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29 de Abril de 2024

Crimes ambientais são insignificantes?

Publicado por Roberto F. de Macedo
há 10 anos

Turma aplica princípio da insignificância em crime ambiental

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, por maioria de votos, Habeas Corpus (HC 112563) e absolveu um pescador de Santa Catarina que havia sido condenado por crime contra o meio ambiente (contra a fauna) por pescar durante o período de defeso, utilizando-se de rede de pesca fora das especificações do Ibama. Ele foi flagrado com 12 camarões. É a primeira vez que a Turma aplica o princípio da insignificância (ou bagatela) em crime ambiental. O pescador, que é assistido pela Defensoria Pública da União (DPU), havia sido condenado a um ano e dois meses de detenção com base no artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.605/98 (que dispõe sobre as sanções penais e administrativas impostas em caso de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente).

O relator do HC, ministro Ricardo Lewandowski, que negou a concessão do habeas corpus, ficou vencido após a divergência aberta pelo ministro Cezar Peluso e seguida pelo ministro Gilmar Mendes. Para o ministro Lewandowski, embora o valor do bem (12 camarões) seja insignificante, o objetivo da Lei 9.605/98 é a proteção ao meio ambiente e a preservação das espécies. O relator acrescentou que não foi a primeira vez que o pescador agiu assim, embora não tenha sido enquadrado formalmente como reincidente no processo. “Esse dispositivo visa preservar a desova dos peixes e crustáceos, na época em que eles se reproduzem. Então se permite apenas certo tipo de instrumento para pesca, e não aquele que foi utilizado – uma rede de malha finíssima”, afirmou.

O ministro Peluso divergiu do relator, aplicando o princípio da insignificância ao caso. Foi seguido pelo ministro Gilmar Mendes, que fez rápidas considerações sobre o princípio da insignificância. “Precisamos desenvolver uma doutrina a propósito do princípio da insignificância, mas aqui parece evidente a desproporcionalidade. Esta pode ter sido talvez uma situação de típico crime famélico. É uma questão que desafia a Justiça Federal e também o Ministério Público. É preciso encontrar outros meios de reprimir condutas como a dos autos, em que não parece razoável que se imponha esse tipo de sanção penal”, concluiu.

O delito

A lei estabelece que comete crime contra a fauna aquele que “pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente” e também quem “pesca quantidades superiores às permitidas ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos”. O pescador foi flagrado com 12 camarões e uma rede de pesca fora das especificações da Portaria 84/02 do Ibama. Foi condenado a um ano e dois meses de detenção. A Defensoria Pública apelou da sentença, pedindo ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que aplicasse ao caso o princípio da insignificância (ou bagatela) por considerar que a pesca de uma dúzia de camarões, mesmo com rede inapropriada, era insuficiente para causar dano ao meio ambiente.

A 8ª Turma do TRF-4 reduziu a pena privativa de liberdade imposta e determinou a substituição por uma pena restritiva de direitos. Afirmou, entretanto, que as infrações penais ambientais não admitiam a aplicação do princípio da insignificância. A Defensoria recorreu então ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reafirmou a tese de que não se pode afastar a tipicidade de condutas em caso de crime ambiental. No HC ao Supremo, a Defensoria Pública reafirmou a tese favorável à aplicação do princípio da insignificância em crime ambiental. Alegou que foi mínima a ofensividade da conduta do pescador e reduzido o grau de reprovabilidade de seu comportamento.

“Considerando a atividade de pesca em período de defeso e a apreensão de uma única rede fora (parcialmente) dos padrões do Ibama, a reprovabilidade da conduta é tão pequena que punir o agente pescador de 12 camarões demonstra o exagero da atuação do Estado. Doze camarões não são suficientes para atingir o bem juridicamente tutelado. Isso porque é despropositada a afirmação de que a retirada de uma dúzia de camarões é suficiente para desestabilizar o ecossistema da região”, afirmou o defensor público no Habeas Corpus impetrado no STF.

No Brasil, o período de defeso é o período em que as atividades de caça, coleta e pesca esportivas e comerciais ficam vetadas ou controladas em diversos locais do território nacional. Este período é estabelecido pelo Ibama de acordo com o de tempo em que os crustáceos e os peixes se reproduzem na natureza. Visa a preservação das espécies e a fruição sustentável dos recursos naturais. Os pescadores artesanais recebem do governo proventos em dinheiro durante a época em que não podem obter renda da pesca por impedimento legal.

