24 de Maio de 2024
- 1º Grau
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TJPR • PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL • XXXXX-97.2018.8.16.0030 • 3 do Tribunal de Justiça do Paraná - Inteiro Teor
Detalhes
Processo
Órgão Julgador
Juiz
Partes
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Autos nº. XXXXX-97.2018.8.16.0030
Processo: XXXXX-97.2018.8.16.0030
Classe Processual: Procedimento Comum Cível
Assunto Principal: Pagamento
Valor da Causa: R$14.019.951,66
Autor (s): DIRCE GEHLEN RIOS
JULIA GEHLEN RIOS
LAURA GEHLEN RIOS
WELLINGTON FRANCISCO RIOS
Réu (s):
Espólio de Wellington Gustavo Chibiaqui Valiati representado (a) por LORENZO CARRENHO VALIATI
Vistos.
Trata-se de ação de cobrança proposta por CLEOMAR FRANCISCO RIOS sucedido por DIRCE GEHLEN RIOS, LAURA GEHLEN RIOS, JULIA GEHLEN RIOS e WELLINGTON FRANCISCO RIOS em face de WELLINGTON GUSTAVO CHIBIAQUE VALIATI sucedido por Espólio de Wellington
Gustavo Chibiaqui Valiati representado por LORENZO CARRENHO VALIATI , ambos qualificados, na qual relatou o autor, em apertada síntese, ser credor do réu no valor de R$ 14.019.951,66 (quatorze milhões, dezenove mil, novecentos e cinquenta e um reais e sessenta e seis centavos), representados por 07 (sete) títulos de créditos emitidos no Paraguai - denominados "pagaré a la ordem" . Alegou que o pagamento da dívida deveria ter ocorrido em 03 de novembro de 2016, contudo, após o vencimento dos títulos, o réu fixou domicílio em território brasileiro a fim de se esquivar do adimplemento. Aduziu que o réu efetuou diversos atos de dilapidação do seu patrimônio no país vizinho, restando evidente que não detém interesse em adimplir com sua obrigação. Asseverou que o réu possui bens imóveis nesta comarca, e somente esta jurisdição poderia efetuar os atos expropriatórios a fim de garantir o pagamento da dívida. Pugnou liminarmente pela averbação premonitória da existência da presente demanda às margens das matrículas dos imóveis matriculados sob os números 63.743, 63.744, 69.149, 73.985 e 77.412, todas do 1º Cartório Registro de Imóveis da comarca de Foz do Iguaçu/PR. Ao final, requereu a condenação do réu ao pagamento da importância de R$ 14.019.951,66 (quatorze milhões, dezenove mil, novecentos e cinquenta e um reais e sessenta e seis centavos), relativa à dívida vencida, já convertida em
PROJUDI - Processo: XXXXX-97.2018.8.16.0030 - Ref. mov. 315.1 - Assinado digitalmente por Parana Tribunal de Justiça:77821841000194 (Marco s Antonio de Souza Lima)
07/12/2023: JULGADA PROCEDENTE A AÇÃO. Arq: Sentença
moeda corrente nacional conforme cotação da data do vencimento, acrescida de atualização monetária, juros penais e juros de mora até a data do ajuizamento. Juntou documentos.
O juízo recebeu a inicial e indeferiu a liminar no evento 17.
No evento 23 pleiteou o autor a reconsideração da liminar, alegando que há risco de o réu dilapidar seu patrimônio, razão pela qual requereu a anotação da existência da ação nas matrículas de números 63.743, 63.744, 69.149, 73.985 e 77.412, todas do 1º Cartório Registro de Imóveis da comarca de Foz do Iguaçu/PR.
O juízo concedeu a liminar no evento 25 determinando o registro da ação às margens das matrículas dos imóveis requeridos.
No evento 35 o autor juntou aos autos as matrículas dos imóveis com o cumprimento da liminar.
O réu foi citado no evento 45.
No evento 49 RIAD ARMANDO ASSAF manifestou-se nos autos na condição de terceiro prejudicado alegando que as matrículas nº 69.149, 77.412, 63.743, 63744 e 73.985 averbadas em sede de liminar são de sua propriedade, as quais foram adquiridas do réu em 26/04/2018. Afirmou se tratar de terceiro de boa-fé, tendo adquirido de forma lícita os imóveis, pleiteando o levantamento das averbações.
