior da cela prisional, era de provocar danos no local, causando prejuízo ao erário. Ademais, aduziu entender não ser exigível a presença de dolo específico para caracterização do delito de dano, pois a noção de prejudicar já se encontra ínsita no próprio ato de causar dano, tendo o agente plena consciência que tais atos causam prejuízo.

Em sessão de julgamento realizada no dia 28/8/2023, a 7a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade de votos, denegar a ordem, deu "parcial provimento ao apelo ministerial para condenar as rés nas sanções do art. 163, parágrafo único, inc. III, do Código Penal, às penas, para Daniela, de 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial semiaberto, e 40 (quarenta) dias-multa na razão mínima legal; e, para Stefani e Ana Luiza, de 06 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 10 (dez) dias multa na razão mínima legal, substituindo as penas carcerárias dessas duas últimas pela restritiva de direitos de limitação de final de semana, pelo tempo das penas impostas, nos termos do voto; e condenar as acusadas ao pagamento do valor de R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais), corrigido quando do pagamento, a título de reparação mínima ao Estado do Rio Grande do Sul; declarando, de ofício, extinta punibilidade da ré Ana Luiza pela prescrição, suspendendo a exigibilidade do pagamento das custas e despesas processuais, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC" (e- STJ fl. 25).

O acórdão recebeu a seguinte ementa (e-STJ fl. 24):

APELAÇÃO CRIMINAL. DANO QUALIFICADO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, INC. III, DO CP. ABSOLVIÇÃO. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL.

Plenamente demonstradas a materialidade do crime de dano contra o patrimônio público e a autoria das acusadas, nos termos dos coerentes depoimentos dos agentes penitenciários que atuaram quando do fato, do auto de constatação indireto de dano qualificado e das fotografias juntadas aos autos, corroborados, ainda, pela confissão de duas acusadas. Induvidoso o dolo específico das rés no crime ao, ateando fogo em um colchão na cela onde já cumpriam penalidade por conduta indevida no estabelecimento prisional, destruírem e danificarem, em comunhão de esforços e vontades, bens do patrimônio público. A alegação de que a motivação da conduta teria sido protestar por atraso nas refeições naquele dia, não só não tem qualquer ressonância nos autos, como não afastaria o dolo da conduta, o animus nocendi, de, deliberadamente, destruir e danificar o patrimônio público. O direito de protestar, por mais justa que seja a inconformidade, não autoriza, nem legitima, o cometimento de crimes, como o dano deliberado ao patrimônio público. Não há falar em insignificância da conduta, por se tratar de dano contra o patrimônio público, a incidir na forma qualificada do crime, bem como por ter aquela colocado em risco a vida e a integridade física das próprias acusadas, das demais detentas e funcionários da casa prisional. Condenação decretada. Para o reconhecimento da agravante respectiva, indispensável a existência de prova de que os agentes tenham se aproveitado do estado de calamidade pública para praticar o crime, o que inexiste na espécie. Decorrido o prazo prescricional pela pena concretizada em relação à ré menor de 21 anos quando do fato, deve ser declarada, de ofício, extinta a sua punibilidade.

APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. DECLARADA, DE OFÍCIO, EXTINTA A PUNIBILIDADE DA RÉ MENOR.

Daí o presente habeas corpus substitutivo de recurso próprio, no qual a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul almeja a reforma do acórdão ora impugnado, a fim de restabelecer a sentença absolutória.

Aduz que, conforme bem destacado pelo Juízo sentenciante, ainda que incontestável a autoria delitiva, o contexto probatório não foi capaz de comprovar que as rés tenham tido dolo específico de danificar a ala do presídio, pois agiram em protesto por estarem sendo ignoradas nos pleito de alimentação durante o isolamento que estavam cumprindo.

Ao final, pugna, liminarmente, pela suspensão dos efeitos do acórdão impugnado, até o julgamento do mérito do presente habeas corpus . No mérito, requer seja concedida a ordem para restabelecer a decisão do juízo de primeiro grau que absolveu as pacientes em relação ao delito de dano qualificado ao patrimônio público.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio. Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.

Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada,

para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.

Acerca do rito a ser adotado para o julgamento desta impetração, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus , a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria ( AgRg no HC 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).

Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental ( AgRg no HC 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).

Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).

Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das

Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica ( AgRg no HC 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).

Possível, assim, a análise do mérito da impetração, já nesta oportunidade.

Como é de conhecimento, esta Corte Superior possui pacífico entendimento de que para a caracterização do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, é imprescindível a comprovação do elemento subjetivo do delito, qual seja, o animus nocendi , caracterizado pela vontade de causar prejuízo ou dano ao patrimônio público.

No mesmo sentido, destaco os seguintes precedentes do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE DANO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NÃO COMPROVAÇÃO DO DOLO DE CAUSAR PREJUÍZO OU DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Hipótese em que a decisão recorrida deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos. Segundo a jurisprudência dessa Corte superior, para a caracterização do crime de dano qualificado contra patrimônio da União, Estado ou Município, mister se faz a comprovação do elemento subjetivo do delito, qual seja, o animus nocendi, caracterizado pela vontade de causar prejuízo ou dano ao patrimônio público, o que não se verifica na espécie, em que o recorrente destruiu a tornozeleira eletrônica para fins de fuga.

2. Agravo improvido. ( AgRg no RHC n. 145.733/SP, relator Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF 1a Região), Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 31/8/2021.) - negritei.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CP. DANO QUALIFICADO PRATICADO CONTRA PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA PARA EVASÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS NOCENDI.

AUSÊNCIA. PRECEDENTES.

1. Para a caracterização do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, Ill, do Código Penal, é imprescindível o dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, ou seja, a vontade do agente deve ser voltada a causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa, pois, deve haver o animus nocendi.

2. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.

3. Agravo regimental improvido. ( AgRg no REsp n. 1.722.060/PE, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,

Sexta Turma, julgado em 2/8/2018, DJe de 13/8/2018.) - negritei.

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. DANO QUALIFICADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU. ANIMUS NOCENDI NÃO DESCRITO. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. WRIT NÃO CONHECIDO E ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

2. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a suposta atipicidade da conduta descrita na peça acusatória, em regra, exige profundo exame do contexto probatórios dos autos, o que é inviável na via estreita do writ.

3. Caso reste evidenciada, de plano, a atipicidade da conduta imputada ao paciente, sendo despiciendo o reexame detido dos elementos de convicção amealhados nos autos, admite-se o trancamento do processo-crime, como na hipótese em apreço. 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, para que se possa falar em crime de dano qualificado contra patrimônio da União, Estado ou Município, mister se faz a comprovação do elemento subjetivo do delito, qual seja, o animus nocendi, caracterizado pela vontade de causar prejuízo ou dano ao patrimônio público. 5. Conquanto tenha a denúncia narrado que o ora paciente destruiu o vidro traseiro de um veículo de propriedade do Município de Criciúma, o Parquet olvidou-se de descrever a sua vontade deliberada de causar prejuízo patrimonial ao erário, ou seja, o animus nocendi exigido para a configuração do tipo penal do art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal.

6. Writ não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da 1a Vara Criminal da Comarca de Criciúma-SC, que rejeitou a denúncia ofertada contra o ora paciente, em razão da atipicidade da conduta a ele imputada.

( HC n. 420.013/SC, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 1/3/2018, DJe de 7/3/2018.) - negritei.

Com base nesse entendimento, o Juízo de primeiro grau absolveu as rés do crime de dano qualificado ao patrimônio público, pois entendeu que as acusadas, ao praticarem as condutas descritas na denúncia, não apresentaram o dolo específico de danificar o patrimônio público.

Confira-se (e-STJ fls. 40/43):

RELATEI.

PASSO A DECIDIR.

