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18 de Maio de 2024

Da anômala decisão que nega seguimento ao recurso especial aplicando-se tese fixada em recurso repetitivo e suas minúcias:

Da varinha de condão e o portal de acesso ao mundo de Harry Potter.

há 2 anos

1 – Introdução.

Sabemos que o estudo mais detalhado dos recursos excepcionais (nesta ocasião, iremos abordar o recurso especial), nas cadeiras das universidades, é, em geral, literalmente colocado de lado.

Por vez, v.g., a sua localização topográfica nos títulos e capítulos finais do Código de Processo Civil não ajuda. Ainda há a aridez característica de suas várias dezenas de requisitos de admissibilidade (os óbices recursais), dentre outras particularidades.

Neste ponto, há alguns, em virtude da realidade paralela destes tipos recursais, que comparam a possibilidade de abertura das matérias ao ambiente jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça como se fossemos ingressar através do portal mágico da saga Harry Potter. Claro que no sentindo alegórico, diga-se.

Por isso, diante deste mundo diferenciado, nos propomos a refletir a respeito de uma situação um tanto mais rara que nos provoca:

- Qual é o recurso cabível para impugnar a decisão que nega seguimento ao recurso especial na hipótese em que a matéria tenha sido julgada em harmonia com tese definida em recurso repetitivo?

Antes de tratar da questão a ser desenvolvida, temos que os operadores do direito, - aqui, pedimos a vênia pelo jargão -, ao confeccionarem o recurso especial e lidarem com seus vários pormenores, sem exagero, deveriam agir como verdadeiros “neurocirurgiões”.

Explicamos o porquê: tal conclusão se dá em virtude da precisão quase milimétrica indispensável para lidar (ou “operar”) com este recurso tão repleto de requisitos.

A propósito, quem sabe, haja uma varinha de condão (como no filme de Harry Potter, também), para resolver, com um simples toque mágico, os incontáveis desafios para um melhor manejo e entendimento do recurso especial? Seria muito bom.

Porém, ansiamos naturalmente, com certa razão, por respostas um tanto simples para situações complexas, especialmente, quando são levantadas novas questões interrelacionadas com um recurso já bastante técnico e rígido, que é o recurso especial.

Na prática, acontece que, pela grande probabilidade de sequer ser admitido, o recurso especial não pode ser redigido através de modelos copiados e peças requentadas.

E, a única maneira “mágica” de haver a probabilidade de exame deste tipo recursal é, por exemplo, atender suas exigências formais, trabalho este para um zeloso artesão, aplicando o direito no caso concreto, como veremos abaixo.

2 - Qual é o recurso cabível para impugnar a decisão que nega seguimento ao recurso especial na hipótese em que a matéria tenha sido julgada em harmonia com tese definida em recurso repetitivo?

No aspecto prático, inicialmente, é bom esclarecer que alguns recursos, pela sua natureza, possuem admissibilidade única pelo relator, a exemplo da apelação e agravo de instrumento.

No entanto, o recurso especial, em regra, tem a dupla análise de admissibilidade: uma primeira, em regra, pela vice-presidência do tribunal de origem. E, se for o caso, haverá uma análise posterior, pelo Superior Tribunal de Justiça, através de sua presidência, quando da distribuição do agravo em recurso especial.

No mais, pelo perfil da decisão que aprecia a admissibilidade do recurso especial, o vice-presidente do tribunal a quo pode entender que a matéria envolvida no conteúdo recursal já foi tratada em sede de recursos repetitivos.

Desta forma, nega-se seguimento ao recurso especial, aplicando-se a tese do recurso repetitivo. Ou seja, aplica-se uma análise de conteúdo e a aplicação de um precedente. Tratando-se de situação mais atípica.

Outro detalhe importante é que, nestes casos, há a possibilidade de inadmissão recursal ligada a análise dos aspectos formais, como o uso do filtro do enunciado 07 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual prevê que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”, sendo o mais utilizado no exame de admissibilidade dos recursos especiais.

Neste ponto, o cerne da questão transforma anômala a decisão quando da dupla decisão de admissibilidade do recurso especial:

- Um capítulo da decisão que trata de fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos (aspecto de conteúdo) e outra parte tratando dos pressupostos de admissibilidade recursais (aspectos formais do recurso).

Com isso, qual constituiria a solução para o dilema, a despeito da unirrecorribilidade recursal?

A resposta, apesar de ser fora do comum, veio, notadamente, através do Enunciado Número 77 do Conselho da Justiça Federal: “Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (art. 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais”.

Ou seja, cabível o agravo interno para impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos e, ao mesmo tempo, o manejo de agravo em recurso especial para impugnar o capítulo referente a ausência dos pressupostos recursais.

Claro que, se houver, no caso concreto, simultaneamente, contra o acórdão do tribunal de origem um recurso extraordinário e um recurso especial, há a possibilidade de interpor-se, por mais estranho que pareça, quatro recursos contra uma mesma decisão (dois agravos em recurso especial e dois agravos internos), situação por demais singular.

