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20 de Maio de 2024

STF 2023 - Reconhecimento Pessoal Ilegal - Descompasso ao art. 226 do CPP

"Reconhecimento em delegacia sem a presença de outras pessoas, muito menos pessoas semelhantes (Art. 226, inc. II, CPP)"

há 4 meses

Inteiro Teor

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 232.963 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

Decisão: Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus (eDOC.61) impetrado contra acórdão, proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado (eDOC.55):

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. INSURGÊNCIA CONTRA CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. MANEJO DE WRIT SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. DESCABIMENTO. ART. 105, INCISO I, ALÍNEA E, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. SUPOSTO VÍCIO NO RECONHECIMENTO, ALEGADAMENTE FORMALIZADO EM DESCOMPASSO COM O REGRAMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONDENAÇÃO LASTREADA EM DEPOIMENTO FIRME E COERENTE DA VÍTIMA. OFENDIDO QUE RECONHECEU O RÉU EM RAZÃO DE A VISEIRA DO CAPACETE ESTAR ABERTA NO MOMENTO DO FATO DELITUOSO. TESTEMUNHA QUE, NO MOMENTO DA INFRAÇÃO, AVISTOU O AGRAVANTE E O SEGUIU PARA ANOTAR A PLACA DE IDENTIFICAÇÃO DE SUA MOTOCICLETA, A QUAL FOI ENCONTRADA EM SUA RESIDÊNCIA. HIPÓTESE QUE NÃO SE CUIDA DE MERO APONTAMENTO DE PESSOA DESCONHECIDA. CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - SOBERANAS NA ANÁLISE DO CONTEXTO FÁTICO- PROBATÓRIO - DE QUE A CONDENAÇÃO FOI LASTREADA EM ELEMENTOS DE PROVAS DIVERSOS E VÁLIDOS (INDEPENDENT SOURCE) QUE NÃO PODE SER REANALISADA NA VIA ELEITA, POR SUA ESTREITEZA E INADEQUAÇÃO. PRETENDIDA CONCESSÃO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS EX OFFICIO. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. MANDAMUS NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos termos do art. 105, inciso I, alínea e, da Constituição da Republica, compete ao Superior Tribunal de Justiça decidir, originariamente,"as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados". Portanto, a impetração manejada contra acórdão do julgamento de apelação, transitado em julgado, é incabível, por ser substitutiva de pedido revisional de competência do Tribunal de origem. 2. Descabimento de concessão de ordem de habeas corpus ex officio. 3. A condenação do Réu não foi embasada exclusivamente no reconhecimento pessoal realizado supostamente em desconformidade com o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, inexistindo, assim, nulidade capaz de ensejar a sua absolvição. Com efeito, aparentemente, foi indicada, de maneira concreta, fonte material independente de prova (independent source) diversa do reconhecimento fotográfico alegadamente nulo. De fato, a comprovação da autoria delitiva, além de ter sido fundamentada pelo depoimento firme e coerente da vítima no sentido de que reconheceu o Réu em razão de a viseira do capacete estar levantada, também foi corroborada pelas declarações de uma das testemunhas, a qual foi enfática ao alegar que após a consumação do crime, seguiu o Agente e anotou o número da placa de sinalização de sua motocicleta, a qual foi encontrada e apreendida em sua residência, bem como reconheceu a jaqueta marrom de nylon, o capacete preto com detalhe rosa, a calça jeans que ele usava no momento da infração, além de igualmente ter visto seu rosto em razão de a viseira do capacete estar aberta. 4. Em que pese a Defesa alegar que" a apresentação do Paciente de forma prévia sob escolta policial, chegando em uma viatura no local, pode aumentar o índice de reconhecimentos falsos, em razão da implantação de uma 'falsa memória' ", fato é que a espécie não se trata de um mero apontamento de pessoa desconhecida ( AgRg no HC n. 760.617/SC, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 19/12/2022, DJe de 21/12/2022., v.g.). Ao contrário, como ressaltado, o Réu foi visto e reconhecido pela Vítima no momento da prática delitiva e por uma das testemunhas, que ainda o seguiu logo após a consumação do crime a fim de anotar a placa de sinalização do veículo automotor. No caso, portanto, não havia dúvida da autoria delitiva e, conforme entendimento desta Corte,"[o] reconhecimento de pessoa continua tendo espaço quando há necessidade, ou seja, dúvida quanto à individualização do suposto autor do fato. Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal"(AgRg no AgRg no HC n. 721.963/SP, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 13/6/2022; sem grifos no original). Nessa conjuntura, o substrato fático do caso em comento, é distinto daquele que levou à orientação fixada em leading case da Sexta Turma desta Corte ( HC 598.886/SC, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ). 5. Agravo regimental desprovido."