Intimado, o autor deixou de se manifestar quanto alegado pelo terceiro afirmando a inadequação da via eleita.
A audiência de conciliação pautada restou infrutífera conforme termo acostado no evento 51.
O réu apresentou contestação no evento 61, alegando, em sede de preliminar, a incompetência da jurisdição brasileira apontando como competente o foro de Alto Paraná/PY por ser este o foro eleito pelas partes. No mérito, rebateu pela ausência de executividade do título estrangeiro em razão da ausência de requisitos do título, sustentou a realização do pagamento parcial da dívida em virtude da dação em pagamento de um imóvel no valor de U$450.000,00. E, ainda, asseverou a necessidade da existência de uma sentença estrangeira homologada para a cobrança da alegada dívida, a qual relatou dizer respeito a maquinários agrícolas cujos documentos não foram entregues ao réu. Bateu-se pela extinção ou improcedência.
O autor impugnou a contestação no evento 65 rebatendo as alegações do réu, em especial afirmando que o imóvel mencionado pelo réu foi comprado e não recebido em dação, não tendo o contrato acostado pelo réu qualquer relação com a dívida objeto da lide. Rebateu pela competência da jurisdição brasileira em razão do réu ser domiciliado e possuir bens passíveis de expropriação no Brasil, bem como pela inexistência de pagamento parcial da dívida e da desnecessidade de homologação de sentença estrangeira.
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O processo foi extinto em razão do reconhecimento que não competia à jurisdição brasileira conhecer da causa no evento 67.
No evento 71 foi juntado a sentença proferida nos Embargos de Terceiro - Autos nº. XXXXX-19.2018.8.16.0030, a qual determinou o cancelamento da averbação concedida por ocasião da antecipação de tutela.
A parte autora apresentou embargos de declaração no evento 77.1, sendo rejeito pelo juízo no evento 82.1.
A parte autora apresentou recurso de apelação (evento 86), o qual foi provido, determinando o prosseguimento do feito.
Instados a especificar provas, o réu requereu a produção de prova oral (evento 100), enquanto o autor requereu o julgamento antecipado da lide (evento 101).
O feito foi saneado no evento 103, momento em que as preliminares arguidas foram rejeitadas e os pontos controvertidos fixados. Ainda em sede de decisão saneadora determinou-se a juntada da legislação paraguaia, a qual foi acostada no evento 109 pela parte ré.
No evento 116 informou-se o falecimento do autor, procedendo-se à habilitação de seus herdeiros.
No evento 149 informou-se o falecimento do réu, sendo determinada a suspensão do feito para regularização do polo passivo (evento 157).
A parte autora requereu a habilitação dos herdeiros do réu falecido, sendo deferida a substituição processual e determinada a citação dos herdeiros (evento 188).
A ré Fernanda Valiati foi citada no evento 261.
No evento 272 o Espólio de Wellington Gustavo Chibiaqui Valiati compareceu aos autos, requerendo a regularização do polo passivo e inclusão do espólio.
O Juízo determinou a regularização do polo passivo, com a sucessão processual (evento 274), e determinou a intimação do autor para manifestação.
A parte autora se manifestou no evento 286, postulando pelo julgamento antecipado do feito.
No evento 295 o réu regularizou a representação processual, juntando procuração.
O juízo anunciou o julgamento antecipado, considerando que a norma estrangeira veda a prova por testemunhas em contratos de grande valor, motivo pelo qual indeferiu a produção das provas requeridas pela ré (evento 304).
Instadas, as partes quedaram-se inertes.
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Após, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
DECIDO.
Trata-se de ação de cobrança de valores originado de título de crédito estrangeiro, 07 pagarès , também em moeda estrangeira, totalizando U$3.418.886,58.
A incidência da jurisdição brasileira foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
Por ocasião da decisão de saneamento, tendo em vista a resistência do réu, foram fixados os pontos controvertidos (causa da emissão do título, falta de cumprimento de obrigação pelo autor, pagamento parcial da dívida), pontos estes que segundo a legislação brasileira seriam ônus do réu.
Todavia, diante da previsão expressa na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro de que a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro é regida pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produção , foi determinado ao réu que fizesse prova do texto e da vigência da lei estrangeira, isto em março de 2021 (evento 103).
O réu, todavia, não atendeu a determinação, haja vista que não trouxe aos autos o teor da lei paraguaia que trata da produção da prova oral, tampouco como pode ser provado o pagamento, e a legislação que juntou não veio acompanhada de prova de vigência admitida (evento 103), razão pela qual foi anunciado o julgamento antecipado.
