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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal STF - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA: ACO 3591 PI

Supremo Tribunal Federal
há 2 anos

Detalhes

Processo

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

ALEXANDRE DE MORAES

Documentos anexos

Inteiro TeorSTF_ACO_3591_f337c.pdf
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Ementa

Decisão

Decisão Trata-se de Ação Cível Originária proposta pelo Estado do Piauí em face da União, do Banco do Brasil S/A, da Caixa Econômica Federal – CEF, do Banco Itaú Unibanco S/A, do Banco do Nordeste do Brasil S/A, do Banco Nacional de Desenvolvimento – BNDES, do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola – FIDA e do Banco Internacional para Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD, na qual se requer que seja concedida, liminarmente, tutela provisória para: “b.1) suspender temporariamente o pagamento das prestações vincendas da dívida pública do Estado do Piauí, em relação a todos os contratos (operações de crédito, financiamentos, empréstimos, garantias e contragarantias) firmados com os entes mencionados na presente inicial (item 4.1); b.2) suspender a execução das cláusulas de garantia e contragarantia dos contratos listados, bem como suspender todos os efeitos que seriam imputados ao Estado autor na condição de devedor, inclusive reflexos em restrições legais que impedem o acesso e a obtenção a novos financiamentos; b.3) determinar à União que se abstenha de executar as garantia e/ou contragarantias relativa aos todos os contratos de empréstimo elencados no item 4.1 desta petição inicial, obstando que a demandada, diretamente ou por intermédio do Banco do Brasil S.A (ou outra instituição financeira) ou de qualquer de seus órgãos e entidades, promova qualquer ato de bloqueio/transferência das receitas próprias ou as decorrentes de repartição constitucional obrigatória, pertencentes ao Estado do Piauí, que estejam em contas vinculadas à Administração Direta ou Indireta Estadual; b.4) determinar à União e demais réus que se abstenham de incluir o Estado do Piauí nos cadastros federais de inadimplência, em razão da alegação de mora no pagamento das parcelas/contratos indicados nos itens b.1 a b.3, até o julgamento final de mérito da demanda; b.5) ordenar a imediata devolução de quaisquer valores bloqueados e/ou transferidos ao Tesouro Nacional a título de contragarantia, em razão do inadimplemento dos contratos citados nos itens b.1 a b.3, até o julgamento final da demanda; b.6) Em qualquer das situações descritas supra (itens b.1 a b.5), seja fixada multa diária no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) às rés, cifra compatível com o montante correspondente aos interesses jurídicos ora tutelados e que tem o objetivo de inibir a parte ré a descumprir o provimento liminar;” O Estado do Piauí informa que "a presente demanda objetiva comunicar à União, nos termos do art. 726 do Código de Processo Civil1, a impossibilidade de pagamento das parcelas do Contratos relativos à dívida pública do Estado do Piauí, garantidos pela União, listados no Ofício SEFAZ-PI/GASEC Nº 202/2022 (em anexo), com datas de vencimento previstas para os próximos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro do ano em curso (2022), solicitando seja determinado à ré que se abstenha de promover, diretamente ou por intermédio das instituições financeiras intervenientes ou que ocupem a posição de agente administrativo, qualquer ato de bloqueio/transferência das receitas próprias ou as decorrentes de repartição constitucional obrigatória, pertencentes ao Estado do Piauí por expressa e inequívoca disposição constitucional, que estejam depositadas em contas vinculadas à Administração direta ou indireta do autor, até a obtenção de solução negocial que permita o equacionamento da dívida". Alega que, "demonstra o Ofício SEFAZ-PI/GASEC Nº 202/2022, o montante relativo à dívida pública do Estado do Piauí a ser adimplido no exercício fiscal corrente (2022) alcança o total de R$ 332.658.271,19 (trezentos e trinta e dois milhões, seiscentos e cinquenta e oito mil, duzentos e setenta e um reais e dezenove centavos), relativos a 13 (treze) contratos de financiamento". Aduz que "a corrente queda das receitas estaduais em razão das alterações impostas pelas Leis Complementares nºs 192/2022 e 194 2022 impossibilita o Autor de realizar o pagamento da prestação aprazadas para os meses de agosto a dezembro de 2022”, sendo “salutar destacar que não há interesse do Estado em deixar de honrar seus compromissos. Contudo, como será demonstrado abaixo, o pagamento da dívida pública