Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    ARTIGOS DO PROF. LFG: Deputado Tatico: ricos, poderosos e os privilégios da prescrição, da morosidade e da impunidade

    há 13 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES*

    Quando o deputado Tatico foi condenado pelo STF, a sete anos de prisão, em setembro de 2010, houve um verdadeiro delírio midiático (primeiro deputado que vai para a cadeia etc.). O G1 sintetizou bem a euforia jornalística:

    Primeiro deputado a ir preso. Segundo a assessoria do STF, Tatico é o terceiro político a ser condenado à prisão pelo Supremo desde a Constituição de 1988, mas este é o primeiro caso em que um parlamentar terá de cumprir a sentença na cadeia. Nos outros dois casos, em um a pena foi convertida em multa e em outro, o crime já estava prescrito.

    Cadeia para parlamentar brasileiro? Exagero! No nosso país cadeia e poderosos são coisas antagônicas (ressalvadas umas poucas e raríssimas exceções). É impressionante como em certos momentos somos dominados pela euforia!

    O STF, até hoje, condenou apenas três pessoas afamadas (dessas que contam com foro privilegiado):

    (a) o primeiro caso de condenação de parlamentar pelo STF, em 13 de maio de 2010, foi o do deputado Zé Gerardo (PMDB-CE), por crime de responsabilidade ocorrido quando foi prefeito de Caucaia (CE), entre 1997 e 2000. Ele foi condenado a dois anos e dois meses de prisão em regime aberto, mas a pena foi convertida no pagamento de 50 salários mínimos e prestação de serviços à comunidade;

    (b) uma semana depois, o STF condenou a seis meses de prisão o deputado federal Cássio Taniguchi (DEM-PR) por mau uso de dinheiro público quando ocupava a prefeitura de Curitiba no Paraná, entre 1997 e 2000. Apesar do julgamento do STF, o crime já havia prescrito, razão pela qual o deputado não teve de cumprir pena;

    (c) o terceiro caso de condenação é do Deputado Tatico. Vejamos uma síntese da sua situação:

    1- AP 516 (Inq 2049) denúncia recebida em 19 de fevereiro de 2009 -fatos ocorridos de janeiro de 1995 até agosto de 2002. Crimes de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, parágrafo 1º, I, do CP) e sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, III, do CP). O deputado foi condenado em 27 de setembro de 2010 e pediu a extinção da punibilidade em 01.10.2010. No andamento processual consta que, em 17 de novembro de 2010, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento do pedido formulado às fls. 2190/2192 (cremos que seja sobre a extinção da punibilidade). Em 17.12.2010 foram opostos embargos de declaração pelo deputado.

    Posição atual: conclusos ao relator desde 08 de fevereiro de 2011. Se não for extinta a punibilidade pela prescrição, basta que o parlamentar pague todos os impostos e contribuições. Nos crimes tributários e previdenciários o pagamento extingue tudo (extingue a punibilidade total). Depois de esgotar todos os recursos e não se alcançar a prescrição, basta pagar e está tudo certo.

    2- AP 489 (Inq 2030) denúncia recebida em 13 de setembro de 2007 fatos narrados na denúncia ocorreram entre jan. de 1993 e set. de 1999. Crimes de sonegação fiscal (art. , I e II, da Lei 8137/90) e falsidade ideológica (art. 299, do CP quando do recebimento da denúncia já foi declarada a extinção da punibilidade quanto a falsidade ideológica). Motivo: prescrição.

    Foi nesta AP (n. 489) que, em 04 de fev. de 2011, o Min. Gilmar Mendes declarou extinta a punibilidade (conduta prevista no art. da Lei 8.137/90). Motivo: prescrição.

    Contra o mesmo deputado havia ainda a AP 392 movida por crimes contra a ordem tributária. Essa ação foi extinta em nov. de 2006 por prescrição da punibilidade.

    Os casos que acabam de ser citados bem ilustram o filtro da prescrição (no nosso país), que integra a categoria mais ampla dos filtros da impunidade de Pilgram .

    O Brasil é campeão mundial em prescrições. Somando-se a morosidade da Justiça com a multiplicidade de prescrições (prescrição pela pena máxima em abstrato, prescrição retroativa, prescrição intercorrente, prescrição da pretensão executória, prescrição antecipada ou em perspectiva), claro que o resultado só pode ser impunidade.

    Na atualidade, nenhuma pena concreta até dois anos se efetiva, desde que a Defesa se valha de todos os recursos cabíveis: apelação, embargos, recurso especial, recurso extraordinário etc. Nossos Tribunais (somando os de segunda instância com os superiores) não julgam nenhum caso em menos de quatro anos, que é o prazo prescricional da pena até dois anos.

    Diante dessa conjuntura, podemos inferir que a ausência de estrutura humana somada com: (1) a má gestão dos recursos humanos nos tribunais; (2) ausência de capacitação de servidores; e (3) falta de recursos informáticos que permitam o processo eletrônico contribuem para uma resolução cada vez mais lenta das ações criminais. A morosidade gera a prescrição e esta a impunidade. É assim que (não) funciona a Justiça criminal brasileira (em termos de eficiência).

    *LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15363
    • Seguidores876049
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações239
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/artigos-do-prof-lfg-deputado-tatico-ricos-poderosos-e-os-privilegios-da-prescricao-da-morosidade-e-da-impunidade/2591053

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)