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6 de Maio de 2024

STJ Out22 - Trancamento de Ação Penal -Crime Tributário - Inépcia da Denúncia

ano passado

Decisão

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 167952 - PB (2022/0220403-7)

DECISÃO Trata-se de recurso ordinário interposto por FERNANDO ANTÔNIO ESTELITA GUERRA JÚNIOR contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, que denegou a ordem no HC n. 0812222-07.2022.8.15.0000.

O Ministério Público da Paraíba ofereceu denúncia contra o ora recorrente e o corréu André Ranieli Pereira, em razão da suposta prática de crime contra a ordem tributária, cometido no exercício da administração da empresa Temape - Terminais Marítimos de Pernambuco, S.A (PETROVIA) nos meses de novembro e dezembro de 2015, quando a empresa teria deixado de recolher valores relativos ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).

O prejuízo apurado por meio do procedimento administrativo é da ordem de R$ 3,5 milhões. Após o recebimento da peça inaugural, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça paraibano, aduzindo, em síntese, a inépcia da denúncia e falta de justa causa para o exercício da ação penal, sob o argumento de que a denúncia atribui responsabilidade penal ao ora recorrente apenas em razão de ser ele o administrador da empresa, o que caracteriza responsabilidade penal objetiva, o que é rechaçado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

O Tribunal local denegou a ordem, por meio de acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 144): HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. 1. TRANCAMENTO DAAÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESES DE ATIPICIDADE, INÉPCIA DADENÚNCIA, AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL OU CONDIÇÃO DA AÇÃOPENAL OU DE JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADAS. PRECEDENTES. 2. INÉPCIA DADENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSOPENAL. PREENCHIMENTO. 3. ORDEM DENEGADA. 1. Na linha dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Estadual, o trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, constitui medida excepcional, cabível tão somente nas hipóteses de inépcia da denúncia ou da queixa, falta de pressuposto processual ou condição da ação penal ou flagrante ausência de justa causa, circunstâncias não alcançadas pela hipótese vertente. 2. A tese de inépcia da denúncia não merece guarida, quando constatado que a peça inaugural preenche a totalidade dos requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, ao passo em que narra todos os elementos e circunstâncias essenciais dos fatos delituosos, expondo-os deforma clara e objetiva, de tal sorte que fora regularmente recebida pelo Juízo Monocrático. (TJPB. HC n. 0812222-07.2022.8.15.0000. Rel. JOÃO BATISTA VASCONCELOS - Juiz convocado. Câmara Criminal. Julgado em 28 de junho de 2022).

Neste recurso ordinário, a defesa insiste na tese de inépcia da peça acusatória, que não descreveu nenhuma conduta tida por ilícita praticada pelo ora recorrente, limitando-se a afirmar ser ele o responsável pela administração da sociedade empresária, deixando de indicar qualquer liame subjetivo entre as atividades por ele exercidas e os atos que resultaram na sonegação dos tributos. Diante disso, requer, liminarmente, a suspensão da ação penal e, no mérito, seu trancamento. O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fls. 185-186).

Os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal, nos termos do art. 64, inciso II, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, e de lá retornaram com manifestação pelo desprovimento do recurso (e-STJ, fls. 191-195). É o relatório. Decido. Atendidos os pressupostos de admissibilidade, passo ao exame do mérito recursal. Este recurso ordinário busca, em síntese, o trancamento da Ação Penal n. 0000213-55.2020.8.15.0731, ajuizada perante a 1ª Vara Mista de Cabedelo, no Estado da Paraíba, destinada a apurar a suposta prática do crime previsto no art. 2º, inciso II, na forma do art. 12, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, que teria sido cometido pelo ora recorrente e pelo corréu André Ranieli Pereira, responsáveis pela administração da TEMAPE - Terminais Marítimos de Pernambuco, S.A (PETROVIA).

Como se sabe, o trancamento de ações penais e de procedimentos investigativos pela via do habeas corpus somente é viável quando, de plano, comprovar-se a inépcia da inicial acusatória, a atipicidade da conduta, a presença de causa extintiva de punibilidade ou, finalmente, quando se constatar a ausência de elementos indiciários de autoria ou de prova da materialidade do crime.

Nesta senda, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito ( RHC n. 43.659/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 15/12/2014).

Não se admite, por essa razão, na maior parte das vezes, a apreciação de alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de inexistência de indícios de autoria e materialidade em sede mandamental, pois tais constatações dependem, via de regra, da análise pormenorizada dos fatos, ensejando revolvimento de provas incompatíveis, como referido alhures, com o rito sumário do mandamus.