fica absolutamente impossibilitado enquanto não equacionados os efeitos das Lei Complementares acima indicadas Salienta que “o Ente Federativo autor tem conhecimento de que o Congresso Nacional, em sessão ocorrida em 14/07/2022, derrubou os vetos aos §§ 1º, , e do art. da Lei Complementar nº 194 e, deste modo, instituiu possibilidade de compensação pela União de parte das perdas sofridas pelos Estado em razão das Leis Complementares nº 192/2022 e 194/2022”. Mas, que, entretanto, “ainda que a regulamentação viesse a ser editada em lapso temporal razoável, o que não se espera, considerando os diversos entraves administrativos impostos pelo Ente Nacional, seria inviável ao Estado do Piauí aguardar tal providência, tendo em vista que já no próximo mês de Agosto de 2022 deverá haver um desembolso no montante de R$ 103.201.758,44 (centro e três milhões, duzentos e um mil, setecentos e cinquenta e oito reais e quarenta e quatro centavos), para pagamento das próximas parcelas (principal e juros/encargos), relativas aos contratos firmados com BIRD, BID e FIDA5, conforme relatório veiculado no Oficio SEFAZ-PI/GASEC Nº 202/2022”. Sustenta que “presente demanda tem como escopo principal requerer a sensibilização do Supremo Tribunal Federal para o grave cenário de desequilibro federativo imposto pelas Leis Complementares nºs 192/2022 e 194/2022 e, em razão dele, requerer que, caso ocorra o pagamento do débito pela União, seja esta obstada de executar as contragarantias previstas nos já referidos no item 4.1 desta Inicial”. Assevera que, “na hipótese de ocorrer o pagamento por parte da União, caberá ao Estado requerente, em momento posterior, compensar o Ente Federal, por meio do refinanciamento da dívida. Assim, a notificação prévia da impossibilidade do pagamento para que a União, caso tenha interesse, substitua-o brevemente, materializa o dever do devedor de mitigar suas perdas, corolário do princípio da boa-fé objetiva, conforme exaustivamente reconhecido pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”. Aduz que “por meio da Lei Complementar nº 192/2022, excedendo sua competência para regulamentar o art. 155, §. 2º, inc. XII, alínea h, da Constituição Federal7, a União se intrometeu na modalidade de alíquotas que, conforme a malfadada lei, deverá ser adotada pelos Estados (ar. 3º, inc. V, alínea b), nos prazos para reajustes das alíquotas desses tributos (art. 6, § 4º) e até mesmo no modo de fixação da base de cálculo dos tributos incidentes sobre os combustíveis (art. 7º)” e “pela edição da Lei Complementar nº 194/2022, a União, novamente invadindo a competência tributária dos Entes Federativos subnacionais, legislou no sentido de atribuir essencialidade a determinados produtos sobre os quais incide o Imposto sobre Mercadorias e Serviços, impondo limitação da alíquota do tributo incidente sobre esses itens”. Ressalta que “sob o ângulo jurídico, a União violou o princípio federativo, a repartição constitucional das competências tributárias e concedeu isenção heterônoma relativa a tributos de competência dos Estados”, sendo que “também houve o desnaturamento da teleologia do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Não é demasiado repetir, o tributo em exame tem natureza arrecadatória e não se presta à realização de política econômica”. Informa que “conforme a Lei Orçamentária Anual (LOA) nº 7.721/20218, relativa ao ano de 2022, a previsão total de receita líquida do Estado do Piauí para o exercício financeiro de 2022 foi estimada em R$ 14.667.519.948 (quatorze bilhões, seiscentos e sessenta e sete milhões, quinhentos e dezenove mil e novecentos e quarenta e oito reais). Deste modo, o impacto financeiro das Leis Complementares nºs 192/2022 e 194/2022, estimado em aproximadamente 1,9 bilhões de reais ao final dos próximos 12 meses, ao fim e ao cabo resultará na redução de aproximadamente 12,95% da receita líquida de todo o orçamento de um exercício fiscal”. Aduz que “a Lei Complementar nº 194/2022, com um arremedo de proteção federativa, previu no art. , caput, que a União deverá deduzir do valor das parcelas dos contratos de dívida do Estado ou do Distrito Federal administradas pela Secretaria do Tesouro Nacional, independentemente de formalização de aditivo contratual, as perdas de arrecadação dos Estados ou do Distrito Federal ocorridas no exercício de 2022 decorrentes da redução da arrecadação do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) que exceda ao percentual de 5% (cinco por cento) em relação à arrecadação deste tributo no ano de 2021”. Sendo que, “em princípio, a medida somente beneficia os Estados que possuem elevada parcela da dívida pública com a União, o que reforça o