17 de Junho de 2024
- 2º Grau
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Publicado por Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Detalhes
Processo
Órgão Julgador
Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL
Publicação
Julgamento
Relator
Claret de Moraes
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Inteiro Teor
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - COISA JULGADA - NÃO CONFIGURAÇÃO - JUROS MORATÓRIOS - APLICAÇÃO DE OFÍCIO - OFENSA À COISA JULGADA - INEXISTÊNCIA - PREEDENTES DO STJ.
1 - Estabelece o caput do art. 503 do Código de Processo Civil que "a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida". O pedido contido na ação de divórcio foi de constituição de aluguel em favor do apelado. Nesta ação, não se discute o direito de recebimento do aluguel, a pretensão é restrita à cobrança do crédito oriundo do título executivo judicial, razão pela qual não há de se falar em ofensa à coisa julgada.
2 - o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que os juros de mora e a correção monetária são encargos acessórios da obrigação principal e devem ser incluídos na conta de liquidação, inexistindo preclusão ou ofensa à coisa julgada por causa dessa inclusão.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.14.314111-7/003 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE (S): GEISE CANDELARIA LEMOS - APELADO (A)(S): ORLANDO LEMOS DOS SANTOS
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR DE COISA JULGADA E, NO MÉRITO, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. CLARET DE MORAES
RELATOR.
DES. CLARET DE MORAES (RELATOR)
V O T O
Apelação interposta por GEISE CANDELÁRIA LEMOS, contra sentença pela qual o MM. Juiz de Direito Guilherme Lima Nogueira da Silva, da 15ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte - MG (ordem nº 32), nos autos da ação de cobrança, proposta por ORLANDO LEMOS DOS SANTOS, julgou da seguinte forma:
"Isto posto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTES os pedidos e condeno a ré ao pagamento dos aluguéis sobre o imóvel objeto da ação, no valor de R$260,00 (duzentos e sessenta reais) mensais a contar da data da citação no processo originário (1210712012), que deverá ser reajustado anualmente pelo IGP-M, desde o arbitramento e acrescido de juros de 1% (um por cento) ao mês desde a citação supra mencionada.
Por conseguinte, extingo processo com resolução do mérito, na forma do art. 487, inciso I do CPC.
Condeno a ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios que, com fulcro no art. 85, § 2º, do CPC, fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, ressalvada a gratuidade de justiça concedida.
P.R.I.
Após o trânsito em julgado da presente decisão e não havendo custas pendentes de recolhimento, arquivem-se os autos com baixa na distribuição".
A apelante, em suas razões recursais (ordem nº 34), suscitou preliminar de coisa julgada, ao argumento de que o apelado, seu ex-cônjuge, pretende lhe cobrar valores já arbitrados a título de aluguel, em sentença proferida na ação de divórcio anteriormente ajuizada perante a 30ª Vara Cível, onde ficou estabelecido aluguel mensal em favor do apelado, a partir da citação, no valor de R$260,00, acrescido de correção monetária pelo IGP-M.
No mérito, sustentou que na ação de divórcio ficou estabelecida condição suspensiva para a cobrança dos aluguéis, qual seja, a venda do imóvel para abatimento da dívida.
Alegou que na ação de divórcio, não houve fixação de juros de mora e, portanto, não caberia nesta ação o arbitramento deles, contados da citação na ação de divórcio, por ofender a coisa julgada.
Ao final, pediu provimento ao recurso, para que a sentença seja reformada, acolhendo-se suas teses recursais.
O apelado contrarrazoou (ordem nº 36), pugnando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
Recurso próprio, tempestivo, adequado. Dispensado o preparo, tendo em vista os benefícios da gratuidade da justiça deferidos à apelante (ordem nº 10). Assim, presentes os pressupostos de sua admissibilidade, dele conheço.
PRELIMINAR
Coisa julgada
Estabelece o caput do art. 503 do Código de Processo Civil que "a decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida".
O artigo em comento fixa os limites objetivos da coisa julgada material, os quais são abalizados pelo pedido e pela causa de pedir.
Lecionando sobre os limites objetivos da coisa julgada, Humberto Theodoro Júnior, no livro Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 56ª edição, Editora Forense, p. 1.097/1.098 e 1.100/1.101, ensina:
"É pela sentença que o Estado dita a solução visada pelo processo, isto é, compõe a lide, resolvendo as questões propostas pelos interessados." O que individualiza a lide, objetivamente, são o pedido e a causa petendi, isto é, o pedido e o fato constitutivo que fundamenta a pretensão ". Decidindo a lide, a sentença acolhe ou rejeita o pedido do autor, pois é ela, na feliz expressão de Amaral Santos, nada mais do que" a resposta do juiz ao pedido do autor ". Logo," a sentença faz coisa julgada sobre o pedido "348 e só se circunscreve aos limites da lide e das questões expressamente decididas (art. 503).