A existência do fato restou comprovada relatório de ocorrência, pelas imagens e pelo auto de constatação indireto de dano qualificado - páginas 6- 7, 16-17 e 21 do processo 5111253-45.2020.8.21.0001/RS, evento 1, INQ1. A autoria, é induvidosa, pois admitida pelas acusadas Daniela e Ana Luíza em juízo.

A testemunha Dalvana XXXXXX, agente penitenciária, mencionou que lembrava das acusadas já no pátio da penitenciária sentadas com o fogo controlado e do atendimento médico prestado. Não lembra quem teria sido a responsável por colocar o fogo ou o motivo da suposta irresignação. Pontuou que não havia restrição de circulação e banho de sol no pátio da cadeia, somente havia restrição para as novas internas que passavam pela quarentena na época de pandemia - evento 131, VÍDEO1.

A agente penitenciária Solange XXXXXXX referiu que vagamente recordava do fato em virtude. Informou que são comuns o ateamento de fogo em colchão no presídio. Lembrava de ter retirado as acusadas da triagem, onde cumpriam castigo e após conduzi-las para enfermaria para atendimento. Contou que foi colocado fogo no colchão da cela, pois na época as presas tinha acesso a isqueiro. Não recorda das justificativas apresentadas pelas rés para o fato. Desconhece a existência de desconformismo anterior ao fato pelas rés - evento131, VÍDEO3.

Vanessa XXXXXXXXxxx mencionou que as acusadas estavam na galeria de triagem do presídio, possivelmente pagando castigo, sendo concedido as apenadas colchões de espuma. Narrou que no período da noite as colegas foram acionadas para conter o fogo da cela onde estavam as denunciadas. Também combateu as chamas na cela, pois as primeiras colegas se sentiram mal no procedimento. Contou que as acusadas foram recolocadas em outra galerias. Não sabe precisar o motivo e quem iniciou o fogo, apesar da ré Daniela ser bastante polêmica. Sustentou que por ser um cela com camas de concreto não haveria muitos danos, além da pintura e dos colchões. Afirmou que quando chegou ao local a cela já tinha sido evacuada. Pontuou que geralmente as presas alocadas na ala do castigo tinham pequenos acesso ao pátio no fim da tarde, mas dependiam do comportamento do dia. Os banhos de sol eram realizados por uma hora e por galeria do presídio, com a exceção da ala do castigo - evento131, VÍDEO5.

O agente penitenciário Eduardo XXXXXXXXXX mencionou que as acusadas estavam cumprindo isolamento de dez dias, quando ouviram pedidos de ajuda. Ao chegar na cela visualizou as rés em um canto e o fogo no canto oposto, colocado em um pedaço de colchão. A fumaça já estava densa. Asseverou que dentro da cela somente estava as acusadas. O fogo foi contido no início e não teve grandes proporções, apesar de danificar um pouco a pintura da cela e um pedaço de colchão. Salientou que a ocorrência num todo foi bem tranquila. Pelos relatos da acusada Daniela ela teria colocado fogo em um pedaço de colchão com um isqueiro. Falou que acredita que as acusadas estavam cumprindo castigo por conta de utilização de celular no presídio. Não recorda da existência de restrição de banho de sol às segregadas ou do suposto motivo da irresignação promovida. Pontuou que apesar dos danos na cela pelo fogo o ambiente já estava deteriorado. Negou ter presenciado o início do fogo; contudo, pelos relatos das ofendidas, a acusada Daniela teria sido a pessoa quem ateou fogo no pedaço de colchão. Não sabe o motivo da inconformidade das acusadas. Discorreu que existem horários pré-definidos para alimentação, não sendo possível alteração da significativa no procedimento alimentar das presas por poder afetar toda a rotina da casa prisional. Consignou que não é praxe a colocação de fogo em colchões, contudo acontece. Afirmou que toda a rotina de alimentação e documentada - evento 131, VÍDEO6.