desequilíbrio federativo, uma vez que pune os Estados, como o requerente, que envidaram esforços para buscar mecanismos para reduzir sua dívida com a União”. Destaca que “a redução abrupta da arrecadação decorrente dessas iniciativas legislativas da União, bem como por meio de outras medidas como a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) que afeta a receita transferida do ente via Fundo de Participação dos Estados – FPE, resultará em diversos prejuízos concretos para a execução dos serviços, políticas e programas em andamento e que são essenciais para atender as necessidades inadiáveis da população local”. Ressalta que “o princípio da lealdade federativa, mandamento fundamental à organização do Estado implícito no texto da Carta Magna, tem sua gênese no direito alemão e foi amplamente incorporado pela doutrina e jurisprudência brasileiras, possuindo como vetor fundamental a diretriz de que, mesmo quando respeitadas todas as normas constitucionais que regulam as relações entre união e estados-membros, o sistema federativo só pode funcionar a contento se todos os seus integrantes agirem de acordo com um núcleo essencial de lealdade recíproca, o que importa inclusive na prestação de efetivo apoio em caso de necessidades prementes de quaisquer dos integrantes da federação”. O Estado sustenta que o fumus boni iuris “está por demais evidente, uma vez que a causa de pedir encontra fundamento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que está orientada no sentido de que entraves administrativos que sirvam de empecilho para que o ente subnacional usufrua das benesses previstas na legislação específica, bem como eventual execução de contragarantia de contratos de operação de crédito, para além de violar diversos preceitos constitucionais - dentre os quais se destaca os princípios do equilíbrio do pacto federativo e da fidelidade à federação -, também impõe sobre o ente autor ônus financeiro, que, ao fim, pode importar na paralisação completa de serviços essenciais prestados à população local e na descontinuidade de inúmeras políticas públicas relevantes nas áreas da saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, assistência social etc”. Fundamenta o periculum in mora na “há impossibilidade fática de adimplemento das parcelas dos contratos de financiamento celebrados pelo Estado autor e, por via de consequência, provável e iminente ação da União no sentido de executar as respectivas contragarantias mediante bloqueios de repasses de cotas do FPE e retenção de receitas próprias do Estado diretamente das contas do Tesouro Estadual. Esse bloqueio, se consideradas apenas as parcelas com vencimento no próximo mês de Agosto/2022, referentes aos Contrato nº 7399-BR (BIRD-PCPR II 2ªETAPA); Contrato nº 8128-BR (BIRD-DPL I); Contrato nº 8575-BR (BIRD-IPF); Contrato nº 2308/OC-BR (BID-PROFISCO I); Contrato nº 4460/OC-BR (BID-PROFISCO II); Contrato nº 8567-BR (BIRD-DPL II); Contrato nº 788-BR (FIDA-VIVA SEMI-ÁRIDO), pode alcançar, imediatamente o valor de R$ 103.201.758,44 (centro e três milhões, duzentos e um mil, setecentos e cinquenta e oito reais e quarenta e quatro centavos), e um total de R$ 332.658.271,19 (trezentos e trinta e dois milhões, seiscentos e cinquenta e oito mil, duzentos e setenta e um reais e dezenove centavos) até o final do exercício financeiro corrente, considerados todos os contratos elencados no item 4.1 desta Inicial”. Requer, por fim, que “após a apreciação e concessão do pedido de tutela provisória, seja encaminhado o feito para o Centro de Conciliação e Mediação dessa Suprema Corte, a fim de ser alcançada e implementada solução consensual”. É o relatório. Decido. A concessão da tutela provisória de urgência, seja de natureza cautelar, seja de natureza satisfativa, exige, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a presença de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, tradicionalmente conhecida como fumus boni iuris, e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, o chamado periculum in mora. No presente caso, estão preenchidos os requisitos legais. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem adotado entendimento no sentido do deferimento de tutela judicial de urgência para suspender os efeitos de atos praticados pela União que possam comprometer, de modo grave e/ou irreversível, a continuidade da execução de políticas públicas ou a prestação de serviços essenciais à coletividade. Nesse sentido, a decisão proferida pela Ministra CÁRMEN LÚCIA, no exercício da Presidência, nos autos da ACO 2972-MC, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 1º/2/2017: “AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. EXECUÇÃO DE CONTRAGARANTIA CONTRATUAL. BLOQUEIO DE RECURSOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PELA UNIÃO. