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6 de Maio de 2024

Comoriência como solução de questões de interesse na herança

As consequências determinantes na ordem da vocação hereditária

há 10 anos

Determinar quem faleceu primeiro, nem sempre é possível em certas circunstâncias quando ocorrem mortes simultâneas, como num acidente automobilístico, numa explosão, queda de aeronave, dentre tantas outras possibilidades que poderíamos inclui-las.

Consideremos então que: dentre estas pessoas que morreram simultaneamente, estavam aquelas que são herdeiras reciprocamente umas das outras. Pergunto: Como enfrentar os reflexos desta questão no direito sucessório? Como a legislação brasileira trata deste assunto, para dirimir as questões dos conflitos de interesses decorrentes, na transmissão da herança?

A legislação civil remete a questão concreta para aplicação da comoriência.

Qual é o significado deste termo jurídico do Direito Civil? Quais seus efeitos para o Direito Sucessório? Se existente na questão concreta a comoriência contrariando os interesses no resultado da causa, é cabível a contrariedade se já presumida a comoriência? Vejamos:

Pois bem, o nosso ordenamento jurídico vigente adotou a presunção da morte simultânea, quando num evento fático, ocorre à morte de duas ou mais pessoas e não há como estabelecer com precisão, o momento exato da morte de cada uma delas.

O Código Civil, Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002, assim estabeleceu:

“Art. 8º Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.”

Entendo que tal presunção é juris tantum mesmo a considerar que a aplicação da simultaneidade das mortes, somente ocorrerá, por força da lei, quando não se pode averiguar a precedência, ou seja, quem morreu primeiro.

Feita estas considerações, concluímos que a comoriência ocorre, quando não é possível identificar o momento das mortes dos envolvidos, num evento fático, com morte de duas ou mais pessoas, reciprocamente herdeiras umas das outras, presumindo-se então que falecerem no mesmo evento, e no mesmo momento, por presunção legal de comoriência.

Analisando o tema da comoriência, Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil, 1º vol.- São Paulo: Saraiva, p. 71) edição de 1985, a define como "a morte de duas ou mais pessoas, na mesma ocasião e por força do mesmo evento sendo elas reciprocamente herdeiras umas das outras".

Todavia, ainda que seja imperativo o acolhimento da comoriência, continuamos entendendo que a presunção da morte simultânea, é puramente conceitual e relativa, ou seja, válida até prova em contrário. Sendo assim, e existindo prova robusta e inequívoca da proeminência esta será capaz sim de afastar a comoriência. Este tem sido o entendimento amparado pela doutrina e pela jurisprudência dominante. Mais adiante vou citar um interessante exemplo prático como ilustração do tema.

Comoriência como solução de conflitos de efeitos imediatos na Sucessão:

O Direito das Sucessões tem fundamento na Constituição Federal, artigo , inciso XXX, que consagra o direito de herança.

Aproveitando as palavras do iluminado jurista, Dr. Euclides de Oliveira (Juiz Aposentado do 2º TAC.), proferidas na ocasião do congresso jurídico, em que se debatia a reforma da lei civil brasileira nos dias 07 a 11 de abril de 2003, in verbis:

"A transmissão dos bens da herança dá-se logo após a morte do titular, aplicando-se o chamado “droit de saisine” termo originário do direito francês, segundo o qual o morto transmite ao vivo, por consequência automática e imediata, independente da abertura do inventário, que se dá posteriormente, para mera formalização do ato transmissivo."

Saber o exato momento da morte daquele que vai transmitir a herança, ou ter ela declarada, é a questão determinante, porque é a partir deste dia, desta hora, desse fato jurídico ocorrido, ou seja: “MORTE”, que gera o momento da aplicação do direito dos herdeiros e legatário de sucederem o morto, porque a existência da pessoa natural termina com a morte, abrindo-se a sua sucessão.

Lembramos que: Não há sucessão entre comorientes.

