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17 de Maio de 2024

A tutela penal de animais e os seus limites frente ao direito fundamental à liberdade de culto

há 5 anos

Por Danielle Ortiz de Avila Souza

A busca pelos direitos dos animais, hoje, vem contando com um grande apelo no mundo do direito. Os animais não são mais vistos somente como objetos utilizados para satisfazer os interesses do homem, mas, sim, como seres que também sofrem física e psicologicamente, nascendo iguais os homens e possuindo direitos à existência.

Tutela penal de animais

Segundo TEIXEIRA NETO (2017, p. 46), os animais são “titulares de bens jurídico-penais”, aduzindo que “estão sujeitos à vontade dos seres humanos. Estes que podem lhe causar o sofrimento desnecessário em nível intolerável, surgindo o chamamento à sua proteção”.

Frisa-se que há diversas semelhanças entre os animais e os seres humanos, valores nos quais devem ser intrínsecos e invioláveis, ou seja, os animais não devem ser tratados como coisas.

São sujeitos que possuem consciência, sendo capazes de sentirem dor e sofrimento, sendo possuidores de inteligência, além de “múltiplas facetas”, sejam elas “linguísticas, matemáticas, especiais, musicais, entre outras”, e essas mesmas criaturas que falam e que sentem, são seres vivos, ou seja, não precisam ser necessariamente animais humanos (MEDEIROS, 2013. p. 135).

A ideia de que seres humanos vêm em primeiro lugar é usada como pretexto para que os animais não possam adquirir direitos, nem mesmo ser detentor de proteção contra atos de maldade, já que no Brasil a pena de maus tratos é ínfima a quem pratica maus tratos.

Conforme BOFF (2001, p. 59) descreve: “Quando por motivos egoístas se cometem crueldades desumanas, quando se maltrata o próximo ou os animais, estamos diante de comportamentos inteiramente inadequados á posição e à capacidade evolutiva do homem”, ou seja, o sofrimento é tão significante aos animais, quanto é a nós seres humanos.

Observa-se que o sofrimento é capaz de reduzir a qualidade de vida ao indivíduo humano ou animal, sendo extremamente prejudicial à sua saúde física e mental. Ao contrário de seres humanos, os animais não tem a possibilidade de mudar a situação em que se encontram, sendo submetidos muitas vezes a diversas formas de crueldade. SINGER (2004, p.13) descreve que os animais

respondem fisiologicamente como nós humanos, quando se encontram em circunstâncias em que sentiríamos dor: elevação inicial da pressão sanguínea, pupilas dilatadas, transpiração, aceleração do pulso e, se os estimulo continuar, queda da pressão sanguínea.

Um animal também seria “capaz de sofrer mais intensamente do que um humano em certas ocasiões” (NACONECY, 2014. p. 119).

Tutela penal de animais e liberdade de culto

O uso de animais estão presentes em diversas práticas para satisfazer o interesse do homem, incluindo a busca por diversão, o trabalho e também em práticas religiosas, estas marcadas por ideias, símbolos sagrados ou rituais. Cada religião possui seus ritos sagrados, algumas fazem o uso de imagens, de objetos, de ervas e flores ou de animais. A questão é, até que ponto o uso de animais no âmbito religioso fere a tutela penal de animais, frente ao direito fundamental da liberdade de culto?

As religiões de matriz africana foram incorporadas a cultura brasileira desde há muito, quando os primeiros escravizados encontraram em sua religiosidade uma forma de preservar suas tradições, idiomas, conhecimentos e valores trazidos da África.

Entre os cultos afro-brasileiros estão o sacrifício de animais, estes que são praticados “em devoção” aos santos, que se “enquadra num contexto de mímesis, onde o ícone do santo representa ao mesmo tempo sujeito e objeto de imitação” (PEREIRA, 2004. p. 65).

A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo , inciso VI, declara a inviolabilidade a liberdade de crença e assegura “o livre exercício dos cultos religiosos”, além de garantir a “proteção aos locais de culto e as suas liturgias”, porém, a Carta Magna em seu artigo 225, § 1º, inciso VII, também proclama a vedação das práticas cruéis contra os animais, ou seja, a lei federal penaliza os maus tratos aos animais, porém cria exceção aos rituais religiosos.

A violência contra os animais está embasada sob o “argumento de tradição, de cultura e de que isso faz parte da natureza humana”; contudo, a sociedade é marcada pela “redescoberta, ou seja, em alguns casos, pela dissolução da tradição” (MEDEIROS e HESS, 2017. p. 45).

Salienta-se que não se podem coibir as manifestações religiosas e a liberdade de culto, porém o que se questiona é o uso de animais em rituais, sob o questionamento dos maus tratos e a morte. Ainda, MEDEIROS (2013, p. 172) salienta que “a proposta de bem-estar animal ou de direitos dos animais, ou mesmo esta terceira via estão atreladas a uma teoria de dever fundamental, ou seja, independentemente da teoria que se adote com relação aos animais, o homem tem deveres para com eles”.

Dessa forma, ressalta-se que não há nenhuma crença que deva prevalecer acima do direito à vida, temos o dever de proteger os direitos de uma minoria oprimida, ignorada e maltratada pelo homem. O respeito e a compaixão deve ser destinada a todas as espécies, sobrepondo-se a qualquer costume, credo ou religião.

Não há sacrifício sem o sofrimento dos animais, pois mesmo antes do ato, o animal senciente já passa pelo momento de ápice de stress, medo e angústia. A capacidade de sofrimento é similar em todas as criaturas sencientes, independente de ser humana ou não.


REFERÊNCIAS

BOFF, Leonardo. Princípio de compaixão e cuidado. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2001.

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos Animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. HESS, Giovana Albo. Animais e cultura: um desafio a ser enfrentado. In: MARTINI, Sandra Regina; WALDMAN, Ricardo Libel; AZEVEDO, Juliana Lima de. (Org.). O movimento entre os saberes: a transdisciplinaridade e o direito. Porto Alegre: Editora Evangraf, 2017.

NACONECY, Carlos. Ética e animais: um guia de argumentação filosófica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2014.

PEREIRA, José Carlos. Sincretismo religioso e ritos sacrificiais – influências das religiões afro no catolicismo popular brasileiro. São Paulo: Editora Zouk, 2004.

SINGER, Peter. Libertação Animal. Porto Alegre: Editora Lugano, 2004.

TEIXEIRA NETO, João Alves. Tutela penal de animais: uma compreensão onto-antropológica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017.

Fonte: Canal Ciências Criminais


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Gostei muito deste artigo, fico feliz que há pessoas no meio jurídico que tem olhar para os animais.
Eu como estudante de direito não vejo apreciação por professores do meu curso, pois o meu tema de TCC é sobre crime de abandono e maus tratos de animais, mas infelizmente nem professor do curso não pode me orientar, mas não irei desistir vou fazer este tema.
Muito obrigada! Espero ler mais assunto direcionado aos animais, pois são seres sencientes. continuar lendo