Narra o impetrante que: (i) o recorrente foi absolvido do crime tipificado no art. 157, § 2º, II, do Código Penal pelo Juízo de 1º grau, mas a sentença absolutória foi reformada pelo Tribunal de origem, em decisão desprovida de adequada fundamentação; (ii) o Tribunal de Origem condenou o paciente à pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses, baseando-se unicamente em depoimentos contraditórios de vítima e testemunha e reconhecimento realizado em descompasso com os requisitos previstos no art. 226 do CPP; (iii) há patente ausência de provas hábeis a demonstrar a autoria delitiva, pois "A) Policiais teriam conduzido o Recorrente Alex ao local dos fatos para que fosse reconhecido pela vítima e pela testemunha, extirpando a capacidade da vítima de reconhecer o suspeito do delito sem vícios; B) Reconhecimento realizado em sede de Delegacia sem a formalização em auto de Reconhecimento próprio (Art. 226, inc. IV, CPP); C) Reconhecimento em delegacia sem a presença de outras pessoas, muito menos pessoas semelhantes (Art. 226, inc. II, CPP); D) Reconhecimento em juízo realizado sem a observância do procedimento previsto" ; (iv) "e o Recorrente negou os fatos imputados em todos os momentos possíveis: tanto durante sua abordagem pelos policiais, como visto acima, em seu interrogatório perante a Autoridade Policial, quanto em juízo, sob o crivo do contraditório (e-STJ fls. 54/55), estando esta negativa corroborada com as demais provas elencadas no r. decisum de primeiro grau, colacionadas acima, sem necessidade de produção probatória pela via estreita do habeas corpus" .

Ante o exposto, pugna-se pelo "conhecimento e provimento do presente recurso ordinário, com a consequente reforma do v. acórdão proferido no habeas corpus, a fim de que seja reconhecido o evidente constrangimento ilegal, ensejando na nulidade do reconhecimento realizado ao completo arrepio do artigo 226 do Código de Processo Penal, único elemento informativo responsável por amparar o édito condenatório".

A PGR opinou pelo não conhecimento do recurso ordinário (eDOC 52).

É o relatório. Decido.

1. No caso concreto, por contrariar frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o habeas corpus não merece conhecimento , na medida em que funciona como sucedâneo de revisão criminal.

2. Nada obstante, no caso presente antevejo ilegalidade cognoscível de plano, a possibilitar a concessão da ordem de ofício , nos termos pleiteados na inicial.

2.1. No caso concreto, verifico que o Magistrado de primeiro grau absolveu o recorrente do delito tipificado no art. 157, caput, do Código Penal com base na seguinte fundamentação (eDOC.05):

"Encerrada a colheita probatória, restou devidamente comprovada a materialidade dos fatos nárrados na denúncia, mormente pelo Boletim de Ocorrência de f. 22/29, APFD de E. 02/11, declarações da vítima e prova testemunhal, que demonstram a ocorrência do crime de roubo contra o estabelecimento"Dallas Caribe".

Noutro giro, conforme asseverado pela Defesa do acusado em suas derradeiras alegações de f. 363/373, não restou suficientemente comprovada a autoria dos fatos alinhavados na peça acusatória.

Não há nos autos comprovação cabal de que o acusado teria participado da prática do crime de roubo a ele imputado. É que o conjunto probatório é frágil e não comprova de maneira incontroversa a autoria do delito quanto ao réu.

(...)

A negativa de autoria levada a cabo pelo acusado não se encontra isolada, vez que é corroborada pela prova testemunhal e por diversos elementos por ele juntados aos autos.

Nesse sentido, está o depoimento da testemunha Maurício XXXXXXXa, tio do acusado, que confirma o empréstimo por ele feito na data dos fatos narrados na peça acusatória, por volta de 2.0 11, corroborando a versão apresentada pelo réu.

