ARTIGOS DO PROF. LFG: Deputado Tatico: ricos, poderosos e os privilégios da prescrição, da morosidade e da impunidade
LUIZ FLÁVIO GOMES*
Quando o deputado Tatico foi condenado pelo STF, a sete anos de prisão, em setembro de 2010, houve um verdadeiro delírio midiático (primeiro deputado que vai para a cadeia etc.). O G1 sintetizou bem a euforia jornalística:
Primeiro deputado a ir preso. Segundo a assessoria do STF, Tatico é o terceiro político a ser condenado à prisão pelo Supremo desde a Constituição de 1988, mas este é o primeiro caso em que um parlamentar terá de cumprir a sentença na cadeia. Nos outros dois casos, em um a pena foi convertida em multa e em outro, o crime já estava prescrito.
Cadeia para parlamentar brasileiro? Exagero! No nosso país cadeia e poderosos são coisas antagônicas (ressalvadas umas poucas e raríssimas exceções). É impressionante como em certos momentos somos dominados pela euforia!
O STF, até hoje, condenou apenas três pessoas afamadas (dessas que contam com foro privilegiado):
(a) o primeiro caso de condenação de parlamentar pelo STF, em 13 de maio de 2010, foi o do deputado Zé Gerardo (PMDB-CE), por crime de responsabilidade ocorrido quando foi prefeito de Caucaia (CE), entre 1997 e 2000. Ele foi condenado a dois anos e dois meses de prisão em regime aberto, mas a pena foi convertida no pagamento de 50 salários mínimos e prestação de serviços à comunidade;
(b) uma semana depois, o STF condenou a seis meses de prisão o deputado federal Cássio Taniguchi (DEM-PR) por mau uso de dinheiro público quando ocupava a prefeitura de Curitiba no Paraná, entre 1997 e 2000. Apesar do julgamento do STF, o crime já havia prescrito, razão pela qual o deputado não teve de cumprir pena;
(c) o terceiro caso de condenação é do Deputado Tatico. Vejamos uma síntese da sua situação:
1- AP 516 (Inq 2049) denúncia recebida em 19 de fevereiro de 2009 -fatos ocorridos de janeiro de 1995 até agosto de 2002. Crimes de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A, parágrafo 1º, I, do CP) e sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, III, do CP). O deputado foi condenado em 27 de setembro de 2010 e pediu a extinção da punibilidade em 01.10.2010. No andamento processual consta que, em 17 de novembro de 2010, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento do pedido formulado às fls. 2190/2192 (cremos que seja sobre a extinção da punibilidade). Em 17.12.2010 foram opostos embargos de declaração pelo deputado.
Posição atual: conclusos ao relator desde 08 de fevereiro de 2011. Se não for extinta a punibilidade pela prescrição, basta que o parlamentar pague todos os impostos e contribuições. Nos crimes tributários e previdenciários o pagamento extingue tudo (extingue a punibilidade total). Depois de esgotar todos os recursos e não se alcançar a prescrição, basta pagar e está tudo certo.
2- AP 489 (Inq 2030) denúncia recebida em 13 de setembro de 2007 fatos narrados na denúncia ocorreram entre jan. de 1993 e set. de 1999. Crimes de sonegação fiscal (art. 1º, I e II, da Lei 8137/90) e falsidade ideológica (art. 299, do CP quando do recebimento da denúncia já foi declarada a extinção da punibilidade quanto a falsidade ideológica). Motivo: prescrição.
Foi nesta AP (n. 489) que, em 04 de fev. de 2011, o Min. Gilmar Mendes declarou extinta a punibilidade (conduta prevista no art. 1º da Lei 8.137/90). Motivo: prescrição.
Contra o mesmo deputado havia ainda a AP 392 movida por crimes contra a ordem tributária. Essa ação foi extinta em nov. de 2006 por prescrição da punibilidade.
Os casos que acabam de ser citados bem ilustram o filtro da prescrição (no nosso país), que integra a categoria mais ampla dos filtros da impunidade de Pilgram .
O Brasil é campeão mundial em prescrições. Somando-se a morosidade da Justiça com a multiplicidade de prescrições (prescrição pela pena máxima em abstrato, prescrição retroativa, prescrição intercorrente, prescrição da pretensão executória, prescrição antecipada ou em perspectiva), claro que o resultado só pode ser impunidade.
Na atualidade, nenhuma pena concreta até dois anos se efetiva, desde que a Defesa se valha de todos os recursos cabíveis: apelação, embargos, recurso especial, recurso extraordinário etc. Nossos Tribunais (somando os de segunda instância com os superiores) não julgam nenhum caso em menos de quatro anos, que é o prazo prescricional da pena até dois anos.
Diante dessa conjuntura, podemos inferir que a ausência de estrutura humana somada com: (1) a má gestão dos recursos humanos nos tribunais; (2) ausência de capacitação de servidores; e (3) falta de recursos informáticos que permitam o processo eletrônico contribuem para uma resolução cada vez mais lenta das ações criminais. A morosidade gera a prescrição e esta a impunidade. É assim que (não) funciona a Justiça criminal brasileira (em termos de eficiência).
*LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.
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