Assim, se o herdeiro legítimo também contemplado em testamento reivindica a herança apenas invocando a disposição testamentária (uma questão) e perde a demanda, não estará inibido pela res iudicata de propor outra ação baseada na vocação hereditária legítima (outra questão ainda não decidida).
Objetivamente a coisa julgada reclama reprodução, entre as mesmas partes e em outra ação, do pedido e da causa de pedir de ação anteriormente decidida pelo mérito (art. 337, §§ 1º e 2º). A exceção, todavia, para ser acolhida não exige que se verifique total identidade das questões tratadas nas duas causas. Basta que algumas delas coincidam. A res iudicata pode ser total ou parcial. Se todas as questões são idênticas, a segunda ação será inviável e o processo se extinguirá sem apreciação do mérito (art. 485, V). Se a coincidência for parcial e o objeto da nova ação for menor, também ocorrerá a extinção do processo, como no caso anterior. Quando, porém, o objeto da segunda causa contiver questões novas, apenas quanto a estas haverá julgamento de mérito, devendo incidir a barreira da res iudicata para impedir a reapreciação da lide em tudo aquilo já definitivamente
julgado. De maneira alguma a nova sentença poderá negar ou reduzir o que antes se acobertara da imutabilidade da coisa julgada. O assentado na sentença anterior será o pressuposto ou o ponto de partida para o enfrentamento das questões novas. Enfim, da resposta jurisdicional dada ao pedido, a sentença, após a coisa julgada, cria ou estabiliza uma situação jurídica substancial entre as partes, e é essa situação jurídica que se revestirá da indiscutibilidade e imutabilidade de que cogita o art. 502, e que se identifica pelos limites da lide e das questões decididas, como determina o art. 503. (...)"
808.2. Revisão do mito de que só o dispositivo da sentença passa em julgado
Para definir o alcance da indiscutibilidade gerada pela coisa julgada, a concepção atual do instituto não tem como subsistente a velha teoria de Chiovenda, segundo a qual a parte da sentença que passa em julgado seria apenas o seu dispositivo. Nessa ótica, os motivos e fundamentos da conclusão do decisório ficariam fora da coisa julgada. Entretanto, a correlação que se tem de fazer é entre o objeto do processo e o pronunciamento que a sentença efetuou para solucioná-lo. Dentro do processo uma situação jurídica litigiosa reclamou o acertamento judicial, de maneira que é esse acertamento que, em nome da segurança jurídica, se sujeitará à força ou autoridade da res iudicata.
Em termos práticos, o que deve ser pesquisado é aquilo, dentro do pronunciamento judicial, que tem de ser conservado imutável para que "não perca autoridade o que restou decidido", como adverte Jordi Nieva-Fenoll. Explica o autor que é preciso apurar, no bojo do processo findo, quais são as questões decididas que "conferem estabilidade à sentença". O processo só cumprirá sua função de lograr a composição definitiva do litígio se proporcionar garantia de permanência à solução de tais questões. Então, para apurar qual parte do decisório adquiriu a indiscutibilidade própria da res iudicata, "é necessário determinar quais pronunciamentos exigem estabilidade para não comprometer o valor do processo já concluído".
A operação, com esse objetivo, é singelíssima, muito mais prática e casuística do que a luta infindável e pouco frutífera da doutrina antiga desgastada na busca da teorização complexa e da dogmatização sempre problemática, como tem ocorrido de longa data na tentativa de uma definição científica e geral dos limites objetivos da coisa julgada.
Afinal, segundo as origens remotas do instituto, sempre se explicou a coisa julgada pela simples finalidade de vetar, em nome da segurança jurídica, a renovação do julgamento de uma causa já definitivamente decidida. Ora, julgar uma causa, em seu mérito, consiste justamente em resolver as questões que integram o objeto do processo (o objeto litigioso). Por isso, o artigo 503 do NCPC, na perspectiva de delimitar a coisa julgada, afirma que a sentença de mérito "tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida". E o art. 505, em seguida, aduz que "nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide".
Na verdade, não é o pedido que o juiz decide direta e unicamente, como aparentemente se deduz do dispositivo de uma sentença. Ali só se chega por meio da resolução de todas as questões relevantes do litígio, de maneira que o dispositivo não é mais que a resultante necessária de todas as decisões das questões que compõem o objeto litigioso.