(...)

A versão apresentada pelo acusado é ainda corroborada pela testemunha Ronei XXXXXXXX, que confirma ter mantido contato telefônico com o réu por volta de 20h25 e 20h30 por motivo de trabalho.

(...)

Outrossim, o contato telefônico mantido pelo acusado e pela testemunha Ronei é também comprovado pela lista detalhada de ligações, juntada aos autos às f. 209/213. Observe- se que, à f. 211 da referida lista, estão descritas as ligações realizadas entre eles, o que indica que o acusado não poderia estar empreendendo a prática criminosa imputada a ele imputada nesta data e horário.

Robustecendo ainda mais o conjunto probatório está o depoimento prestado pela testemunha Leandro XXXXXXXXXXX, que corrobora a versão apresentada pelo acusado sobre os acontecimentos no dia dos fatos narrados na denúncia, demonstrando mais uma vez para a impossibilidade do réu ser o autor do crime a ele imputado, senão vejamos:

(...)

Indo adiante, certo é que a vítima J.P.F.M. e a testemunha J.A.O., em juízo, ás f. 266/267 e 270/271, respectivamente, reconheceram o acusado como autor do crime de roubo contra ela perpetrado e informaram o horário aproximado do crime, corroborando os fatos narrados na denúncia. Vale ressaltar que a vítima informou que o acusado afirmou ter vigiado o estabelecimento o dia inteiro, conforme se extrai das declarações que ora são transcritas:

(...)

No entanto, como já demonstrado acima, é inverossímil que o acusado tenha praticado o roubo na data e hora dos fatos narrados na denúncia. Ademais,não pode ele ser a mesma pessoa a quem a vítima se refere, vez o acusado trabalhou normalmente no dia do crime e deixou serviço na companhia de colegas de trabalho, não sendo possível que tenha vigiado o estabelecimento, conforme s extrai do depoimento da testemunha Lydson XXXXXXXXXXX, prestado em juízo, que ora se transcreve:

(...)

O fato do acusado ter trabalhado normalmente no dia dos fatos narrados na peça acusatória é também corroborado pela

Declaração de f. 283, da Empresa Topmix ZZZZZZZZZZZZ S.A. É o que se extrai de seus termos: (...)

Por fim, vale ressaltar que a res furtiva não foi encontrada de posse do acusado, conforme se extrai do Auto de Apreensão de f. 20. Destaca-se que a procedência do material com ele apreendido restou devidamente comprovada nos autos, sendo que um dos aparelhos de telefone celular era de sua propriedade, enquanto o outro, do modelo C3, pertencia à empresa em que trabalhava o acusado à data dos fatos, conforme se extrai do Termo de Responsabilidade de f. 200. Ademais, dos R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais) com ele apreendidos em espécie, R$ 180,00 (cento e oitenta reais) o acusado pegou emprestado com seu tio e testemunha Maurício, conforme interrogatório e depoimento acima transcritos, e R$ 290,00 (duzentos e noventa reais) ele sacou em uma agência/do Banco Bradesco, conforme extrato de f. 208.

Percebe-se, portanto, presentes nos autos não levam que os elementos de convicção à necessária certeza sobre a autoria dos crimes narrados na peça acusatória."

A Corte local, contudo, reformou o decreto absolutório, condenando o recorrente pelo delito de roubo nos seguintes termos (eDOC.07):

"A autoria, em que pesem a negativa do réu e entendimento contrário, está comprovada, não apenas pelo depoimento das vítimas, como também pelos demais elementos presentes.

A vítima J. P. F. M. reconheceu o réu como um dos responsáveis pelo crime: Alex XXXXXXXXX restou encaminhado pelos militares até o Motel XXXXXXXXXX, ocasião em que a declarante após reconhecer a voz do primeiro, veio a reconhece-lo de perfil, como sendo um dos autores do delito perpetrado em sua desvalia (fI. 70/71).

Em juízo, essa vítima confirma suas declarações e acrescenta que"pode reconhecer o acusado; estava de capacete, mas a viseira estava levantada o que permitiu que a depoente visse o rosto dele"(fI. 266).

