Página 651 da Judicial - 2ª Instância do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 28 de Junho de 2016

discrimination e que seja fair and equitable. (...) Também a lei da Alemanha prevê a possibilidade de o juiz superar a rejeição ao plano manifestada por uma classe de credores. (...) Essa breve digressão pelo direito comparado (...) é útil para demonstrar que a lei brasileira, em tema de cram down, adotou um regime que se afasta das diretrizes geralmente reconhecidas como válidas. Revelando a clara preocupação de limitar o poder do juiz, preferiu adotar critérios vinculados à obtenção de determinado número de votos na assembleia geral (art. 58, § 1º, incs. I a III), acrescidos apenas da exigência uniforme das relações horizontais da classe que rejeitou o plano”. (Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, coordenação de Francisco Satiro de Souza Júnior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, Ed. RT, São Paulo, 2ª edição, 2007, pp. 289 e 291). Pois bem. A principal questão que deve ser enfrentada diz respeito à possibilidade, ou não, de alteração de um plano de recuperação que já havia sido homologado. Trata-se de uma hipótese perfeitamente possível, à luz do artigo 35, inciso I, alínea ‘a’ da Lei nº 11.101/2005, de acordo com o qual a Assembleia Geral de Credores tem atribuição para deliberar sobre “aprovação, rejeição ou modificação do plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor”. Há recente julgado do Superior Tribunal de Justiça que se amolda como uma luva ao presente caso. Vejamos: “RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MODIFICAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO APÓS O BIÊNIO DE SUPERVISÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE, DESDE QUE NÃO TENHA OCORRIDO O ENCERRAMENTO DAQUELA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. ALTERAÇÃO SUBMETIDA À ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. SOBERANIA DO ÓRGÃO. DEVEDOR DISSIDENTE QUE DEVE SE SUBMETER AOS NOVOS DITAMES DO PLANO. PRINCÍPIOS DA RELEVÂNCIA DOS INTERESSES DOS CREDORES E DA PAR CONDITIO CREDITORUM. 1. O legislador brasileiro, ao elaborar o diploma recuperacional, traçou alguns princípios, de caráter axiológicoprogramático, com o intuito de manter a solidez das diversas normas que compõem a referida legislação. Dentre todos, destacam-se os princípios da relevância dos interesses dos credores; par conditio creditorum; e da preservação da empresa, os quais são encontrados no artigo 47 da Lei 11.101/2005. 2. Essa base principiológica serve de alicerce para a constituição da Assembleia Geral de Credores, a qual possui a atribuição de aprovar ou rejeitar o plano de recuperação judicial, nos moldes apresentados pelo Administrador Judicial da empresa recuperanda. 3. Outrossim, por meio da ‘Teoria dos Jogos’, percebe-se uma interação estratégica entre o devedor e os credores, capaz de pressupor um consenso mínimo de ambos a respeito dos termos delineados no plano de recuperação judicial. Essas negociações demonstram o abandono de um olhar individualizado de cada crédito e um apego maior à interação coletiva e organizada. 4. Discute-se, na espécie, sobre a modificação do plano originalmente proposto, após o biênio de supervisão judicial - constante do artigo 61 da Lei de Falencias -, sem que houvesse o encerramento da recuperação judicial da empresa recuperanda. Ainda que transcorrido o prazo de até 2 anos de supervisão judicial, não houve, como ato subsequente, o encerramento da recuperação, e, por isso, os efeitos da recuperação judicial ainda perduram, mantendo assim a vinculação de todos os credores à deliberação da Assembleia. 5. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 1302735-SP, 4ª Turma, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17/03/2016, DJe 05/04/2016) Ao mesmo entendimento chegou o Enunciado no. 77 da II JORNADA DE DIREITO COMERCIAL, coordenada pelo CJF: “As alterações do plano de recuperação judicial devem ser submetidas à assembleia geral de credores, e a aprovação obedecerá ao quorum previsto no art. 45 da Lei n. 11.101/05, tendo caráter vinculante a todos os credores submetidos à recuperação judicial, observada a ressalva do art. 50, § 1º, da Lei n. 11.101/05, ainda que propostas as alterações após dois anos da concessão da recuperação judicial e desde que ainda não encerrada por sentença”. A fundamentação de referido enunciado, inteiramente aplicável ao caso concreto, foi a seguinte: Ainda que a alteração do plano seja proposta depois de dois anos da concessão da recuperação judicial, época em que tal recuperação, em tese, poderia ter sido encerrada caso não