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30 de Abril de 2024

STJ Dez22 - Absolvição em Crime Tributário por Ausência de Dolo

ano passado

AgRg no HABEAS CORPUS Nº 751761 - SC (2022/0194247-0)

DECISÃO Trata-se de agravo regimental interposto por LETÍCIA PRZYGODA BAUER e RICARDO JENSEN BAUER contra decisão monocrática que não conheceu o habeas corpus.

Em razões, a agravante apenas reitera os argumentos trazidos no habeas corpus, destacando que a análise da continuidade delitiva independe da análise pelo Tribunal de origem, considerando que, existente a possibilidade de ofensa ao status libertatis, o habeas corpus deve ser analisado em sua amplitude.

Por outro lado, ressalta que não teria sido demonstrado o dolo de apropriação, necessário à condenação, tendo o Tribunal a quo decidido que a condenação pode ser ancorada tão somente no dolo genérico. Requer, assim, pelo provimento do recurso, reconsiderando-se a decisão anterior, a fim de que seja concedida a ordem. É o relatório.

Assiste razão aos agravantes. De fato, à luz do entendimento firmado pelo STF, em sua composição plena, é válido o apenamento da conduta de deixar de recolher o ICMS próprio, desde que o contribuinte o faça de forma contumaz e imbuído de um elemento subjetivo específico: o dolo de apropriação.

Eis a ementa do julgado: "Direito penal. Recurso em Habeas Corpus. Não recolhimento do valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço. Tipicidade. 1. O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. , II, da Lei nº 8.137/1990. 2. Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos. 3. Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta. De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constata-se não se tratar de excentricidade brasileira, pois se encontram tipos penais assemelhados em países como Itália, Portugal e EUA. 4. Em terceiro lugar, uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e uma interpretação atenta às consequências da decisão conduzem ao reconhecimento da tipicidade da conduta. Por um lado, a apropriação indébita do ICMS, o tributo mais sonegado do País, gera graves danos ao erário e à livre concorrência. Por outro lado, é virtualmente impossível que alguém seja preso por esse delito. 5. Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades. 6. A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de laranjas no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc. 7. Recurso desprovido. 8. Fixação da seguinte tese: O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. , II, da Lei nº 8.137/1990". ( RHC 163.334, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, DJe 12/11/2020; grifei)

Neste STJ, em igual sentido, há precedentes que aplicam exatamente a ratio firmada pelo STF, do que são exemplos os seguintes julgados:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. , II, DA LEI 8.137/1990. FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS PRÓPRIO DECLARADO. DOLO DE APROPRIAÇÃO E CONTUMÁCIA NÃO CONSTATADOS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PRETENSÃO DE RESTABELECER A CONDENAÇÃO. INVIABILIDADE. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STF NO RHC 163.334/SC. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. 'O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990' ( RHC 163.334/SC, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, DJe 12/11/2020; grifei). 2. Inexistindo demonstração, no acórdão recorrido, da contumácia e do dolo de apropriação, é inviável o restabelecimento da condenação. 3. Agravo regimental desprovido". ( AgRg no REsp n. 1.943.290/SC, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 28/9/2021, DJe de 4/10/2021.)

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. CRIME TRIBUTÁRIO. ART. , INCISO II, DA LEI 8.137/90. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO AOS COFRES PÚBLICOS DE VALORES RELATIVOS AO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS - ICMS. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE POR AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E DE CONTUMÁCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. IRRELEVÂNCIA DA EXISTÊNCIA DE DECLARAÇÃO DO TRIBUTO PARA A DEMONSTRAÇÃO DO DOLO DE APROPRIAÇÃO. INVIABILIDADE DE VERIFICAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE EVENTUAL CRISE ECONÔMICA VIVENCIADA NO PAÍS E O NÃO RECOLHIMENTO DO TRIBUTO PELO CONTRIBUINTE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 18/12/2019, julgou o RHC n. 163.334/SC fixando a tese de que 'o contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990' - Informativo n. 964 do STF, divulgado em 5 de fevereiro de 2020. Prevaleceu a compreensão de que o valor do ICMS cobrado em cada operação comercial não integra o patrimônio do comerciante; ele é apenas o depositário desse ingresso de caixa, que, depois de devidamente compensado, deve ser recolhido aos cofres públicos ( HC 556.551/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 05/08/2020) [...] 4. Não tendo as instâncias ordinárias deliberado sobre a tese da atipicidade da conduta por ausência de contumácia, é inviável seu exame por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância. Mas, ainda que assim não fosse, a reiteração da conduta por 12 (doze) meses consecutivos, como ocorreu na hipótese em exame, transmite a inequívoca compreensão da utilização do dinheiro devido ao ente estatal para manutenção das atividades empresariais, revelando, portanto, a figura do devedor contumaz. [...] 7. Agravo regimental desprovido". ( AgRg no HC 609.039/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 17/11/2020, DJe 23/11/2020)

No presente caso, o acórdão recorrido contrariou frontalmente essa orientação jurisprudencial, ao afirmar que o tipo penal satisfaz-se com a simples omissão no recolhimento do tributo, sem a necessidade de comprovação do dolo de apropriação (e-STJ, fl. 50).

Destaco que, como expressamente consignou o STF, contumácia e dolo de apropriação são requisitos cumulativos, de modo que inviável a condenação, se ausente um dos elementos. Ante o exposto, dou provimento ao agravo regimental, para reconsiderar a decisão e absolver os agravantes, por atipicidade da conduta. Publique-se. Intime-se. Brasília, 14 de dezembro de 2022. Ministro Ribeiro Dantas Relator

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(STJ - AgRg no HC: 751761 SC 2022/0194247-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 16/12/2022)

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