Morrendo no mesmo momento, o autor da herança e o herdeiro, este não herdaria, pois não estava vivo quando da morte do autor da herança, devendo essa herança ser destinada a outro herdeiro, de acordo com a contemplação da ordem da vocação hereditária.

A comoriência, se de um lado resolve de pronto uma questão um tanto complexa de conflitos de interesses na herança, de outro trará consequências determinantes na ordem da vocação hereditária, e na partilha dos bens da herança.

Por questões de delimitação do assunto, não vou aprofundar-me sobre estes efeitos, entretanto vou comentar abaixo, no sub item vivenciando a questão, um interessante exemplo prático para esboçar uma posição defendida sobre o tema, tão somente para aclarar o argumentado.

Vivenciando a questão - Exemplo prático - Afastamento da comoriência.

Resumo Histórico: A viúva-meeira, era casada há duas décadas com o “de cujus” pelo regime da comunhão universal de bens, com quem sempre conviveu até a morte deste. Tiveram 03 (três) filhos, que estavam vivos e eram adolescentes naquela ocasião da morte trágica do pai.

O casal possuía um considerável patrimônio e, entre outros bens, uma casa de alto padrão, destinada ao lar conjugal, onde o “de cujus” residiu até a morte com a família.

Anotação 01. O acidente ocorreu não por culta do “de cujus”, entretanto, no evento fático também ocorreu a morte “simultânea” do seu 4º (quarto) filho, menor impúbere, legítimo e legalmente reconhecido, porém, sem convivência com a família conjugal, ainda que ciente deste fato, fruto de uma relação extraconjugal. A mãe deste filho morto, também estava no veículo acidentado, porém sobreviveu aos ferimentos. Ela com o filho eram residentes e domiciliados numa das propriedades rurais do “de cujus”, sendo esta propriedade rural em questão, considerada a de maior valor, (aproximadamente 25% do valor de todos os bens do casal). A mulher mãe do menino morto, era empregada do “de cujus” nesta propriedade rural, mantendo vínculo empregatício CLT, em cargo administrativo.

Anotação 02. Existência de um testamento válido e pela forma autorizada na lei, em que o “de cujus” em manifestação de vontade deixava a noticiada propriedade rural, uma fazenda, com porteiras fechadas, para o 4º filho, existindo porém, cláusula com 03 hipóteses condicionais, em síntese a saber: (resumindo as condições da doação).

a) Se o doador falecer primeiro que o filho donatário, a este se destinará em sua totalidade a fazenda identificada com todos os bens, que a compõe, com cláusula de usufruto vitalício em benefício da mãe do donatário;

b) Se o donatário falecer primeiro que o doador, ficará revogado e sem efeito algum o presente testamento;

c) Em caso de comoriência entre o Doador e o Donatário, o imóvel em questão ficará em sua totalidade, incluindo todos os bens que a compõe, para a mãe do donatário, ficará revogado e sem efeito algum o presente testamento se esta não estiver viva.

§ 1º Parte dos semoventes desta fazenda, quanto bastem, deverão ser vendidos, para quitação da rescisão de contrato de trabalho bem como de todas as verbas trabalhistas, por ventura existentes em relação à beneficiária e a empresa do “de cujus”, devendo ser homologada em juízo.

Anotação 03 - Situação Processual - Testamento válido. Inventário em regular tramitação, todas as partes devidamente representadas. O esboço de partilha nesta fase processual estava assim:

Do total dos bens do casal = 100%: Para a legatária 25% dos bens do casal, (ficando com a Fazenda com porteiras fechadas, e quitação de suas verbas trabalhistas, por força do testamento válido, letra C e parágrafo), com o saldo de 75% restante, Meação = 37,5% dos bens do casal e 37,5%, destinados aos 03 herdeiros necessários (filhos do casal) divididos em partes iguais.

