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18 de Maio de 2024

Judicialização da saúde e a repartição de competências do SUS

Tendo em vista a responsabilidade solidária dos entes federados na promoção do direito fundamental à saúde, em demandas judicias, como a autoridade judicial deve determinar qual ente da federação tem o dever da prestação positiva a qual se pleiteia no Judiciário?

há 4 anos

INTRODUÇÃO

O presente texto busca avaliar a incidência da responsabilidade civil do Estado frente a dupla dimensão individual e coletiva do direito à saúde, analisando de que maneira os magistrados pode direcionar a responsabilidade dos entes federativos em demandas de saúde, levando em conta as atribuições próprias do Sistema Único de Saúde, e sua repartição de competência.

Primeiramente, pondera-se sobre o direito fundamental à saúde, sua previsão no texto constitucional; demonstra-se não só relação da promoção desse direito com promoção do conjunto de ações que constitui a seguridade social, como também a relação com o direito à vida. Aponta-se, também, o destinatário e a titularidade, além do bem jurídico tutelado por esse direito.

Posteriormente, reflete-se acerca dos limites do direito fundamental à saúde, ponderando sobre a proibição relativa do retrocesso, bem como sobre o princípio da reserva do possível.

Em seguida, é suscitado a competência comum que a Constituição atribui a todos dos entes federados, indicando também a adoção de diretrizes que favoreça a descentralização e regionalização da rede de ações públicas de saúde, além disso, aborda-se sobre a responsabilidade civil do Estado e a responsabilidade solidário desses entes em demandas de saúde.

Por fim, após exposição do conteúdo indispensável para compreensão do direito à saúde e a responsabilidade civil do Estado em demandas de saúde, elucida-se sobre a Lei orgânica de saúde, o Sistema Único de Saúde e sua criação, e a repartição de competências entre os entes federados, com o intuito de demostrar como a autoridade judicial por direcionar a responsabilidade desses entes quando da judicialização saúde.

1.Direito à Saúde

Como primeira vertente da seguridade social, o direito fundamental à saúde encontra-se assegurado no art. 196, in verbis: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Tal direito possui forte elo com promoção de outros direitos fundamentais em espécies, pois a promoção do direito à saúde integra um conjunto de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, isto é, a seguridade social, que é destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Outra relação é demostrada pela ADPF nº 45, a qual afirma existir uma relação inevitável entre o direito à saúde e o direito à vida. No voto do relator da ADPF, ministro Celso de Melo, é destacado que o direito à saúde compõe o mínimo existencial que representa o conjunto de prestações necessárias para a existência.

1.2 Um direito social de dupla vertente

Outrossim, é válido ressaltar que Sarlet (2002, p. 16) disciplina: “cumpre lembrar a circunstância elementar – embora nem por isso devidamente considerada – de que a saúde não é apenas dever do Estado, mas também da família, da sociedade e, acima de tudo, de cada um de nós”. Portanto, sabe-se que o Estado deve garantir a saúde e promovê-la de forma eficaz, entretanto, também cabe a nós, cidadãos, tutelar a saúde, fiscalizá-la e usufruir de forma justa e coerente para o bem da comunidade.

1.3 Objeto do direito fundamental à saúde

Há uma grande discussão sobre a definição do objeto do direito à saúde, visto que a Constituição não elucida sobre isso. Contudo, para Soares (2016), a vida é o maior bem jurídico protegido pelo direito à saúde, e complementa que todos os poderes devem assegurar esse direito, pois esses se encontram diretamente relacionados, sobretudo, com a ideia de dignidade da pessoa humana.

DESTINATÁRIO: ESTADO

TITULARIDADE: INDIVIDUAL E COLETIVA

2. LIMITES DO DIREITO À SAÚDE

2.1.Proibição relativa de retrocesso

A proibição de retrocesso enuncia que aquilo que foi estabelecido como direito fundamental não poderá ser retirado da ordem constitucional. Além disso, proíbe o Estado de garantir um direito em determinada medida e posteriormente diminua sua proporção.

Segundo a tese relativa, é possível admitir que se legitimaria o retrocesso em casos de graves crises econômicas , então o contexto validaria a relativização da proibição do retrocesso na oferta, por exemplo, de benefícios anteriormente dispostos pelo Sistema Único de Saúde.

