Página 66 da Comarcas - Entrância Especial - Cuiabá do Diário de Justiça do Estado do Mato Grosso (DJMT) de 12 de Novembro de 2019

desarrazoado na entrega de unidade imobiliária, o consumidor faz jus à reparação dos danos morais/materiais/lucros eventualmente cessantes sofridos, não havendo que se falar em bis in idem em face da multa prevista em cláusula penal moratória, cuja finalidade típica não é compensatória, mas preventiva e repressiva da mora do promitente-vendedor. Fugindo à regra de que o mero descumprimento contratual não enseja danos morais indenizáveis, a conduta da construtora/incorporadora que retarda a entrega de obra por período muito superior ao prazo de tolerância previsto contratualmente viola direito da personalidade do consumidor, expondo sua incolumidade moral a impactos lesivos que vão muito além do plano dos meros aborrecimentos cotidianos, pelo que é devida indenização proporcional aos danos extrapatrimoniais suportados. Considera-se como termo final de incidência da cláusula penal a data da entrega das chaves, não a data de expedição do habite-se.” (destaquei – TJSP, Ap. Cível 1.0145.14.060781-6/001, rel. Des. José augusto Lourenço dos Santos, 25.4.2018, 30.4.2018) Como se vê, os fatos demonstrados revelam não se aplicar ao caso dos autos a regra disposta no art. 476 do Código Civil, na qual se ancoram as rés, em razão do descumprimento destas acerca de obrigação que deveria ser honrada antes de se exigir o adimplemento obrigacional por parte do autor. Assim a jurisprudência: “A exceção de contrato não cumprido somente pode ser oposta quando a lei ou o próprio contrato não determinar a quem cabe primeiro cumprir a obrigação. Estabelecida a sucessividade do adimplemento, o contraente que deve satisfazer a prestação antes do outro não pode recusar-se a cumpri-la sob a conjectura de que este não satisfará a que lhe corre. Já aquele que detém o direito de realizar por último a prestação pode postergá-la enquanto o outro contraente não satisfizer sua própria obrigação” (STJ, 3ª Turma, REsp 981.750, Min. Nancy Andrighi, 13.4.10, DJ 23.4.10) Infere-se dos autos que o autor agiu em conformidade com a postura adotada, no exemplo do julgado, pelo contraente que ostentava a situação de último a prestar sua obrigação, diante do excessivo atraso (mais de dois anos) para a conclusão da obra e expedição do “habite-se” em seu favor. Assim como a tese da exceptio non adimpleti contractus, não deve prosperar, também, a alegação das rés de que o atraso na entrega do apartamento ao autor se deu por causa da escassez de mão e obra. Os tribunais pátrios vêm decidindo que a escassez de mão de obra, da mesma forma que as condições climáticas desfavoráveis, não configuram caso fortuito ou motivo de força maior a justificar o atraso na entrega do empreendimento imobiliário, pois são tidos como eventos previsíveis, que, por si sós, não têm o condão de afastar a responsabilidade da construtora, conforme se vê a seguir: “A escassez de mão de obra não é motivo apto a afastar a responsabilidade da construtora por atraso na entrega de imóvel. Empresa de empreendimentos atrasou a entrega de unidades imobiliárias e alegou caso fortuito, uma vez que o atraso se deu em virtude da escassez de mão de obra qualificada. Para os Desembargadores, a falta de mão de obra na construção civil não constitui fato imprevisível ou inevitável, pois se trata de aspecto inerente ao risco do negócio. No caso, a entrega da obra ultrapassou, inclusive, o prazo de tolerância previsto no contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel. Assim, o Colegiado entendeu que deve a construtora indenizar o consumidor pelos lucros cessantes, bem como responder pela cláusula penal contratual, haja vista os institutos possuírem naturezas jurídicas diversas, uma reparatória e a outra moratória.” (TJDF, Acórdão 828203 da Apelação Cível 20130111102748, Relator Gilberto Pereira de Oliveira, 3ª Turma Cível, 22.10.2014, DJE 3.11.2014, p. 156. Nesse mesmo sentido: (TJMT 000XXXX-20.2013.8.11.0002, 2ª Câmara de Direito Privado, rel. Desa. Marilsen Andrade Addario, 15.3.2017, DJE 23.3.2017; TJSC, Apelação Cível 06010099720148240038, 27.6.2019; TJRJ Recurso Inominado 02851336720138190001, 8.10.2015; TJDF Apelação Cível 20130110948876, 2.4.2014) A responsabilidade pelo atraso na entrega da unidade autônoma e, portanto, pelo inadimplemento contratual ensejador da resolução contratual pleiteada pelo autor com base no art. 475 do Código Civil, é, portanto, das rés, exclusivamente, devendo recair sobre elas os efeitos dessa conduta, que se restringe, no momento, à verificação do valor pago a ser restituído, revelando-se abusivas e, portanto nulas, ortanto, com fulcro no art. 51, IV, do CDC, as cobranças de juros e de multa por parte das rés pelo suposto atraso do autor no cumprimento de sua obrigação no contrato. Ante a essa conclusão, hão de ser consideradas nulas, posto que abusivas, nos termos do art. 51, II, do CDC, as cláusulas contratuais 6.4 e 6.4.1, que coíbem a restituição integral do valor pago pelo autor, conforme entendimento pacificado no

Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula 543 e do Tema Repetitivo 577, in verbis: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.” (Súmula 543 do STJ)“RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL. DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR PAGO. MOMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. 2. Recurso especial não provido.” (STJ, Recurso Repetitivo, Tema Repetitivo 577, REsp 1300418/SC, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, 13.11.2013, DJE 10.12.2013; RSSTJ 45/169; RSTJ 240/405) Diante do exposto, com fundamento no art. 356, II, do Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido formulado na letra d do requerimento inicial, a fim de declarar rescindido o Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda celebrado entre as partes, com fundamento no art. 475 do Código Civil, por culpa exclusiva das rés, que atrasaram a entrega da unidade autônoma objeto do contrato, bem como nulas as cláusulas 6.4, 6.4.1 e 7.3.4 e a cobrança de juros e multa pelas rés, e determinar a total e imediata devolução dos valores pagos pelo autor, no montante de R$ 514.570,73 (quinhentos e quatorze mil, quinhentos e setenta reais e setenta e três centavos), assim como a restituição da importância de R$ 88.981,55 (oitenta e oito mil novecentos e oitenta e um reais e cinquenta e cinco centavos) que foram pagos pelos serviços de corretagem, tudo devidamente atualizado, conforme índice do INPC/IBGE, e acrescido de juros de mora de 1% (por cento) ao mês desde a data do pagamento. Confirmo, por consequência, a decisão de parcial concessão da tutela provisória de urgência. Em prosseguimento, tendo em vista o enfrentamento das questões processuais e prejudiciais do mérito, declaro saneado o processo, com fulcro no art. 357 do CPC, e designo para 13 (quinta-feira) de fevereiro de 2020, às 15 horas, para audiência de instrução e julgamento, estabelecendo como pontos controvertidos os danos supostamente causados ao autor e o nexo de causalidade entre esses danos e a conduta das rés, fixando o prazo comum de 15 dias para a apresentação do rol de testemunhas, cabendo às partes, por intermédio de seus advogados, cumprir as exigências legais previstas no art. 455 do CPC. Determino sejam intimadas as partes, por intermédio de seus advogados e também pessoalmente, para que compareçam a fim de prestar depoimento pessoal, pena de confesso, cabendo à secretaria a expedição de mandado com essa advertência, nos termos do art. 385 do CPC. Intimem-se as partes, devendo a parte autora se manifestar, também, acerca do conteúdo objeto dos embargos de declaração (ID 4812454), não apreciados antes da suspensão do processo. Cumpra-se. Cuiabá, 11 de novembro de 2019. JONES GATTASS DIAS Juiz de Direito

Intimação Classe: CNJ-50 PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL

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