A testemunha J. A. O. também reconheceu o réu por meio das roupas, capacete que usava e pela motocicleta conduzida no momento do crime:

Foi atrás para ver a placa de sinalização da moto; ao visualizar a placa, deixou que eles fossem embora e se dirigiu novamente para o motel; que reconheceu o conduzido no motel; reconheceu o conduzido no local e nesta unidade policial como sendo um dos autores; o reconheceu pela sua jaqueta marrom de nylon, capacete preto com detalhe rosa, calça jeans e um pouco de sua face pois estava com o visos do capacete aberto (fI. 6).

Em juízo, ele confirmou as declarações prestadas na fase administrativa, acrescentando que conseguiu anotar a placa da motocicleta, a qual foi usada pela polícia para localizar o endereço do seu proprietário, no caso, o réu (fI. 270).

Não é demais frisar que o próprio réu relata que na noite dos fatos usava as roupas iguais àquelas descritas pelas testemunhas e vítima (fI. 10). Mais além, a motocicleta usada no crime foi encontrada e apreendida na residência do réu (fI. 05).

De mais a mais, o álibi trazido pelo réu encontra-se de certo modo contraditório e frágil, pelo que não deve prosperar frente ao robusto acervo probatório em seu desfavor.

Cabe frisar, oportunamente, que a palavra da vítima e sua relevância para a condenação são sempre questões de reiteradas jurisprudências deste e. Tribunal:

(...)

Em termos de prova convincente, a palavra da vítima, evidentemente, prepondera sobre a do réu. Esta preponderância resulta do fato de que uma pessoa, sem desvios de personalidade, nunca irá acusar desconhecido da prática de um delito, quando isto não ocorreu. E quem é acusado, em geral, procura fugir da responsabilidade de seu ato. Portanto, tratando-se de pessoa idônea, sem qualquer animosidade específica contra o agente, não se poderá imaginar que ela vá mentir em Juízo e acusar um inocente ... (TJRS - AC n.º 70014908057- P Câmara Criminal - ReI. Des. Sylvio Baptista Neto - j. 2210612006).

Não há, pois, que se falar em absolvição por insuficiência de provas."

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, refutou a existência de ilegalidade no acórdão emanado pelo TJMG por considerar válida a condenação do ora recorrente, já que respaldada em outras provas, além do reconhecimento pessoal realizado em descompasso com art. 226 do CPP:

"Como se vê dos trechos do acórdão recorrido antes transcritos, a condenação do Réu não foi embasada exclusivamente no reconhecimento pessoal realizado supostamente em desconformidade com o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, inexistindo, assim, nulidade capaz de ensejar a sua absolvição.

Com efeito, aparentemente, foi indicada, de maneira concreta, fonte material independente de prova (independent source) diversa do reconhecimento fotográfico alegadamente nulo. De fato, a comprovação da autoria delitiva, além de ter sido fundamentada pelo depoimento firme e coerente da vítima no sentido de que reconheceu o Réu em razão de a viseira do capacete estar levantada, também foi corroborada pelas declarações de uma das testemunhas, a qual foi enfática ao alegar que após a consumação do crime, seguiu o Agente e anotou o número da placa de sinalização de sua motocicleta, a qual foi encontrada e apreendida em sua residência, bem como reconheceu a jaqueta marrom de nylon, o capacete preto com detalhe rosa, a calça jeans que ele usava no momento da infração, além de igualmente ter visto seu rosto em razão de a viseira do capacete estar aberta.

No ponto, a propósito, em que pese a Defesa alegar que" a apresentação do Paciente de forma prévia sob escolta policial, chegando em uma viatura no local, pode aumentar o índice de reconhecimentos falsos, em razão da implantação de uma 'falsa memória' ", fato é que a espécie não se trata de um mero apontamento de pessoa desconhecida ( AgRg no HC n. 760.617/SC, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 19/12/2022, DJe de 21/12/2022., v.g.). Ao contrário, como ressaltado, o Réu foi visto e reconhecido pela Vítima no momento da prática delitiva e por uma das testemunhas, que ainda o seguiu logo após a consumação do crime a fim de anotar a placa de sinalização do veículo automotor.

