Página 246 do Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) de 4 de Setembro de 2019

na entrega. Elucidados os recursos especiais representativos da controvérsia no sentido de que a cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes (REsp n. 1.498.484/DF e REsp n. 1.635.428/SC) e, outrossim, no sentido de que, no contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor (REsp n. 1.614.721/DF e REsp n. 1.631.485/DF), o curso processual deve ser retomado de conformidade com o legalmente regulado e com o deliberado pela Corte Superior de Justiça. Consignados esses registros, passo a examinar o apelo. 1 ? DO OBJETO DO APELO Do aduzido afere-se que o objeto do apelo cinge-se à aferição, diante da incontroversa ocorrência de atraso na entrega do empreendimento por culpa da apelada, pois, reconhecida na sentença, não fora objeto de insurgência pela construtora, se possível a condenação da ré ao pagamento de multa contratual moratória prevista somente para o caso de inadimplemento do adquirente, e se devida a modulação dos encargos sucumbenciais fixados na sentença arrostada. Estabelecidos estes parâmetros e compulsando os documentos que guarnecem os autos depura-se que, no dia 05/04/2011, o apelante celebrara contrato de promessa de compra e venda com a apelada tendo como objeto o apartamento nº 710, bloco E, do empreendimento Top Life ? Long Beach-, localizado na Quadra QI 24, lotes 14 a 27, Setor Industrial, Taguatinga/DF, pelo preço de R$184.946,00 (cento e oitenta e quatro mil novecentos e quarenta e seis reais)[2]. De acordo com o convencionado, a entrega do imóvel deveria ocorrer até abril de 2014, admitindo-se a dilatação do prazo por mais 180 (cento e oitenta) dias para conclusão da obra e obtenção da carta de habite-se, resultando na data de 27/10/2014 como limite para entrega do apartamento ao adquirente[3]. Contudo, a despeito do convencionado, a unidade prometida não fora entregue dentro do prazo avençado, considerada, ainda, a prorrogação concertada, pois recebida apenas em 13/04/2015[4]. Em tempo, convém ressalvar que, de acordo com o fixado pela sentença, restara reconhecido como período de atraso o período entre janeiro de 2014 (prazo estabelecido no contrato firmado com a instituição financeira para financiamento imobiliário) até 30/03/2015 (data da liberação do documento para entrega das chaves ao consumidor). Ou seja, a resolução que empreendera o provimento monocrático estabelecera o pagamento de indenização a título de lucros cessantes em período superior ao que era realmente devido ao apelante, o que, contudo, não pode ser objeto de exame, sob pena de incorrer em reformatio in pejus, porquanto não fora a questão não fora devolvida pela apelada a esta instância revisora. 2 ? DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO REVERSA DA MULTA MORATÓRIA Quanto à pretensão reformatória do apelante, referente à aplicação, ante o inadimplemento da apelada, da multa contratual originalmente estabelecida tão somente para a mora do consumidor, tem-se que merece parcial provimento. Segundo o disposto nesta regra contratual, ocorrendo a mora do consumidor no pagamento das parcelas do preço, incidirá imediatamente multa de 2% (dois por cento) sobre o valor devido, conforme segue: ?4.2) ATRASO DO PAGAMENTO: A impontualidade no pagamento de qualquer das prestações referidas no Quadro Resumo, importará na cobrança do seu valor atualizado até a data do efetivo pagamento, acrescido das seguintes penalidades: a) Juros de 1% (hum por cento) a.m.; b) Multa de 2% (dois por cento), calculada sobre o valor da prestação em atraso atualizado e já acrescido dos juros citados na alínea ?a? supra.?[5] Conforme pontuado, o apelante defende a possibilidade da aplicação reversa da referida multa contratual, sem prejuízo da indenização por lucros cessantes já assegurada na sentença. É cediço que a relação de direito material estabelecida entre as partes se qualifica como relação de consumo. Ora, a promessa de compra e venda enlaçara em seus vértices pessoas jurídicas cujo objeto social está destinado à construção e incorporação de imóveis inseridos em empreendimentos imobiliários e pessoas físicas destinatárias finais do apartamento negociado, emoldurando-se linearmente na definição inserta nos artigos e do CDC. É amplamente cediço que o estatuto consumerista rege-se, dentre outros, pelo princípio do equilíbrio nas prestações estipuladas para partes envolvidas no negócio jurídico, que encontra previsão expressa em diversos dispositivos do código de consumo, a exemplo dos arts. , III, e 51, IV e § 1º, entre outros[6]. Sob essa realidade, inválidas são as disposições contratuais que coloquem em franca desigualdade consumidor e fornecedor, pois vão contra o desígnio do estatuo consumerista, que objetiva justamente equalizar as partes, o que, quanto ao ponto, se traduz na existência de reciprocidade entre as penalidades impostas contratualmente às partes. Diante dessa moldura de fato e de direito, à míngua de disposição contratual prevendo a cominação de multa contratual à fornecedora em incorrendo em mora, deve-lhe ser