A acusada Daniela XXXXXX mencionou que praticou o fato, mas foi em decorrência da insatisfação na entrega da alimentação do jantar e café na cela de castigo onde estavam há oito dias, dos dez necessários. Alegou que mesmo reivindicando das 17h às 20h o acesso a alimentação naquele domingo a comida não foi entregue o que motivou o conluio para atear fogo no pedaço de colchão. Narrou que tomaram café às 07h e almoçaram às 11h, sendo esquecidas do café da tarde e o jantar, motivando o ato. Referiu que o isqueiro utilizado para atear fogo era compartilhado por todas as segregadas. Informou que se encontra presa por delito de furto. Consignou que era a terceira vez no espaço de tempo de isolamento em que eram negados o acesso a alimentação. Relatou que como estão presas, ficam a mercê da vontade dos agentes penitenciários até para terem acesso ao banho de sol - evento 131, VÍDEO4.

Ana Luiza XXXXXXXXem sua defesa pessoal, mencionou que estavam todas cumprindo castigo em decorrência da localização de celular. Narrou que era o terceiro ou quarto dia e os agentes não as liberaram para o pátio e esqueceram de fornecer o café da tarde e o jantar. Referiu que para chamar atenção dos agentes penitenciários decidiram colocar fogo na metade de um colchão como forma de protesto. Alegou que todas possuíam isqueiro, pois eram tabagistas. Negou grandes danos na cela, a qual já estava queimada anteriormente. Pontuou que acredita que os agentes tenham esquecido de entregar a alimentação, apesar deles terem cerceado o acesso por três dias ao pátio durante aquela temporada de isolamento - evento 150, VÍDEO2.

A versão da acusada Stefani XXXXXXXX restou prejudicada em razão da revelia decreta por ter mudado de endereço sem comunicar o juízo - evento 130, TERMOAUD1.

Essa é a prova produzida e não há como se verificar o dolo específico na conduta da denunciadas em danificar o bem público (Animus nocendi), o que é necessário à caracterização do crime previsto no Art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, já que, ao que tudo indica nos autos, a intenção das acusadas era de protestar e chamar a atenção estatal no setor em que estavam alocadas para cumprimento do isolamento, sendo que o dano na colchão e na cela, constituiu no presente, um meio para atingir essa finalidade.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DOCP. DANO QUALIFICADO PRATICADO CONTRA PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA PARA EVASÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS NOCENDI. AUSÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Para a caracterização do crime tipificado no art. 163,parágrafo único, III, do Código Penal, é imprescindível o dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, ou seja, a vontade do agente deve ser voltada a causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa, pois, deve haver o animus nocendi. 2. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido. ( AgRg no REsp n. 1.722.060/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 2/8/2018, DJe de 13/8/2018).

Ainda que incontestável a autoria, difícil acreditar pelo contexto probatório, que as rés tenham tido dolo específico de danificar a ala do presídio provocando um incêndio em colchão, colocando em risco suas próprias integridades físicas, sendo plausível suas afirmações, em que pese não comprovada, de que agiram em razão de estarem sendo ignoradas nos pleito de alimentação durante o isolamento que estavam cumprindo.

Portanto, faz-se imperiosa a absolvição das acusadas.

POSTO ISSO, julgo IMPROCEDENTE a pretensão punitiva e ABSOLVO ANA LUIZA STEINHAUS, DANIELA BARBOSA DORNELLES e STEFANI AMARAL VAZ das sanções do art. 163, parágrafo único, inciso III, ambos do Código Penal, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal - negritei.

Por sua vez, a Corte local, ao dar parcial provimento ao recurso ministerial, reformou a sentença absolutória e condenou as rés pelo crime do art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, sob a seguinte fundamentação (e-STJ fls. 30/32):

[...]

Com a devida vênia ao juízo de origem, como se verifica da prova produzida, plenamente demonstradas a materialidade do crime de dano ao patrimônio público e a autoria das acusadas, nos termos dos coerentes depoimentos dos agentes penitenciários que atuavam no local, desde a fase policial, do auto de constatação indireto de dano qualificado (evento 1, INQ1, fl.21), das fotografias juntadas aos autos (evento 1, INQ1, fls. 16/17), afora a confissão das rés Ana Luiza e Daniela, em juízo, comprovando terem, quando do fato, as rés, em comunhão de esforços e vontades, ateado fogo em um colchão no interior da cela em que se encontravam recolhidas cumprindo penalidade, justamente, por conduta indevida no estabelecimento prisional, destruindo e danificando bens do patrimônio público.