O provimento judicial de mérito é, em suma, o conjunto indissociável de todas as questões resolvidas que motivaram a resposta jurisdicional à demanda enunciada no dispositivo da sentença. Se estas questões não se estabilizarem juntamente com a resposta-síntese, jamais se logrará conferir segurança à situação jurídica discutida e solucionada no provimento. É, por isso, que a doutrina processual mais evoluída de nossos dias vê como alcançada pela segurança jurídica proporcionada pela coisa julgada não esta ou aquela parte da sentença, mas toda a situação jurídica material objeto do acertamento contido no provimento definitivo de mérito. Não pode, em tal perspectiva, permanecer fora da autoridade da res iudicata a solução da questão principal (i.e. a causa de pedir, seja a invocada pelo autor, seja a que fundamenta a resistência do réu).
De tal sorte, toda resolução de questão qualificada como principal feita pela decisão de mérito assume força de lei (art. 503), entre as partes, tornando-se no devido tempo imutável e indiscutível (art. 502), e por consequência, impedirá que qualquer juiz volte a rejulgá-la (art. 505), entre os mesmo litigantes (art. 506).
No caso em julgamento, o pedido contido na ação de divórcio foi de constituição de aluguel em favor do apelado. Nesta ação, não se discute o direito de recebimento do aluguel, a pretensão é restrita à cobrança do título executivo judicial.
Dessa forma, não ficou configurada ofensa à coisa julgada.
Destarte, REJEITO A PRELIMINAR DE COISA JULGADA.
MÉRITO
O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que os juros de mora e a correção monetária são encargos acessórios da obrigação principal e devem ser incluídos na conta de liquidação, inexistindo preclusão ou ofensa à coisa julgada por causa dessa inclusão.
Dessa forma, a aplicação de juros de mora no julgamento da ação de cobrança, ainda que o título executivo judicial que a ampara esteja omisso quanto à incidência de juros de mora, não configura ofensa à coisa julgada.
Vejam os precedentes:
"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ART. 535, II, DO CPC/1973. DESAPROPRIAÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. OFENSA À COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JUROS DE MORA. DUPLA INCIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 2. Esta Corte possui o entendimento de que os juros de mora e a correção monetária são encargos acessórios da obrigação principal e devem ser incluídos na conta de liquidação, ainda que já homologado o cálculo anterior, inexistindo preclusão ou ofensa à coisa julgada por causa dessa inclusão. É o caso. (...) ( REsp XXXXX/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016)"
"(...) A jurisprudência é firme no sentido de que a correção monetária e os juros de mora são consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício, de modo que sua aplicação ou alteração, bem como a modificação de seu termo inicial, não configura julgamento extra petita nem reformatio in pejus. Precedentes. (...) (EDcl no AgInt no AREsp XXXXX/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/10/2019, DJe 30/10/2019)
Por fim, quanto à alega cláusula suspensiva, também sem razão a apelante.
Na sentença que julgou a ação de arbitramento de alugueres, o juiz sentenciante assim fundamentou:
O fato de estar ou não o autor em dificuldade financeira não tem reflexo nesta lide, já que o arbitramento de aluguel decorre do direito de propriedade e pelo impedimento de fruição do bem, que é explorado ou usado exclusivamente pela condômina ré.
Não é caso de revogação da liminar, e se nada pagou até esta data, o quanturu poderá ser abatido na sua parte quando da venda judicial do imóvel, conforme apenso, já que o importante é tutela o direito de ambas as partes.
Conforme se observa, não se fixou cláusula suspensiva. Houve apenas uma justificativa para a não renovação da liminar, já que, caso não conseguisse adimplir os alugueres a tempo e modo próprios, o apelado poderia receber a dívida por meio de abatimento da parte do imóvel que pertence a apelante, isto quando alienada judicialmente a propriedade.
Nesse contexto, a manutenção da sentença que julgou procedente o pedido contido na petição inicial da ação de cobrança é medida imperativa.
Em face do exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo-se inalterada a respeitável sentença recorrida.
Custas recursais e honorários advocatícios sucumbenciais que majoro para 12% (doze por cento) sobre o valor da condenação, a cargo da apelante, suspensa a exigibilidade, em face da gratuidade da justiça a ela deferida.
JD. CONVOCADO MARCELO PEREIRA DA SILVA - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. ÁLVARES CABRAL DA SILVA - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA:"REJEITARAM A PRELIMINAR DE COISA JULGADA E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."