Crimes ambientais so insignificantes

Processos Relacionados HC 112563


Fonte:http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=215713

"Por ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado um bem coletivo por excelência, promovido a direito fundamental pela Constituição de 1988, a aplicação do princípio da insignificância deve ser realizada com máxima cautela, observando-se a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Elementos como as circunstâncias específicas do caso concreto e o fato de a conduta imputada ter sido suficiente ou não para abalar o equilíbrio ecológico devem ser mensurados não apenas da perspectiva econômica, mas pela dimensão ecológica do dano, ou seja, a repercussão no ecossistema, preferencialmente baseada em laudo técnico. Os princípios basilares do Direito Penal albergam a pretensão de se afastar a reprimenda criminal quando irrelevante o dano e ínfima a reprovabilidade social, ainda mais quando existem outras vias (administrativas e civis) para represar a conduta, mesmo que o bem jurídico tutelado seja o meio ambiente” (O autor).

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9 Comentários

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Senhores,
Quem, como eu, frequentou em garoto, aos domingos, a feira de Caxias (Município do Rio de Janeiro) levado por meu Pai à procura de pássaros engaiolados, não sabe o que é um "feira de horrores"...e não eram apenas aves silvestres que se negociava nesta feira: macacos,tatus, tamanduás-mirins , gatos maracajás,jibóias,entre outros. Muitos dopados,todos subnutridos e enjaulados em espaços minúsculos superlotados. A Lei de Crimes Ambientais veio para TENTAR resolver estes hábitos terríveis que nós, seres-humanos, desenvolvemos para com o outros seres com os quais dividimos a Terra. Um julgamento como esse abre uma corrente de interpretação onde o impacto ambiental produzido é valorado APENAS pela repercussão no ecossistema. Ignorou-se o aspecto didático e a formação de condutas que a Legislação deve condicionar. Veremos outros casos como este...ou não veremos face ao desânimo que os orgãos de fiscalização devem estar sentindo. continuar lendo

Concordo parcialmente. Como foi comentado no texto, a doutrina acerca do princípio da insignificância precisa ser trabalhada e adaptada à determinadas condutas como a do pescador. Por outro lado, é sabido que em pouco tempo este mesmo pescador vai voltar lá e pescar mais 12 camarões, no mínimo. Além do mais, isso promove a abertura de precedentes para que outros cometam estes "pequenos delitos" também, contando que terão o mesmo tratamento. O crime ambiental foi praticado sim, e embora de pouco ou nenhum prejuízo para o ecossistema, o que se deve buscar é a repressão da conduta e desencorajamento de práticas semelhantes. A fiscalização é deficiente por natureza, não é possível estar em todos os locais ao mesmo tempo, então que pelo menos na consciência do transgressor fique a sensação que ele pode ser pego a qualquer instante e sofrer consequências severas, e não o contrário, pensando ele que será absolvido caso seja pego. Neste último caso compensaria o risco, sendo mais interessante cometer o crime. Um caso ou outro não faz mal, agora imagina se essa for a mentalidade de uma localidade?! Ou, o que é pior ainda, de um país?

Com certeza é um desafio e a questão precisa ser debatida. Talvez serviços comunitários para o pescador fosse uma boa solução, de modo a desestimulá-lo a reincidir. continuar lendo

Concordo com o Cezar Tosta, e acrescento que as grandes mazelas cometidas em nosso país, se bem analisadas, tem suas origens firmadas no tão conhecido, tudo termina em pizzas. continuar lendo

Concordo com os Ministros do STF, bem como, com o Defensor, referente a aplicação do princípio da insignificância ao caso. continuar lendo

Concordo com o STF. Pior do que isso, e é tudo abafado, são os crimes bárbaros que ocorrem no Amazonas. continuar lendo

Não importa se é pequeno ou grande o crime. Todos devem ser punidos proporcionalmente ao que fez. Se a justiça tem conhecimento, então deve fazer algo. continuar lendo

Mas não é qualquer ilegalidade que pode e deve ser punida e no caso supra estava sendo totalmente desproporcional. Tem muitas outras coisas que ficam por isso mesmo, só porque aquele que cometeu o delito tem dinheiro para manter uma morosidade típica de um trâmite processual. continuar lendo

Se me permite também, Getúlio, em resposta ao prezado Jefferson Rodrigues, eventual punição seria cabível.
Mas o que se indaga é: teria que ser na esfera penal?
Ante a insignificância, não há falar em sanção penal.
Em seu lugar, poderia sofrer algum tipo de responsabilização em outras searas do direito, administrativas, cíveis, por exemplo.
Mas o Direito Penal, por ser a ultima ratio, deve ocupar-se com outras condutas, estas sim, penalmente relevantes.
É minha modesta observação. continuar lendo

Também concordo. É que a maioria das pessoas colocam na cabeça que punição é só no âmbito penal, o que não é verdade. Acumular o judiciário por causa de um fato como este, realmente é complicado e desproporcional. continuar lendo