Por outro lado, sabe-se que a simples existência de uma ação penal ou de um procedimento de investigação criminal desprovido de lastro probatório mínimo não pode ser tolerado em um ambiente institucional que preze pela legalidade e pela proteção das liberdades individuais. Isto porque tais procedimentos representam grande agravo à vida do réu, já que os estigmas causados pelo ajuizamento de uma ação penal em desfavor de alguém ultrapassa os limites do simples aborrecimento, trazendo consequências negativas para a reputação do acusado.

Por isso que, nas palavras do eminente Ministro JORGE MUSSI, Se a denúncia é natimorta, preferível que se passe desde logo o competente atestado de óbito, porque não há lugar maior para o extravasamento dos ódios e dos rancores do que a deflagração de uma "actio poenalis" contra pessoa reconhecidamente inocente ( HC 325.713/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 20/9/2017).

Feitas essas ponderações, passo ao exame do caso concreto. A peça acusatória informa que, nos meses de novembro e dezembro de 2015, os denunciados deixaram de recolher ICMS relativo a mercadorias sujeitas a retenção de imposto, cobrando o tributo do contribuinte, mas não repassando ao fisco estadual dentro do prazo assinalado em lei.

De acordo com a defesa, a denúncia não individualiza as supostas ações delituosas praticadas pelo recorrente, limitando-se a atribuir-lhe responsabilidade criminal em razão de ser ele o responsável pela administração da empresa sonegadora, o que caracteriza responsabilização objetiva e inviabiliza o exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Sobre esse tema, embora o Tribunal de origem tenha afirmado que a peça inaugural atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não é possível extrair, de sua leitura, fatos ou condutas praticadas pelo recorrente que permitam concluir pela prática de ações ou omissões dolosas que tenham sido relevantes para a produção do resultado lesivo indicado na denúncia.

Destaco que, não obstante compreender-se que a denúncia não passa de uma proposta de demonstração da prática de fato típico e antijurídico imputado a pessoa determinada, não lhe sendo exigida provas exaurientes de que os fatos ocorreram tal como ela narra, não se pode admitir a propositura de ação penal sem que haja a mínima indicação das condutas delitivas perpetradas, de modo a permitir que a defesa escolha as estratégias que julgar adequadas para infirmar a narrativa acusatória.

De fato, a acusação deve conter a descrição dos fatos supostamente criminosos com suas circunstâncias e a imputação plausível de sua autoria, não sendo a ocasião de se individualizar as condutas dos acusados a nível de pormenores. Entretanto, não se pode admitir narrativas que não apontem, minimamente, a prática de ações ou omissões relevantes para os atos delituosos.

Assim, não há como manter a denúncia por se revelar demasiado genérica com relação ao ora recorrente. Como se sabe, a denúncia genérica e abstrata dá causa à inversão do ônus probandi, haja vista que a ausência de descrição mínima da conduta imputada ao acusado, bem como do fato ocorrido, em última análise implica a incumbência de o denunciado demonstrar a não participação no ilícito penal, o que revela violação do exercício da ampla defesa e do contraditório."( HC 438.144/ES, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/08/2018, DJe 28/08/2018).

No mesmo sentido: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. LAVAGEM DE DINHEIRO. OPERAÇÃO" ZELOTES ". INÉPCIA DA DENÚNCIA. DESCRIÇÃO GENÉRICA DOS FATOS CRIMINOSOS. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. TRANCAMENTO PARCIAL DA AÇÃO PENAL RELATIVO AOS FATOS DESCRITOS NO PERÍODO DE 2009 A 2012. ORDEM CONCEDIDA. 1. Não atende aos requisitos do art. 41 do CPP a peça acusatória que, ao imputar o crime de corrupção passiva, não indica precisamente qual vantagem indevida ou promessa de tal vantagem teria sido solicitada ou recebida pelo agente apta a caracterizar o crime, tampouco quando, ao imputar o delito de lavagem de dinheiro, não individualiza a conduta do agente no conjunto de acusados, ao final, mostrando-se genérica. 2. Habeas corpus concedido para trancar a Ação Penal n. 1008629-96.2019.4.01.3400, em relação ao paciente, somente no que se refere aos fatos correspondentes ao período de 2009 a 2012. ( HABEAS CORPUS 588.159/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 25/08/2020, DJe 04/09/2020)

Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso, para trancar a Ação Penal n. 0000213-55.2020.8.15.0731, sem prejuízo de oferecimento de nova inicial acusatória, desde que observados os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. Intimem-se. Brasília, 03 de outubro de 2022. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator

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(STJ - RHC: 167952 PB 2022/0220403-7, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: DJ 04/10/2022)

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