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. RISCOS À CONTINUIDADE DE SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL E URGENTE. MEDIDA LIMINAR PARCIALMENTE DEFERIDA. PROVIDÊNCIAS PROCESSUAIS.” No mesmo sentido, cito a ACO 2898-MC, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 3/8/2016; e ACO 3270-MC, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 27/5/2019: “AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. EXECUÇÃO DE CONTRAGARANTIA PELA UNIÃO EM DESFAVOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. SITUAÇÃO DE CALAMIDADE FINANCEIRA DO ENTE ESTADUAL. FEDERALISMO DE COOPERAÇÃO. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE ENTRE OS ENTES FEDERADOS. CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS. PRECEDENTES. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA.” Além disso, no presente caso, no qual se tem por objeto o cenário econômico-financeiro do Estado do Piauí e os impactos arrecadatórios e fiscais ocasionados pelas Leis Complementares 192/2022 e 194/2022, importante discorrer sobre o pacto federativo e a solidariedade entre os entes da federação. A história do federalismo inicia-se com a Constituição norte-americana de 1787. A análise de suas características e do desenvolvimento de seus institutos vem sendo realizada desde os escritos de Jay, Madison e Hamilton, nos artigos federalistas, publicados sob o codinome Publius, durante os anos de 1787/1788, até os dias de hoje, e mostra que se trata de um sistema baseado principalmente na manutenção de autonomia dos estados-membros, com a consagração de divisão constitucional de competências. Em 1887, em seu centenário, o estadista inglês William Gladstone afirmou que a Constituição dos Estados Unidos “era a mais maravilhosa obra jamais concebida num momento dado pelo cérebro e o propósito do homem”. Dentro dessa perspectiva, a questão do federalismo e do equilíbrio entre o Poder Central e os Poderes Regionais foi das questões mais discutidas durante a Convenção norte-americana, pois a manutenção do equilíbrio Democrático e Republicano, no âmbito do Regime Federalista, depende do bom entendimento, definição, fixação de funções, deveres e responsabilidades entre os três Poderes, bem como da fiel observância da distribuição de competências legislativas, administrativas e tributárias entre União, Estados e Municípios, característica do Pacto Federativo, consagrado constitucionalmente no Brasil, desde a primeira Constituição Republicana, em 1891, até a Constituição Federal de 1988. A Federação, portanto, nasceu adotando a necessidade de um poder central, com competências suficientes para manter a união e coesão do próprio País, garantindo-lhe, como afirmado por HAMILTON, a oportunidade máxima para a consecução da paz e liberdade contra o facciosismo e a insurreição (The Federalist papers, nº IX) e permitindo à União realizar seu papel aglutinador dos diversos Estados-Membros e de equilíbrio no exercício das diversas funções constitucionais delegadas aos três poderes de Estado. Durante a evolução do federalismo, passou-se da ideia de três campos de poder mutuamente exclusivos e limitadores, segundo a qual a União, os Estados e os Municípios teriam suas áreas exclusivas de autoridade, para um novo modelo federal baseado principalmente na cooperação, como salientado por KARL LOEWENSTEIN (Teoria de la constitución. Barcelona: Ariel, 1962. p. 362). No dizer de GARCÍA PELAYO, há a necessidade de conformar-se a tendência à unidade e a tendência à diversidade (Derecho constitucional comparado. 8. Ed. Madri: Revista do Ocidente, 1967. p. 218). É necessário, portanto, que o exercício das competências dos entes federativos respeite outro traço nuclear do Estado Federal: a interdependência. Esse ingrediente que representa uma ideia associável às noções de solidariedade, de lealdade, ou de cordialidade é crucial para que as federações sigam em frente na persecução de seus projetos coletivos, encontrando as composições imprescindíveis para a preservação de sua identidade. FERNANDO LUIZ ABRUCIO ressalta que a chave para o êxito federativo está em equilibrar competição e cooperação (A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. In: Revista de Sociologia e Política, n. 24, jun-2005, p. 43). A ideia de cooperação está presente no voto do Min. ROBERTO BARROSO, nos autos da ACO 2.178, ao afirmar que, no âmbito da Federação brasileira, União e Estados devem se relacionar tendo como objetivo a realização dos fins constitucionais da República, não devendo prevalecer propósitos de lucro e