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1 de Maio de 2024

[Pensar Criminalista]: Grande quantidade de drogas não faz presumir a dedicação do sujeito a atividades criminosas

Publicado por BLOG Anna Cavalcante
há 2 anos

Olá, pessoal!

A Quinta Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.913.903/SC, ratificou o entendimento de que a grande quantidade de droga apreendida não leva à presunção de que o sujeito se dedica a atividades criminosas, razão pela qual será possível o reconhecimento do tráfico privilegiado ao caso concreto analisado.

O chamado tráfico privilegiado está previsto no § 4º, do art. 33, da Lei de Drogas, como uma causa especial de diminuição de pena a ser aplicada ao tráfico de drogas em situações específicas.

Permite-se a redução da pena de um sexto a dois terços, nas hipóteses em que o agente, concomitantemente, é primário, com bons antecedentes, não se dedica às atividades criminosas e não integra organização criminosa.

Ao analisar o REsp 1.913.903/SC, o Ministro Noronha lembrou que a razão de ser da causa de diminuição de pena é garantir um tratamento diferenciado para aquele que não tem a vida dedicada ao tráfico de drogas. Ao contrário, é o sujeito um traficante eventual, sem grande envolvimento com o mundo criminoso.

Além disso, em seu voto o Relator destacou que o STF, ao julgar o RE 666.334/AM, em sede de repercussão geral, firmou a tese de que “as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena” (Tema 712).

Assim, o Ministro Noronha pontuou que

Em razão do precedente indicado, as seguintes premissas passaram a nortear a dosimetria da pena no tráfico de entorpecentes, com relação à natureza e quantidade das drogas apreendidas:
a) devem ser valoradas na primeira etapa da dosimetria da pena, pela necessidade de observância dos vetores indicados no art. 42 da Lei n. 11.343/2006 como preponderantes;
b) não podem ser utilizadas concomitantemente na primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena;
c) supletivamente, podem ser utilizadas na terceira fase da dosimetria da pena, para afastamento da diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2016, apenas quando esse vetor for conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou a integração a organização criminosa. (Grifei)

Mais recentemente, ao julgar o HC 207.501/SP, o Supremo ainda definiu que a habitualidade e o pertencimento à organizações criminosas devem ser comprovados, não sendo possível a sua presunção em razão da quantidade de drogas apreendidas junto ao réu.

Por tudo isso, o Relator considerou que a mera apreensão de uma grande quantidade de droga com o acusado não é suficiente para afastar a redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. Isso porque, no caso concreto, não haviam nos autos quaisquer outras provas que levassem o magistrado à conclusão de que o réu é pessoa dedicada a atividades criminosas.

Sobre o tema, Masson leciona que

o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a apreensão de grande quantidade de drogas, a depender das peculiaridades do caso concreto, é circunstância hábil a denotar a dedicação do acusado a atividades criminosas e, consequentemente, a impedir a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, porque indica maior envolvimento do agente com o mundo do narcotráfico, ainda que ele seja primário e não possua maus antecedentes.
Não se extraia disso, contudo, a conclusão no sentido de que a grande quantidade de drogas, por si só, é elemento apto a afastar o privilégio. É preciso analisar as especificidades do caso concreto. Para o Supremo Tribunal Federal, a quantidade de drogas não pode, automaticamente, “proporcionar o entendimento de que a paciente faria do tráfico seu meio de vida ou integraria uma organização criminosa.” (MASSON, 2019) (Destaquei)

Vale dizer, por fim, que o tráfico de drogas privilegiado não possui natureza hedionda ou equiparada, nos termos do art. 112, § 5º, da Lei de Execução Penal.

Abraços, amigos e amigas!

Até a próxima!

____________________

Referências:

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm >

________. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm >

________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.913.903/SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha - Quinta Turma, julgado em 03/11/2021, publicado em 04/11/2021. Disponível em < https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=M... >

________. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 207.501/SP, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgado em 20/10/2021, publicado em 22/10/2021. Disponível em < http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15348357678&ext=.pdf >

________. ________. Recurso Extraordinário com Agravo nº 666.334/AM, Relator Ministro Gilmar Mendes - Tribunal Pleno, julgado em 03/04/2014, publicado em 06/05/2014. Disponível em < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5787604 >

MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinícius. Lei de Drogas: aspectos penais e processuais. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.

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Quem sou?

Advogada, especialista em Direito Penal, Processo Penal e Direito Tributário. Apaixonada pela produção de conteúdo jurídico online. Entusiasta na confecção de materiais jurídicos práticos para estudantes e profissionais do Direito.