tivesse havido descumprimento do plano, nos termos do art. 63 da Lei n. 11.101/05, deve prevalecer a vontade da maioria presente à assembleia, com caráter vinculativo a todos os credores submetidos à recuperação judicial, respeitada a ressalva do art. 50, § 1º, da Lei n. 11.101/05. A justificativa para o enunciado reside na tentativa de vincular as alterações do plano posteriores ao decurso de dois da concessão da recuperação a todos os credores submetidos à recuperação e não restringi-las apenas aos anuentes, que aprovaram as alterações do plano em assembleia, sob pena de desconsiderar a regra de maioria, típica das assembleias de credores, e tornar o prosseguimento da recuperação judicial inócuo. Além disso, a mudança de cenário econômico pode inviabilizar o cumprimento do plano, o que levaria à decretação da falência da empresa. Em face do princípio da preservação da empresa, e de sua função social, recomenda-se envidar esforços para a adequação ou ajustes no plano, submetida a proposta, por analogia à regra do art. 56 da Lei n. 11.101/2005, à assembleia de credores que será soberana para deliberar a respeito, na forma do art. 35, inc. I, letra f da Lei n. 11.101/2005. Precedentes: TJRS 70044939700; 70047223201; 70040733479”. Tal como no Recurso Especial e no Enunciado 77 acima referidos, mostra-se possível a modificação do plano de recuperação, ainda que tenham decorrido cinco anos da aprovação do plano originário, justamente porque não ocorreu o encerramento do processo de recuperação e, ainda, à luz do princípio da preservação da empresa. Registro que o plano de recuperação, e esse ponto é extremamente claro no decisum atacado, preocupa-se com a destinação de Usinas justamente para atingir a finalidade precípua do processo de recuperação, que é o pagamento do passivo da empresa. É verdade que o plano prevê cláusulas nitidamente inválidas, as quais, todavia, foram corretamente extirpadas pelo Juízo em razão da violação a dispositivos legais cogentes. O Judiciário brasileiro já considerou que ao Juiz é dado intervir, excepcionalmente, nos planos de recuperação judicial, quando a aprovação ou a rejeição, apesar de refletir o desejo majoritário da comunidade de credores, violar normas cogentes ou de ordem pública. A razão de se admitir o controle judicial sobre a aprovação da assembleia geral ao plano de recuperação é simples. É entendimento corrente da doutrina que a aprovação (ou a rejeição) do plano de recuperação judicial tem a natureza jurídica de negócio novativo. Um negócio jurídico plurilateral, no qual a decisão da maioria, respeitados os quóruns previstos em lei, vincula a minoria dissidente, ou os credores silentes (Mauro Rodrigues Penteado, Comentários à Li de Recuperação de Empresas e Falências, diversos autores coordenados por Francisco Satiro de Souza Júnior e Antonio Sérgio A. de Moraes Pitombo, Editora RT, p. 84 e seguintes). Parece claro que, como qualquer negócio jurídico, não basta o consenso (ou a aprovação da maioria), mas também que o ordenamento jurídico tutele o acordo novativo entre o devedor e seus credores. Vigora o princípio da autonomia privada, segundo o qual, desde Emilio Betti, o negócio jurídico nada mais é do que a declaração de vontade privada destinada a produzir os efeitos que o agente deseja e o direito reconhece (Fernando Noronha, O direito dos contratos e seus princípios fundamentais, p. 111 e seguintes). Não parece exato, portanto, referir, como faz parte da doutrina e da jurisprudência, à soberania da assembleia, que não tem qualquer poder de império, mas apenas consente à proposta de pagamento formulada pelo devedor. Como todo e qualquer negócio jurídico, a aprovação assemblear do plano de recuperação judicial deve observar todas as normas cogentes da LFR e também do direito comum, com especial destaque para os novos princípios de ordem pública que iluminam o direito contratual, quais sejam, o da boa-fé objetiva, o da função social e o do equilíbrio (ou justiça contratual) (Fernando Noronha, O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais, Saraiva, p. 116 e seguintes; Tereza Negreiros, Teoria do contrato: novos paradigmas, Renovar, p. 106 e seguintes). Registro, ademais, que a decretação da quebra teria consequências nefastas para os próprios credores. Tal como ponderou o MM. Juiz de Direito, amparado nas manifestações do Administrador Judicial e do Ministério Público, a recuperação se mostra viável. Prudente a tentativa de alienação de uma Unidade Produtiva Isolada como alternativa à decretação da quebra, bem como a continuidade das atividades de certas usinas

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