maximização de ganhos sem a devida observação das ideias de lealdade federativa, equidade, solidariedade e cooperação. O Relator afirma que: “O federalismo fiscal brasileiro vive um momento delicado, marcado por insuficiências e desequilíbrios. Para tal situação, contribuem, entre outros fatores, (i) o centralismo tributário da União, que concentrou os seus esforços arrecadatórios em contribuições, cuja receita majoritariamente não é compartilhada com os demais entes federados; (ii) os incentivos fiscais que produzem impactos sobre o Fundo de Participação dos Estados; (iii) a omissão inconstitucional do Congresso Nacional em disciplinar medidas compensatórias das perdas sofridas pelos Estados com a desoneração das exportações, já reconhecida na ADO 25, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 30.11.2016; (iv) uma guerra fiscal de todos contra todos; (v) e as obrigações de amortização da dívida dos Estados com a União. Como se vê, instaurou-se um modelo em que os Estados perdem quase sempre. A interpretação de normas e contratos entre os entes federativos não pode desconsiderar essa realidade fática”. Essa necessária cooperação entre os entes da federação encontra guarida na jurisprudência da CORTE, conforme podemos verificar na decisão proferida pelo Min. GILMAR MENDES, nos autos da ACO 3.362, na qual ressalta : “o princípio da lealdade à federação atua como um dos mecanismos de correção, de alívio das tensões inerentes ao Estado Federal, junto aos que já se encontram expressamente previstos na própria Constituição. Sua presença silenciosa, não escrita, obriga cada parte a considerar o interesse das demais e do conjunto. Transcende o mero respeito formal das regras constitucionais sobre a federação, porque fomenta uma relação construtiva, amistosa e de colaboração. Torna-se, assim, o espírito informador das relações entre os entes da federação, dando lugar a uma ética institucional objetiva, de caráter jurídico, não apenas político e moral. (ROVIRA, Ennoch Alberti. Federalismo y cooperacion en la Republica Federal Alemana, Centro de Estudios Constitucionales: Madrid, 1986, p. 247)”. Assim, em estágio de cognição sumária, é possível afirmar que a restrição à tributação estadual ocasionada pelas Leis Complementares 192/2022 e 194/2022, de forma unilateral, sem consulta aos Estados, acarreta um profundo desequilíbrio na conta dos entes da federação, tornado excessivamente oneroso, ao menos nesse estágio, o cumprimento das obrigações contraídas nos contratos de financiamento que compõem a dívida pública dos entes subnacionais. Justificável, portanto, a pretendida intervenção judicial nos contratos para suspensão do pagamento das prestações deles originadas até que viabilize um mecanismo tendente ao restabelecimento do equilíbrio da base contratual. Esta diretriz já foi adotada por esta CORTE, com destaque para o quanto decidido na ACO 3.119, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Plenário, DJe de 30/06/2020, com a seguinte ementa: “DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE CESSÃO DE ROYALTIES E COMPENSAÇÕES FINANCEIRAS DECORRENTES DE APROVEITAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS ENTRE ESTADO-MEMBRO E UNIÃO. DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO VERIFICADO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. TEORIA DA IMPREVISÃO. 1. Pedido de revisão de contrato de cessão de royalties e compensações financeiras decorrentes de aproveitamento de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica sob alegação de desequilíbrio econômico-financeiro. 2. O prazo prescricional não pode ser contado a partir da celebração do contrato. O prejuízo apenas poderia ser constatado ao final da execução do ajuste, quando seria possível aferir se houve onerosidade excessiva para uma das partes. O termo inicial do prazo prescricional, portanto, é a data do último repasse de royalties à União. Além disso, o prazo de prescrição é de cinco anos, tal como previsto no Decreto nº 20.910/1932, que é norma especial em relação ao Código Civil. Como os repasses dos royalties e dos valores atinentes à compensação financeira, objeto da cessão de crédito, permanecem até hoje, não há que se falar em decurso do aludido prazo prescricional. 3. As relações entre entes da Federação, especialmente entre a União e Estado-Membro, devem ser regidas por vetores constitucionais, como lealdade federativa, solidariedade e equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Nem mesmo nas relações estritamente privadas se tolera o ganho desproporcional, decorrente de motivos imprevisíveis. 