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26 Comentários

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Na minha opinião, qualquer proveito financeiro que o agente receba em razão das condutas que levam a logística e consequentemente ao comércio das Drogas já o configura como um traficante. Quem fica filosofando juridicamente as peculiaridades de cada caso para abrandar a pena do criminoso não sabe o mal que as drogas e os traficantes fazem. E tão pouco a dificuldade dos órgãos de segurança em combater essa especie criminosa. Felizes são os indonésios e filipinos que sabem cortar o mal pela raiz. continuar lendo

E infelizes somos nós com essa área jurídica nadando nas largas brechas das nossas leis pra livrar traficantes e criminosos das punições que realmente merecem. continuar lendo

Dr Ivo Ferreira, o senhor pensa "família" em suas colocações, melhor assim. O senhor tem toda razão do mundo, ao citar o "modus operandi" desses dois países com relação aos traficantes de drogas; lá o "Direito dos Mano" não ousa interferir... continuar lendo

Vergonha! Essa é a palavra… o homem estuda anos e não sabe nada! Não tem a mínima noção do mal que traficantes causam a sociedade! Esse juiz deveria sair da sala dele e visitar clínicas, conversar com familiares de dependentes químicos, entre outras atitudes! Julga sem saber a realidade das ruas! Traficante eventual??? Me poupe! Vai ver de perto, só por uma semana, o trabalho de um policial em uma seção de repressão às drogas… fica o convite! continuar lendo

Senhor Flávio Cruvinel, nota 10 por suas colocações a respeito do assunto. Presumo que o senhor tem muitos conhecimentos sobre o problema (drogas e o mal que causam)... continuar lendo

Quem sabe a próxima não será assassino ou estuprador "eventual" ? continuar lendo

De fato a quantidade de droga apreendida com o agente não comprova maior envolvimento do agente com o mundo do tráfico, porém esse entendimento por si só não atesta que ele é um traficante eventual sem dedicação rotineira ao mundo do tráfico. continuar lendo

Olá Marquezani,
Correto!
No julgado fica claro que a grande apreensão, por si só, não implica no reconhecimento do privilégio porque nos autos não existiam outras provas que conduzissem ao reconhecimento da dedicação às atividades criminosas. ,
Mais uma vez, o que se decidiu, ao meu sentir, é que as provas dos autos precisam ser analisadas em um conjunto, verificando o caso concreto de forma meticulosa.
Abraço, continuar lendo

Esses julgados aparecem na internet como se fossem uniformizados. O processo de um cidadão cai na quinta turma e é aplicado esse entendimento.
Um outro, na mesma situação cai na sexta turma, o fim não é o mesmo.
Mesma coisa com ministros.
Um tem um entendimento e eventualmente defere uma liminar.
Em outro processo, esse mesmo julgador, mas não como relator, e em caso contrário, a votação é unânime, onde deveria ser vencido.
Aqui um cidadão primário, nunca participou de organização criminosa, foi pego com 233 gramas de maconha. "Uma grande quantidade numa pequena bolsa." A decisão foi no sentido de que a quantidade interfere.
Aqui em São Paulo só alguns escapam. Chega no STJ e STF, a averiguação de quantidade é reexame de provas. A cadeia de custódia da prova é letra morta. E, assim, só alguns são beneficiados com essas "exceções". continuar lendo

Olá André, tudo bem?
Mais uma vez, agradecida pela contribuição.
Como já discutimos em outra oportunidade, são as discrepâncias do sistema, que infelizmente vemos.
Hoje, a realidade é que havendo repercussão geral julgada e tese repetitiva firmada ainda vemos debates e divergências ...
Mas, apesar de o julgado mencionado neste artigo não se tratar de um jurisprudência vinculante, certamente, não se pode negar a importância do julgado para todas as partes processuais:
- Para a acusação, porque deixa clara a necessidade de provar nos autos o envolvimento reiterado do acusado ou acusada com as atividades criminosas. Não basta querer justificar apenas com a indicação da grande quantidade apreendida;
- Para a defesa, como fica bastante claro, é uma importante tese defensiva para a minoração de eventual condenação. E, aqui, cabe à defesa trabalhar para que essas teses sejam respeitadas e se unifiquem no Judiciário.
E, sobre as audiências de custódia, a jurisprudência tem se firmado pela sua obrigatoriamente, nem que seja o ato praticado pela via virtual. Mas, de fato, a realidade nem sempre imita a jurisprudência ...
Mais uma vez, compete à advocacia desenvolver seus trabalhos de forma a fazer valer os precedentes dos Tribunais Superiores.
Se me permite a indicação, recentemente tivemos mais uma decisão importante do STJ sobre custódia e sua obrigatoriedade: https://ibijus.jusbrasil.com.br/artigos/1316950105/advocacia-criminal-em-pilulas-flagrante-nao-pode-ser-convertido-em-preventiva-semarealizacao-da-audiencia-de-custodia
Abraço e bom dia! continuar lendo

Bom dia! É uma satisfação participar de tópicos construtivos.
"Mais uma vez, compete à advocacia desenvolver seus trabalhos de forma a fazer valer os precedentes dos Tribunais Superiores."

Aqui em SP isto é mais do que uma façanha. É até estranho. continuar lendo