Indignada pelos fatos, pelo conteúdo do testamento válido, e pela divisão da herança e desrespeito à meação, pretendia contrariar.

Análise dos documentos - Conclusão

A interessada portava no momento do contato preliminar, apenas os recortes dos jornais que noticiaram o acidente, uma cópia do boletim de ocorrência da Polícia Rodoviária Estadual, uma fita VHS contendo a reportagem exibida na televisão sobre o acidente, e uma fita K-7, contendo a gravação da notícia radiofônica “ao vivo”, do local do acidente, feita por um repórter da região.

Analisados, nada a contribuir, entretanto na fita K-7, continha uma declaração importantíssima para ser explorada mais precisamente, quando o repórter entrou do local do acidente, na programação ao vivo daquela emissora de rádio, e assim se expressou aos ouvintes: (resumindo)

“Acidente grave com 02 vítimas fatais e uma hospitalizada... (identificava-os etc)... E concluía: o cadáver da vítima (criança), somente agora a pouco foi retirado das ferragens, e vai ser transportado para o necrotério da cidade tal, onde já está o corpo de seu pai...(identificou-o etc) e concluiu dizendo que: segundo informações dos socorristas este, (o pai), foi retirado das ferragens agonizando e morreu no caminho, antes de dar entrada ao hospital”

Esta preciosa informação foi o ponto de partida para após um longo trabalho, constituir um conjunto probatório inequívoco e conclusivo. Finalmente, contrariada a comoriência e provada a premoriência, outro foi o desfecho nos autos do inventário, senão vejamos:

a) Testamento válido - eficácia da letra b acima noticiada e por consequência, foi ao final homologado o novo esboço de partilha apresentado.

b) Meação = 50% do total dos bens do casal. A parte disponível correspondente aos 50%, foi repartida aos 03 filhos herdeiros necessários em partes iguais, o filho morto não deixou descendentes.

Valdir Antônio Ponchio – advogado

___________________________________________________________________

Fonte de Consulta:

1. Artigo , inciso XXXConstituição da Republica Federativa do Brasil de 1988,

2. Artigos 1784 a 2017, Livro V do Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002,

3. Dr. Euclides de Oliveira -Juiz Aposentado do 2º TAC. (DIREITO DAS SUCESSÕES – “DIREITO DE HERANÇA – SUCESSÃO LEGITIMA E TESTAMENTÁRIA”) comentário no congresso jurídico, em que se debatia a reforma da lei civil brasileira, e repercussões na administração pública e no controle externo, publicado no site do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, Abril 2003,

4. Washington de Barros Monteiro (CURSO DE DIREITO CIVIL, 1º vol.- São Paulo: Saraiva, p. 71.) 1985.

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11 Comentários

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Dr Valdir, preciso de uma informação para título de conhecimento.
Se a morte do filho antecedeu a do pai, teria esse direito a herança? continuar lendo

Prezado Airton Pereira Quintão
Ao rigor poderíamos afirmar que não, porque não estava vivo, já que a transmissão de bens da herança é assegurada aos sucessores existentes na data da abertura da sucessão, ressalvados os direitos ao nascituro.

Todavia nosso ordenamento jurídico no tocante aos direitos da sucessão, com o objetivo de manter a igualdade dos herdeiros descendentes, e em respeito da prole, privilegia o principio da igualdade jurídica de todos os filhos vinculados por filiação ao autor da herança, vivos ou não. Desta forma, havendo herdeiro pré-morto, como no seu questionamento acima, a lei chama os descendentes do falecido a sucedê-lo em todos os direitos, não herdando estes por direito próprio, mas na qualidade de representante do herdeiro pré-morto.