De outra forma, há de observar que Superior Tribunal de Justiça possui entendimento recente que “ (...) O agravante deve atacar, de forma específica, todos os fundamentos da decisão que, na origem, inadmitiu o recurso especial. Aplicação do art. 932, III, do CPC/2015 e, por analogia, da Súmula n. 182/STJ (...) (STJ - AgInt no AREsp: 1663102 RS 2020/0033336-7, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 14/03/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/03/2022).

Ou seja, “(...) A decisão de inadmissão do recurso especial é incindível em capítulos autônomos, tornando imprescindível a impugnação específica de todos os seus fundamentos (...) (EAREsp 746.775/PR, relator ministro João Otávio de Noronha, relator p/ acórdão ministro Luís Felipe Salomão, Corte Especial, Dje 30/11/2018).

Portanto, a impugnação apenas parcial, por exemplo, em sede de agravo interno ou agravo em recurso especial não é apta a suprir a deficiência verificada.

Uma vez que deve a parte recorrente impugnar especificamente cada fundamento da decisão do tribunal a quo, mesmo tratando-se de recursos separados, devido ao risco, pela preclusão, v.g., de ensejo precoce da coisa julgada.

3 – Mas, indo além: qual é o recurso cabível, medida ou pretensão autônoma de impugnação contra acórdão que nega provimento a agravo interno, nestes casos?

A situação torna-se mais complexa quando o tribunal de origem, mesmo após suscitada, no agravo interno, a distinção (distinguishing) ou superação (overruling) entre o acórdão recorrido e o repetitivo paradigma usado para obstar o recurso especial, nega provimento ao recurso (agravo interno).

Entretanto, a rigor, em tese, caberia reclamação (para controlar o uso errado de seu precedente) ou recurso especial, mas o próprio Tribunal da Cidadania entendeu que a reclamação não é cabível (STJ - Rcl: 36476 SP 2018/0233708-8, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 05/02/2020, CE - corte especial, Data de Publicação: DJe 06/03/2020). Rcl: número 43019 - SP (2022/0087672-6).

E, também, não seria cabível novo recurso especial ( AgInt nos EDcl no AREsp 1703408/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 12/04/2021, DJe 14/04/2021).

Em tese, pela lógica, ficaria, no mínimo estranho, a parte prejudicada não ter a chance de levar ao Superior Tribunal de Justiça a possibilidade de controle de uma tese prevista em recurso repetitivo por este fixado. Além, do próprio acesso ao referido tribunal.

No mais, por supressão das vias de acesso acima, a ação (pretensão) rescisória viria a ser outra medida viável, já que o Superior Tribunal de Justiça, na própria Rcl: 36476 SP, disse que ação rescisória é cabível. O fato que a ação rescisória é um tipo de ação autônoma dispendiosa e de requisitos rígidos de tramitação.

Apesar de opiniões contrárias, ponderamos sobre uma provável opção mais econômica:

- Se o Superior Tribunal de Justiça disse que não caberia recurso algum contra tal decisão, lógico seria (ou deveria ser) impetrar o mandado de segurança, abrindo-se uma preliminar defendendo que o MS é cabível quando não há recurso para o caso (se o STJ disse que não cabe a RCL/RESP, então pode utilizar-se o MS) ( AgInt no RMS 53.790/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2021, DJe 26/05/2021).

Talvez esta seja uma solução, ou tentativa menos custosa e arriscada, malgrado necessite de maior rigor de aprofundamento em pesquisas e estudos, diante do cenário pantanoso do acesso dificílimo delineado.

4 – Conclusão.

Assim, muito apesar de não termos, como o mago Harry Potter, a varinha mágica para resolver situações complicadas como esta, devemos utilizar o que está mais ao nosso alcance no mundo real, que é a capacidade criadora razoável, - uma habilidade peculiar dos seres humanos -.

E, quiçá, por meio desta destreza (ou criatividade razoável), os operadores do direito (representando os jurisdicionados) possam embarcar, com segurança, no trem ou portal que leva ao estreito mundo do acesso ao Superior Tribunal de Justiça.

Eis a verdadeira mágica.

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O acesso ao STJ já é restrito ao ponto do absurdo já que o juízo de admissibilidade dos desembargadores é genérico em 90% das vezes e se agrava para "desenhar pro juiz e explicar o desenho".

Mas agora temos a novidade da EC 125/2022 que restringiu o acesso ao criar um "repercussão geral" para o Recurso de Revista, mas pasme, ao analisar os artigos é visível que 3 dos requisitos de admissibilidade foram "elitizados" seja pelo valor da causa ou pelo assunto, mantendo-se a exceção somente no penal (obviedade) e por violação de jurisprudência do STJ (chover no molhado).

As cortes superiores criam cada vez mais entraves e já era sabido que nos superiores sobe quem "for amigo do rei" além do sem numero de teses defensivas para afastar, só estão formalizando para que os mero mortais não possam ter acesso continuar lendo