Na forma do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, o juiz julgará antecipadamente o mérito quando não houver necessidade de produção de outras provas.
Pois bem, o autor fez prova de ser credor da parte ré dos valores mencionados na petição inicial, como é possível verificar dos documentos que acompanham a petição inicial, devidamente traduzidos e apostilados (evento 1.4 a 1.10).
Os Pagarès são numerados (de 01/07 a 07/07) e tem os valores em dólares americanos de U$230.727,00, U$132.532,00, U$350.230,13, U$327.144,74, U$668.830,42, U$288.722,83 e U$1.420.699,46.
Além disso, consta dos referidos documentos estrangeiros que a assinatura (firma) em todos os pagarès foi lançada na presença do notário pelo emitente Wellington G. Chibiaque Valiati, com legalização e tradução juramentada.
Não há qualquer controvérsia quanto a constituição da dívida, uma vez que a contestação, ao contrário, alega pagamento.
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Neste ponto, o réu sustentou pagamento parcial consistente em uma dação em pagamento de um imóvel no valor de U$450.000,00 pela empresa EKOS INCORPORADORA S/A (que seria de propriedade do devedor) ao autor, trazendo como prova o respectivo contrato (evento 61.6).
São vários problemas com tal alegação. O primeiro deles é a evidente disparidade de sujeitos, visto que o réu e S.A são entidades distintas. O segundo problema é que o documento revela compra e venda, não dação em pagamento. O terceiro problema é que no documento consta expressamente que o valor acordado foi entregue no ato à vendedora.
No direito brasileiro, havendo início de prova escrita, é possível a complementação por testemunha, em conformidade com o disposto no artigo 444 do Código de Processo Civil: nos casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação, é admissível a prova testemunhal quando houver começo de prova escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova .
Questionável se o documento trazido no evento 61.6 poderia ser considerado início de prova, porém, mesmo que fosse, cumpria ao réu fazer prova da existência de dispositivo similar na legislação paraguaia.
Porque o autor fez prova de que no Paraguai vigora lei que exige prova escrita da obrigação no caso em análise, o artigo 706 do Código Civil paraguaio, que assim dispõe (evento 1.11):
"Os contratos que tenha por objeto uma quantidade de mais de dez diárias mínimas estabelecidas para a capital devem se fazer por escrito e não podem ser provados por testemunhas".
Na medida em que não há nenhum elemento concreto indicando que a dívida esteja relacionada com aquisição de maquinários agrícolas, e que o valor de vulto da negociação é superior aquele em que incide vedação de prova
testemunhal, a procedência do pedido inicial é medida que se impõe.
No que se refere ao valor devido, o autor trouxe na petição inicial o valor da dívida e a sua conversão para a moeda corrente nacional na data do vencimento, totalizando R$11.044.371,21 (onze milhões e quarenta e quatro mil, trezentos e setenta e um reais e vinte e um centavos) para 03/11/2016.
Comprovou o autor que a legislação paraguaia, tal qual a brasileira, prevê a incidência de juros de mora, a qual foi contratada em 1% ao mês (artigo 475 do Código Civil Paraguaio).
Também provou que a legislação paraguaia autoriza a incidência de cláusula penal (artigo 454 do Código Civil Paraguaio), a qual foi contratada em 1% ao mês (chamada de juro punitivo como se vê na tradução juramentada do pagarè ).
Deste modo, há que se acolher o cálculo do autor para a data da propositura da ação (evento 1.12), de mais a mais, não impugnado.
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DISPOSITIVO
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para o fim de condenar a parte ré no pagamento de R$14.019.951,66 (quatorze milhões e dezenove mil, novecentos e cinquenta e um reais e sessenta e seis centavos), corrigidos monetariamente pela média dos índices INPC/IBGE e IGP-DI e acrescidos de juros de 1% ao mês, ambos contados da data da propositura da ação.
CONDENO a parte ré no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios devidos ao advogado da parte adversa. Tendo em vista a peculiaridade da causa (incidência de direito estrangeiro), a qualidade do trabalho prestado, o longo tempo de tramitação do processo, arbitro os honorários advocatícios em 15% do valor da condenação, na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Foz do Iguaçu, 07 de dezembro de 2023.
Marcos Antonio de Souza Lima
Juiz de Direito