A sucessão dos descendentes ocorrerá por estirpe, se os herdeiros são de graus de parentesco diferentes. (exemplo: filhos concorrendo com netos do de cujus).
Com minha consideração e respeito. continuar lendo

Uma dúvida:
Casamento comunhão universal de bens -> 50% do patrimônio total é do cônjuge sobrevivente.
O de cujus tinha herdeiros necessários (4 filhos) então só pode dispor de 50% da meação = 25% do patrimônio.
na hipótese 1 - a meação deveria ser de 50% e não de 37,5%
a última partilha não seria:
na hipótese 2 - 50% do patrimônio para esposa;
12,5% para casa filho (incluindo o pré-morto, sendo que esta parte iria para sua mãe?) continuar lendo

Prezado Nyelse Lima,
Desculpa-me pela demora na resposta, foi motivada por circunstâncias de viagens.

Na hipótese 01 a sua observação está correta, o artigo publicado também está. O testamento em questão envolvia aproximadamente 25% do patrimônio do casal, ou seja, aproximadamente a metade da parte disponível pelo doador.

A questão processual era outra: Testamento válido deferido, e no esboço da partilha apresentada para a viúva-meeira, seria aplicado a hipótese da ocorrência da comoriência, descrita na letra C, e parágrafo primeiro, da anotação 2, e também continha uma proposta de partilha do restante da herança, na proporção de 50% para a viúva-meeira e 50% para os filhos herdeiros vivos. Situação conforme relatado foi contestada.

O desafio do causídico agora era examinar ou não a inexistência de comoriência, e adequar o formal partilha. Provada a morte do donatário antes do doador, outro foi o desfecho do tocante à partilha.

Outrossim, entendo que a conclusão noticiada, e que foi homologada, esta correta. A representação no direito sucessório existe na linha reta descendente; na ascendente, não.
Com minha consideração e respeito. continuar lendo

No caso de comoriência entre doador e donatário, em que ambos tivessem herdeiro, suponhamos que ao invés de morrer o menor impúbere, morresse a mãe. quem teria direito ao patrimônio? continuar lendo

Prezado SAMUEL DINIZ SOARES

Sua pergunta é oportuna e esclarecedora, senão vejamos:
Recordamos que por definição ocorre a comoriência com "a morte de duas ou mais pessoas, na mesma ocasião e por força do mesmo evento sendo elas reciprocamente herdeiras umas das outras", segundo Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil, 1º vol.- São Paulo: Saraiva, p. 71) edição de 1985, trecho já citado.

Se no fato jurídico em questão e com base no seu questionamento, ao invés de morrer o menor impúbere, apenas argumentando, tivesse morrido a sua mãe, quem teria direito ao patrimônio? Entendo que: Considerando-se que a mãe do menor impúbere não é herdeira do autor da herança (pai falecido), não há que se falar em comoriência. Todavia, analisaremos ainda a questão por força do testamento válido citado:

c) Em caso de comoriência entre o Doador e o Donatário, o imóvel em questão ficará em sua totalidade, incluindo todos os bens que a compõe, para a mãe do donatário, ficará revogado e sem efeito algum o presente testamento se esta não estiver viva.

Para o fato em questão prevaleceu a parte final em destaque na letra C. Sendo assim, ao meu ver a questão será tratada respeitando-se a ordem da vocação hereditária: Metade do patrimônio pertence à viúva-meeira. O pai falecido deixou a esposa e 4 filhos. A esposa,, viúva-meeira, em razão do regime de casamento é titular de 50% do patrimônio liquido. Logo a herança (correspondente a 50% do patrimônio) seria então partilhada por cabeça para cada um dos filhos herdeiros vivos, pois a esposa não concorre nesta parte com os herdeiros.

Em relação a Mãe falecida e o filho (menor impúbere) vivo, caso esta mãe tenha deixado patrimônio, além dos direitos rescisórios trabalhistas etc, este único filho será o herdeiro.
Com minha consideração e respeito. continuar lendo

Sou estudante de Administração, mas minha paixão é o Direito, e o direito de sucessão é algo encantador. Obrigada pelo texto. continuar lendo