4. O contrato firmado entre a União e o Estado do Paraná teve por propósito, conforme expressa disposição legal que o autorizou, a capitalização dos fundos previdenciários e financeiros dos servidores estaduais. Não se afigura legítimo que sua execução imponha ao Estado a entrega de prestações que montam a valor muito superior à expectativa inicial das partes, gerando um desequilíbrio entre as obrigações. A hipótese, portanto, é de onerosidade excessiva para o Estado-Membro e de ganho desproporcional para a União. 5. Os créditos originados dos royalties e das compensações financeiras, cedidos durante o período de maio de 2000 a dezembro de 2020, foram adquiridos considerando o critério de fluxo de caixa descontado, estabelecido para que se pudesse estabelecer um sinalagma entre as obrigações reciprocamente contraídas. 6. Considerando o dever de cooperação e de solidariedade entre os entes federados e os ganhos inesperados da União, afigura-se proporcional o recebimento das prestações pela União até o ajuizamento da ação, como remuneração pela operação desenvolvida, oportunidade em que se dá por resolvido o negócio, com base na teoria da imprevisão, tal como previsto no artigo 478 do Código Civil. 7. Ação Cível Originária julgada parcialmente procedente para declarar resolvido o contrato no momento do ajuizamento da ação e condenar a União a restituir ao autor os valores que foram repassados pelo Estado do Paraná a título de royalties e compensações financeiras a partir da data da resolução, como correção monetária e juros moratórios, estes contados da citação. Honorários sucumbenciais arbitrados em R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), nos termos do artigo 85, § 8º, do CPC de 2015, devidos ao Estado-Autor.” Importante o destaque de que o Min. LUIZ FUX, no exercício da Presidência, ao deferir medida liminar nos autos da ACO 3.587, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, assentou que “vislumbra-se, neste juízo não exauriente, a plausibilidade da tese sustentada pelo Estado autor, na medida em que, da dicção do art. da LC 194/2022, parece exsurgir, de fato, o direito subjetivo dos Estados-membros à dedução do valor correspondente às perdas de arrecadação, decorrentes da limitação de alíquota do ICMS operada por esta lei, do valor das dívidas administradas pela Secretaria do Tesouro Nacional - dedução esta que se dá, ainda conforme dispõe expressamente o dispositivo, independentemente da formalização de aditivo contratual. À luz deste dispositivo e forte no princípio da lealdade federativa, de que decorre o dever de cooperação entre os entes federados ( ACO 3.329, Tribunal Pleno, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 28/01/2022), não parece haver justificativa razoável para a alegada inércia da União na efetivação imediata das medidas compensatórias legalmente previstas, do que deflui a probabilidade do direito do Estado requerente”. A decisão recebeu a seguinte ementa: “AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. TRIBUTÁRIO. ICMS. LIMITAÇÃO DAS ALÍQUOTAS INCIDENTES SOBRE COMBUSTÍVEIS, GÁS NATURAL, ENERGIA ELÉTRICA, ETC. MEDIDAS COMPENSATÓRIAS À PERDA DE ARRECADAÇÃO EM FAVOR DOS ESTADOS MEMBROS. LC 194/2022, ART. . INÉRCIA DA UNIÃO QUANTO À EFETIVAÇÃO. FUMUS BONI IURIS. DEDUÇÕES DE PARCELAS DE DÍVIDAS QUE INDEPENDEM DE ADITIVOS CONTRATUAIS. PERICULUM IN MORA. QUEDA DE ARRECADAÇÃO CAPAZ DE COMPROMETER A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS À COLETIVIDADE. ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA ENFRENTADO PELO ENTE AUTOR. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA PARCIALMENTE DEFERIDA.” No mesmo sentido, menciono a ACO 3.586, de minha relatoria, DJe 26/07/2022. Diante do exposto, presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR, nos termos pleiteados, para determinar a suspensão do pagamento das prestações vincendas da dívida pública do Estado do Piauí, em relação aos contratos elencados no item 4.1 da petição inicial. Em virtude da liminar concedida, não poderá a União proceder às medidas decorrentes do descumprimento dos referidos contratos, notadamente o exercício das contragarantias, caso venha voluntariamente a pagar as respectivas prestações, enquanto vigorar a presente liminar. Cite-se e intime-se as partes rés, da forma mais célere possível, para o cumprimento da decisão, bem como para apresentar contestação no prazo legal. A presente decisão servirá como mandado. Publique-se. Brasília, 31 de julho de 2022. Ministro Alexandre de Moraes Relator Documento assinado digitalmente

Referências Legislativas

Observações

04/08/2022 Legislação feita por:(LFE).
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1607920396

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