Conceito e Natureza Jurídica do bem de família
O escopo da tutela do bem de família é a proteção ao mínimo existencial dos integrantes do núcleo familiar. A família atual deve ser estudada sob o prisma de uma visão instrumental, em busca do projeto de felicidade de seus membros – conceito instrumental e eudemonístico de família[1].
A um só tempo se promove a proteção do ser humano, em sua digna individualidade, como também se permite a tutela da família, base da sociedade, a merecer especial proteção do Estado, na forma do artigo 236 da Constituição Federal.
Nessa linha de pensamento, vaticina Maria Berenice Dias[2] que o bem de família tutela, em verdade, os integrantes da família. A moradia é um direito constitucionalmente assegurado a todos (art. 6 da CF/88). O objetivo do legislador foi garantir a cada individuo, ao menos, um teto onde morar, prevalecendo a moradia à tutela do crédito, em um claro juízo de ponderação de interesses[3]. Assim, ao revés de restringir, o conceito de bem de família há de ser ampliado nesta nítida opção entre proteger a pessoa e a família sobre o crédito.
Como já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça sobre o tema?
Há muito já afirma o Superior Tribunal de Justiça a impenhorabilidade do bem de família para as mais diversas espécies de entidades familiares. Apenas a título ilustrativo, cita-se um julgado de 1998, no qual firmou a Egrégia Casa Judicial a impenhorabilidade, por ser de família, do imóvel destinado a residência de dois irmãos. Cita-se:
STJ - PENHORA. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. MORADIA DA FAMÍLIA. IRMÃOS SOLTEIROS. ENTIDADE FAMILIAR RECONHECIDA. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. LEI 8.009/90, ART. 1º.
Os irmãos solteiros que residem no imóvel comum constituem uma entidade familiar e por isso o apartamento onde moram goza da proteção de impenhorabilidade, prevista na Lei 8.009/90, não podendo ser penhorado na execução de dívida assumida por um deles. (REsp 159851 / SP. Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Quarta Turma. Julgado em 19.03.1998)
Não soa razoável e proporcional deixar à margem da lei – e, por conseguinte, ao relento - o indivíduo que, por contingencia ou opção, vive só e não constitui uma família. Pelo mesmo mecanismo de pensamento, o cidadão que é sozinho (single family ou família unipessoal) também merece tutela, ou seja, merece igualmente proteção a sua moradia. Tal premissa inclui-se na proteção do bem de família dos solteiros, viúvos, celibatários, padres, divorciados e de todos aqueles que, por opção ou necessidade, residem sozinhos.
Tal pensamento hoje também já se encontra pacificado na jurisprudência nacional, consoante a redação daSúmula 364 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça[4]: “o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”
No que diz respeito à natureza jurídica do bem de família, a polêmica é antiga. Os manuais informam longa divergência, com claras discussões teóricas. Inicialmente, recorda Carlos Roberto Gonçalves[5] que a coisa, objeto do bem de família, não muda a sua natureza, persistindo como objeto de propriedade. O que resta alterada, efetivamente, é a sua finalidade.
O bem de família se caracteriza por ser, em última análise, nada mais, nada menos do que uma forma de afetação de bens a um destino especial, qual seja assegurar a dignidade humana dos componentes do núcleo familiar. Mais uma vez se percebe a visão instrumental do instituto, como bem afirmam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[6]. Protege-se o bem, o qual abriga a família, com o escopo de garantir a sobrevivência digna dos seus integrantes.
No mesmo sentido caminha a doutrina de Álvaro Villaça Azevedo[7] para quem “O bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde ela se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.
Em síntese: o bem de família legal é o imóvel no qual a pessoa reside e tem seu domicílio, impenhorável por força do interesse público-estatal de garantir o direito social de moradia. Sua natureza jurídica é a de um bem particular imobiliário impenhorável.
[1] Op. Cit. P. 522.
[2] Sobre o tema, interessante a consulta a excelente obra do Professor Paranaense: O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[3] No mesmo sentido, Paulo Lobô. Op. Cit. Pág. 395.
[4] Sobre o tema, interessante a consulta a excelente obra do Professor Paranaense: O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[5] Op. Cit. Pág. 558.
[6] Op. Cit.
[7] Comentários aoCódigo Civill. V. 19, p. 11.
Autor: Roberto Figueiredo
Fonte: http://www.portalcarreirajuridica.com.br/noticias/conceitoenatureza-juridica-do-bem-de-família
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