No caso, portanto, não havia dúvida da autoria delitiva e, conforme entendimento desta Corte,"[o] reconhecimento de pessoa continua tendo espaço quando há necessidade, ou seja, dúvida quanto à individualização do suposto autor do fato. Trata-se do método legalmente previsto para, juridicamente, sanar dúvida quanto à autoria. Se a vítima é capaz de individualizar o agente, não é necessário instaurar a metodologia legal"(AgRg no AgRg no HC n. 721.963/SP, relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 13/6/2022; sem grifos no original).

(...)

Portanto, o substrato fático do caso em comento, é distinto daquele que levou à orientação fixada em leading case da Sexta Turma desta Corte ( HC n. 598.886/SC, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ)."

Em que pese a fundamentação exarada pelas instâncias antecedentes, examinando a motivação e os elementos de prova depreendo a ausência de fundamentação concreta e suficiente para firmar o decreto condenatório, sendo o caso de conceder a ordem, nos termos postulados na inicial.

2.2. Indissociável dos postulados do contraditório e da ampla defesa, a presunção de inocência impõe tanto um dever de tratamento quanto um dever de julgamento. O dever de tratamento exige que a pessoa acusada seja tratada, durante todo o curso da ação penal, como presumidamente inocente; por outro lado, o dever de julgamento significa que recai exclusivamente sobre o órgão de acusação o ônus de comprovar de maneira inequívoca a materialidade e a autoria do crime narrado na denúncia - e não sobre o acusado o ônus da demonstração de sua inocência -, de sorte que, ao final da instrução processual, a dúvida deve inexoravelmente gerar decisão favorável ao réu.

No caso concreto, a sentença condenatória firmou sua convicção quanto à autoria delitiva assentando-se no relato de vítima e testemunha, desprezando, contudo, farta prova documental e testemunhal que indicam, consoante afirmou o Juízo de 1º grau, que é "inverossímil que o acusado tenha praticado o roubo na data e hora dos fatos narrados na denúncia."

O acusado desde o primeiro momento negou a prática delitiva e atribui sua incriminação a uma pessoa de nome "Rosana" que dias antes de sua prisão teria o ameaçado e dito que "iria acabar com sua vida" (eDOC.08, p. 09).

Embora pouco tenha se apurado sobre essa suposta tentativa de "incriminação" contra o recorrente, o fato é que dados objetivos conferem credibilidade a tese defensiva, - de que estava em local diverso no momento do crime - convergindo para a conclusão havida em primeiro grau, que absolveu o ora recorrente, pois autoria delitiva não restou demonstrou demonstrada além de dúvida razoável (beyond a reasonable doubt).

Com efeito, segundo o depoimento de vítima e de testemunha utilizadas como subsídio para sua condenação em 2º grau, o crime teria ocorrido no dia 21/11/2011, "por volta das 20:50/20:55" no motel Dallas Caribe, mas o ora recorrente logrou comprovar por meio de prova documental e testemunhal que estava em local diverso na data e horário indicados, o que torna convincente o álibi por ele deduzido e gera elevado grau de incerteza quanto à autoria delitiva.

Efetivamente, consoante depreende-se de seu interrogatório, relato de testemunhas, registros telefônicos e comprovante bancário, o ora recorrente no dia 21/11/2011, estava em casa, quando foi acionado por telefone, às 20h30, por um motorista da empresa onde trabalha a fim de que chamasse reboque da Itau Seguros, já que o veículo passou por problemas mecânicos "na Av. Cristiano Machado".

Na sequência, dirigiu-se ao Shopping Itaú Power a fim de sacar dinheiro para prestação de seu apartamento, no valor de R$ 480,00, logrando demonstrar que efetuou o saque em caixa eletrônico às 20h59, circunstância materialmente demonstrada pelo extrato bancário juntado aos autos e também respaldada por relato testemunhal.

Tal cenário, indica forte plausibilidade da tese defensiva, pois tendo efetuado o saque em caixa bancário às 20h59, conforme documentalmente provou, é improvável que tenha sido ele a pessoa que efetuou o roubo ao motel que dista cerca de 5 km do Shopping Itaú Power.

Não bastasse nada há nos autos a indicar envolvimento do ora recorrente, pretérito ou presente, com qualquer organização criminosa ou eventos criminosos. É o recorrente primário e possui ocupação lícita, consoante depreende-se de declaração de seu empregador que informa que "ALEX é um profissional competente e dedicado, de extrema confiança. Líder de uma equipe formada por dez colaboradores é responsável direto por resultados expressivos."