A queima do colchão atingiu, também, as paredes da cela, que necessitou de pintura, totalizando prejuízo ao erário no valor aproximado de R$550,00 (quinhentos e cinquenta reais) (evento 1, INQ1, fl. 21).

Com vênia ao juízo de origem, induvidoso o dolo específico das rés no crime ao, ateando fogo em um colchão na cela onde já cumpriam penalidade por conduta indevida no estabelecimento prisional, destruírem e danificarem, em comunhão de esforços e vontades, bens do patrimônio público.

A alegação das acusadas Ana Luiza e Daniela, ao admitir a prática do fato em comunhão de esforços e vontades entre as três que estavam na cela de que a motivação da conduta teria sido protestar por atraso nas refeições naquele dia, não só não tem qualquer ressonância nos autos, como não afasta o induvidoso dolo da conduta, o animus nocendi, de, deliberadamente, destruir e danificar o patrimônio público.

[...]

Ademais, desnecessário seria o cometimento do crime, que, inclusive, colocou em risco a vida e a integridade física das próprias acusadas, das demais detentas e funcionários da casa prisional para chamar a atenção dos agentes penitenciários.

Além disso, o direito de protestar, por mais justa que seja a inconformidade, não autoriza, nem legitima, o cometimento de crimes, como o dano deliberado ao patrimônio público, como se viu nos atos graves cometidos em 08 de janeiro passado em Brasília, com enormes danos ao patrimônio e às sedes dos Poderes da República, pela inconformidade com o resultado das eleições de 2022 e com decisões do Supremo Tribunal Federal.

De consignar, válidos os depoimentos de agentes penitenciários, assim como de policiais e quaisquer outras testemunhas, sobremodo, não havendo, como no caso, qualquer indício de suspeição, conforme a jurisprudência deste Tribunal:

[...]

Logo, comprovados o crime e a autoria das acusadas.

Como se vê, a Corte de origem entendeu que houve a demonstração do dolo específico para caracterização do delito de dano ao patrimônio público. Contudo, conforme destacado na sentença absolutória, o dano causado pelas rés foi o meio, e não um fim em si mesmo, encontrado para chamar a atenção dos agentes penitenciários, pois estavam sendo ignoradas nos pleito de alimentação durante o isolamento que estavam cumprindo, de modo que a sua vontade não foi deliberadamente voltada a causar prejuízo ou dano ao bem público.

Ademais, ressalta-se que não é necessário revolver o material fático-probatório para restabelecer a sentença que absolveu as acusadas, uma vez que, no caso, os fatos incontroversos já estão delineados nos autos.

Ao ensejo, Não se cuida, na espécie, de revolvimento do conjunto probatório dos autos, senão de requalificação (revaloração) jurídica de fatos incontroversos, amplamente debatidos pelas instâncias ordinárias ( AgRg no HC n. 797.538/SC, Relator Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 15/9/2023).

Portanto, ausente a comprovação quanto ao dolo das acusadas em causar prejuízo ao patrimônio público, o dano no colchão e na cela em que estavam não configura o delito do art. 163, parágrafo único, III, do CP, por ausência de animus nocendi, sendo necessário o restabelecimento da sentença penal absolutória.

Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Contudo, concedo a ordem , de ofício, para restabelecer a sentença que absolveu as pacientes, nos autos da Ação Penal n. 5053120-73.2021.8.21.0001/RS.

Comunique-se ao Tribunal impetrado e ao Juízo de primeiro grau encaminhando-lhes o inteiro teor desta decisão.

Intimem-se.

Brasília, 28 de setembro de 2023.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator

(STJ - HC: 856990, Relator: REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: 29/09/2023)

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