aplicada, com lastro nos princípios da igualdade, da boa-fé contratual, da equidade, da bilateralidade, da comutatividade e da obrigatoriedade, a pena contratual estabelecida para a hipótese de mora do promitente comprador (CDC, art. 51, IV e § 1º). Essa apreensão, aliás, está prevista em norma albergada pela Portaria nº 4, de 13.03.1998, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que considerara abusiva a cláusula contratual que estabelece sanção em caso de atraso ou descumprimento da obrigação somente em desfavor do consumidor, in verbis: ?CONSIDERANDO o disposto no artigo 56 do Decreto nº 2.181, de 20 de março de 1997, e com o objetivo de orientar o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, notadamente para o fim de aplicação do disposto no in ciso IV do art. 22 deste Decreto; CONSIDERANDO que o elenco de Cláusulas Abusivas relativas ao fornecimento de produtos e serviços, constantes do art. 51 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, é de tipo aberto, exemplificativo, permitindo, desta forma a sua complementação, e CONSIDERANDO, ainda, que decisões terminativas dos diversos PROCON?s e Ministérios Públicos, pacificam como abusivas as cláusulas a seguir enumeradas, resolve: Divulgar , em aditamento ao elenco do art. 51 da Lei nº 8.078/90, e do art. 22 do Decreto nº 2.181/97, as seguintes cláusulas que, dentre outras, são nulas de pleno direito: 1. estabeleçam prazos de carência na prestação ou fornecimento de serviços, em caso de impontualidade das prestações ou mensalidades; 2. imponham, em caso de impontualidade, interrupção de serviço essencial, sem aviso prévio; 3. não restabeleçam integralmente os direitos do consumidor a partir da purgação da mora; 4. impeçam o consumidor de se beneficiar do evento, constante de termo de garantia contratual, que lhe seja mais favorável; 5. estabeleçam a perda total ou desproporcionada das prestações pagas pelo consumidor, em benefício do credor, que, em razão de desistência ou inadimplemento, pleitear a resilição ou resolução do contrato, ressalvada a cobrança judicial de perdas e danos comprovadamente sofridos; 6. estabeleçam sanções, em caso de atraso ou descumprimento da obrigação, somente em desfavor do consumidor; 7. estabeleçam cumulativamente a cobrança de comissão de permanência e correção monetária; 8. elejam foro para dirimir conflitos decorrentes de relações de consumo diverso daquele onde reside o consumidor; 9. obriguem o consumidor ao pagamento de honorários advocatícios sem que haja ajuizamento de ação correspondente; 10. impeçam, restrinjam ou afastem a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor nos conflitos decorrentes de contratos de transporte aéreo; 11. atribuam ao fornecedor o poder de escolha entre múltiplos índices de reajuste, entre os admitidos legalmente; 12. permitam ao fornecedor emitir títulos de crédito em branco ou livremente circuláveis por meio de endosso na representação de toda e qualquer obrigação assumida pelo consumidor; 13. estabeleçam a devolução de prestações pagas, sem que os valores sejam corrigidos monetariamente; 14. imponham limite ao tempo de internação hospitalar, que não o prescrito pelo médico.? Nessa linha, aliás, leciona Felipe Peixoto Braga Neto, conforme se afere do excerto adiante: ?A propósito, vale frisar que a cláusula penal inserta em contratos bilaterais, onerosos e comutativos deve se voltar aos contratantes indistintamente, ainda que redigida em favor de apenas uma das partes (STJ, REsp 1.119.740, Rel. Min. Masami Uyeda, 3ª T., DJ 13/10/11). [...] Decidiu-se, recentemente, em sentido semelhante, ser abusiva a cláusula que estipula penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou descumprimento contratual, não o fazendo em relação ao fornecedor em situações análogas (STJ, REsp 955.134, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJ 29/08/12)?.[7] Esse entendimento, ademais, é sufragado pela Corte Superior de Justiça, em julgamento sob a fórmula dos recursos repetitivos, tendo como paradigma o Recurso Especial nº 1.614.721/DF, julgado em 22/05/2019, que, frise-se, se amolda linearmente a situação idêntica à divisada nestes autos, assentando a legitimidade da aplicação da cláusula penal contratada para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor em desfavor do fornecedor, ainda que ausente previsão contratual, in verbis: ?RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NA PLANTA. ATRASO NA ENTREGA. NOVEL LEI N. 13.786/2018. CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES ANTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. CONTRATO DE ADESÃO. OMISSÃO DE MULTA EM BENEFÍCIO DO ADERENTE. INADIMPLEMENTO DA INCORPORADORA. ARBITRAMENTO JUDICIAL DA INDENIZAÇÃO, TOMANDO-SE COMO PARÂMETRO OBJETIVO A MULTA ESTIPULADA EM PROVEITO DE APENAS UMA DAS PARTES, PARA MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO CONTRATUAL. 1. A tese a ser firmada, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, é a seguinte: No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. 2. No caso

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