Além disso, conformou asseverou o Juízo a quo "res furtiva não foi encontrada de posse do acusado" , e logrou demonstrar que todo material que com ele foi apreendido tinha procedência lícita, como por exemplo, celular de sua propriedade, outro de propriedade da empresa e numerário que tinha emprestado de seu tio e sacado do caixa eletrônico.

Nesse contexto, o reconhecimento da vítima em relação a um indivíduo que estava de capacete quando da prática criminosa e o relato de uma testemunha que contrata substancialmente com provas objetivas constantes dos autos revela-se frágil, e não se presta a corroborar com a robustez que se exige o decreto condenatório. Sobretudo não infirmam o álibi pelo ora recorrente deduzido e documentalmente provado.

Não se trata aqui de negar credibilidade ao depoimento da vítima ou testemunha que vivenciaram o episódio criminoso, mas sim reconhecer que suas declarações não tem valor absoluto, em observância ao sistema de livre valoração probatória, previsto no art. 155 do CPP.

É por tal razão que argumentações genéricas como "Em termos de prova convincente, a palavra da vítima, evidentemente, prepondera sobre a do réu" e "uma pessoa, sem desvios de personalidade, nunca irá acusar desconhecido da prática de um delito, quando isto não ocorreu. E quem é acusado, em geral, procura fugir da responsabilidade de seu ato" (trecho do acórdão condenatório) não são suficientes para manutenção de decreto condenatório, haja vista o nítido tangenciamento com o modelo tarifado de valoração de provas e ainda afronta ao princípio constitucional que exige a devida fundamentação de decisões judiciais.

Dessa forma, à vista da fragilidade probatória revelada nos autos, não pode o Tribunal de Origem atribuir ao réu o dever de provar a inocência, nem reconhecer a culpa por mera presunção, pois o ônus da prova da culpabilidade do agente é do Ministério Público.

Tal entendimento alinha-se à consolidada jurisprudência desta Corte. Nesse sentido, registro os seguintes precedentes deste Tribunal:

E M E N T A: "HABEAS CORPUS" [...] AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao

Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.

- Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais ("essentialia delicti") que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.

- Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita. ( HC 84580, Relator (a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/08/2009, DJe-176 DIVULG 17- 09-2009 PUBLIC 18-09-2009 EMENT VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513)

PENAL E PROCESSO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO FUNDADA SOMENTE EM ELEMENTOS INFORMATIVOS OBTIDOS NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL NÃO CORROBORADOS EM JUÍZO. OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE. 1 . A presunção de inocência exige, para ser afastada, um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal. No sistema acusatório brasileiro, o ônus da prova é do Ministério Público, sendo imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, para a atribuição definitiva ao réu, de qualquer prática de conduta delitiva, sob pena de simulada e inconstitucional inversão do ônus da prova . 2. Inexistência de provas produzidas pelo Ministério Público na instrução processual ou de confirmação em juízo de elemento seguro obtido na fase inquisitorial e apto a afastar dúvida razoável no tocante à culpabilidade do réu.

3. Improcedência da ação penal.

( AP 883, Relator (a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 20/03/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe- 092 DIVULG 11-05-2018 PUBLIC 14-05-2018)

Sendo assim, assiste razão ao recorrente, de modo que a sentença absolutória deve ser restabelecida em seus exatos termos.

2. Posto isso, com fulcro no art. 192 do RISTF, não conheço de recurso, mas concedo habeas corpus de ofício para restabelecer a sentença proferida pelo Juízo de 1º Grau no tocante à absolvição da prática do crime previsto no art. 157 do CP.

Comunique-se, com urgência, ao Juízo da causa, a quem competirá eventual comunicação ao Juízo da execução, se eventualmente já designado.

Comunique-se, ainda, ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e ao Superior Tribunal de Justiça, para dar-lhes ciência desta decisão.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 2 de outubro de 2023.

Ministro EDSON FACHIN

Relator

Documento assinado digitalmente

(STF - RHC: 232963 MG, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 02/10/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 03/10/2023 PUBLIC 04/10/2023)

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