2.2 Reserva do Possível

O Estado é destinatário de inúmeros direitos previstos pela Constituição, e o dever de progressivamente ofertar mais recursos para garantir os direitos fundamentais. Entretanto, esbarra na limitação financeira, visto que as demandas são infinitas mais os recursos são escassos.

O princípio ressalta a questão dos limites orçamentários, e que os direitos fundamentais devem ser limitados de acordo com a reserva do possível, e que não há como proporcionar direitos que demandam a ação positiva do Estado sem que haja recursos disponíveis.

SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA nº 175:

O Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento que o ônus é do Estado em comprovar a ausência de recursos , ou seja, a incidência da reversa do possível – assim a absoluta concedida de recursos para promover o direito.

3. Competência comum

A Constituição Federal no artigo 23, inciso II, institui que a saúde é competência comum da União, Estados e Municípios, ou seja, cabe aos entes federativos administrar com a finalidade de assegurar a efetividade do direito à saúde. A Carta Política ainda disciplina, no art. 198, que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, tendo como diretriz a descentralização.

A disposição da norma suprema é baseada na cooperação federativa, com o intuito de garantir o direito à saúde aos indivíduos.

3.1 Responsabilidade civil do Estado

Os entes da federação, bem como as pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado, prestadoras de serviços públicos que compõe a Administração Pública se provocar a lesão aos bens jurídicos de terceiros são obrigados a reparar. O § 6º do art. 37 da CF atribui a responsabilidade à União, aos Estados, do Distrito Federal, Municípios e autarquias; dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo; das empresas públicas, sociedades de economia mista e sociedades privadas, quando no exercício de serviço público e por dano diretamente causado pela execução desse serviço, para cuja caracterização exclui-se o critério orgânico ou subjetivo (GONÇALVES, 2019).

3.2 Responsabilidade solidária do Estado em matéria de saúde

O Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 855178/2019, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, fixou o entendimento: “Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro” (BRASIL, 2019).

Nesse diapasão, em processos que ensejam que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferte determinada tecnologia em matéria de saúde, podem ser chamados como litisconsortes passivos a União, Estado e Município. A parte autora então com o reconhecimento da solidariedade, pode ajuizar a ação contra qualquer dos entes federativos.

4. Lei Orgânica da saúde

4.1 Disposições preliminares

Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080) sancionada em 19 de setembro de 1990, regula as ações e serviços de saúde em todo o território nacional, dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, além de estabelecer os princípios, as diretrizes e os objetivos do Sistema Único de Saúde (SUS). O primeiro artigo da Lei faz uma referência ao art. 196 da CF/88. Por isso, como você pode perceber, essa Lei é de abrangência nacional que regulamenta todo e qualquer serviço de saúde, seja ele de pessoa física, jurídica, iniciativa privada ou pelo Poder Público. Ainda em relação às disposições gerais, no que concerne o art. 2º desta Lei, a saúde é um direito fundamental do ser humano, e o Estado deve oferecer as condições indispensáveis ao seu pleno serviço. Além disso, cabe salientar que o art. da CF/88, se refere a saúde como um direito social.

Sabe-se que quanto melhor o nível da saúde da população, medida por indicadores epidemiológicos, significa que o país tem uma boa organização social e uma economia estruturada. Assim, a partir dessa avaliação, o artigo 3º traz um conceito ampliado de saúde para entendermos que a mesma não é a ausência de doença, mas sim uma soma de determinantes e condicionantes, como: a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. Portanto, as ações de saúde devem ser trabalhadas de forma integrada a fim de que as pessoas tenham um alcance maior na qualidade de vida com bem-estar físico, mental e social.

4.2 O Sistema Único de Saúde

O art. 4º se remete ao SUS com a premissa de que: “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS)”. Por isso, é importante se perguntar: o que é o SUS e para que serve? SUS é a abreviação de Sistema Único de Saúde e foi criado no texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, mais especificamente na Seção II – da Saúde, Capítulo II – da Seguridade Social, Título VIII – da Ordem Social. e de forma resumida, é o sistema de saúde público brasileiro que foi inspirado no National Health Service ou Sistema Nacional de Saúde presente no Reino Unido.

Nesse contexto, é mantido com os recursos oriundos da União e oferece atendimento gratuito à população através de suas unidades como os Postos, Centros de Saúde, Hospitais Públicos, Hemocentros, Vigilâncias Sanitária e Epidemiológica, assim como Institutos de pesquisa acadêmica e cientifica, como é o caso da Fundação Oswaldo Cruz. Segundo a própria Constituição, em seu capítulo dedicado à saúde, infere que o SUS possui as seguintes responsabilidades: controlar e fiscalizar produtos e substâncias, assim como procedimentos, medicamentos e equipamentos. Além disso, cabe ainda a tarefa de participar da execução de ações relacionadas ao saneamento básico; de inspecionar os alimentos e controlar o seu teor nutricional, assim como a água e outras bebidas para o consumo das pessoas e ordenar a formação dos recursos humanos no campo da saúde.

4.3 Repartição de competências do SUS

Conforme a tese fixada no Recurso Extraordinário nº 855178/2019, o magistrado deverá considerar a repartição de competência própria do Sistema Único de Saúde. Sobre isso, os artigos 16,17 e 18 dessa lei delibera sobre a repartição de competência “PRIVATIVA” entre os entes da federação:

· União deve atuar sobretudo na prestação de serviço de alta complexidade, isto é, em serviços de elevada capacitação técnica e elevada demanda tecnológica. (EX: teste de medicamento, tratamento de doenças raras).

· Os Estados, tem uma atuação principal em serviço de média complexidade, ou seja, em serviços com especialização também, mas com uma demanda de aparato técnico mais simples de oferta.

· E por fim, temos os Municípios que tem como incumbência basilar os serviços de baixa complexidade, que são serviços análogos às Unidades básicas de saúde.

Conclusões

Reiterando o entendimento do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº 855178/2019, o artigo 19-Q, da lei 12.401/11 disciplina: quando a demanda judicial se tratar de tecnologia avançada ainda não implementada no Sistema Único de Saúde e medicamentos ainda não aprovados pela ANVISA, porém que se enquadrem nos requisitos, é necessário que a União ocupe o polo passivo da relação processual. Posto que, é o ente que dispõe de maior recurso para arcar com custos do cumprimento da obrigação, e é o responsável imediato por essa prestação de serviço de alta complexidade - destaca-se que não impede que o Estado-membro e o município também figurem enquanto polo passivo da demanda judicial, já que há a solidariedade entre os entes federados.

Nesse sentido, a Lei Orgânica da saúde, ao dispor sobre as competências dos entes federativos, constitui umas das ferramentas para auxiliar os magistrados a direcionar a responsabilidade dos entes federados em demandas de saúde. Em consonância a isso, a autoridade judicial pode utilizar os recursos físicos e humanos do seu tribunal para definir o que seja alta, média e baixa complexidade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

_____. Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponível em: . Acesso em 12 mai. 2020.

_____. Lei nº 12.401/11 de 28 de abril de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12401.htm>; Acesso em: 25 maio 2020.

_____. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Tutela Antecipada n. 175/CE. Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 16/06/2009, Data de Publicação: DJe-117 DIVULG 24/06/2009 PUBLIC 25/06/2009. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19135836/suspensaçaõ detutela-antecipada-sta-175-ce-stf?ref=legal-quote-trigger. Acesso em: 18 mai. 2020

_____. Supremo Tribunal Federal. - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45/DF. Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 29/04/2004, Data de Publicação: DJ 04/05/2004 PP00012 RTJ VOL-00200-01 PP-00191). Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14800508/medidacautelar-em-arguicao-de-descumprimento-de.... Acesso em: 18 mai. 2020.

_____. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 855178/SE 0005840 11.2009.4.05.8500, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 05/03/2015, Data de Publicação: DJe050 16-03-2015. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/311628839/repercussaogeral-no-recurso extraordinario-rg-re-855178-pe-pernambuco0005840-1120094058500/inteiro-teor 311628848?ref=juris-tabs. Acesso em: 18 mai. 2020.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Responsabilidade Civl.14. ed. São Paulo : Saraiva Educação, 2019.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

. 01/11/2016.

SOARES, Eduardo José de Carvalho. O direito fundamental à saúde: titularidade e judicialização. Âmbito Jurídico. 2016. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/o-direito-fundamentalasaude-titulari... > Acesso em: 27 maio 2020

Autores: CHAGAS, Marcos Paulo da Luz. ELIAS, Juliana Bertrand. LIMA, Ilderlane. LIMA, Marcio Holanda.

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