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3 de Maio de 2024

Cuidadora que assinou contrato para permitir internação do patrão não terá de pagar dívida com hospital

Publicado por Wander Fernandes
há 5 meses

Resumo da notícia

Ao acompanhar o patrão ao hospital, cuidadora assinou em nome próprio os documentos para a internação. Após a morte do paciente, o hospital ajuizou ação para cobrar as despesas tanto do espólio quanto da cuidadora. Juiz de piso, julgou a ação procedente em relação ao espólio do empregador e improcedente em relação à cuidadora. O TJ-SP, no entanto, reformou a sentença, sob o argumento de que os documentos apresentados comprovavam a contratação e não demonstravam a existência de vício de vontade. STJ, por sua vez, cassou o Acórdão, restabelecendo a sentença e reconhecer a invalidação dos efeitos do negócio em relação a empregada/cuidadora, os quais deverão ser redirecionados ao espólio.

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) isentou uma cuidadora da obrigação de pagar as despesas da internação de seu empregador, que faleceu no hospital. Embora ela tenha assinado os termos de responsabilidade e de assunção de dívida para que o patrão pudesse ser internado, o colegiado entendeu que houve vício de consentimento na contratação do serviço e que o hospital falhou em seu dever de informá-la sobre as obrigações que estava assumindo.

De acordo com o processo, ao acompanhar o patrão ao hospital, a cuidadora acabou assinando em nome próprio os documentos exigidos para viabilizar a internação. Após a morte do paciente, o hospital ajuizou ação para cobrar as despesas tanto do espólio quanto da cuidadora.

Em primeira instância, a ação foi julgada procedente em relação ao espólio do empregador e improcedente em relação à cuidadora. A sentença, contudo, foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o fundamento de que os documentos apresentados comprovavam a contratação e não demonstravam a existência de vício de vontade.

Cuidadora não teria assinado se soubesse das consequências - O ministro Moura Ribeiro, relator do caso no STJ, observou que, conforme previsto no artigo 138 do Código Civil, o artigo 138 do Código Civil, os negócios jurídicos são anuláveis quando as declarações de vontade decorrem de erro substancial que poderia ser percebido por qualquer pessoa de percepção normal, consideradas as circunstâncias do negócio.

Dessa forma, segundo o relator, para que um negócio seja considerado válido, deve ser avaliada a real intenção da pessoa, ou seja, se houve a manifestação livre e consciente de seu consentimento quanto aos aspectos essenciais do negócio, em respeito à boa-fé objetiva e ao princípio da confiança.

"É incontroverso que a cuidadora assinou a documentação hospitalar, mas não como contratante. Sua vontade era apenas cumprir as funções de acompanhante do empregador, que se encontrava em grave estado de saúde, de forma a viabilizar sua internação e os atendimentos médicos. Não tinha ela a ciência de que assumiria os custos pela contratação. Agiu, portanto, em erro, pois é claro que, se soubesse das consequências oriundas da documentação exigida pelo hospital, certamente esse negócio não teria ocorrido", afirmou.

Empregada apenas transmitiu a vontade do empregador - O ministro destacou que a cuidadora acabou assinando a documentação em seu próprio nome, mas sua real intenção era transmitir a vontade de seu empregador – o verdadeiro beneficiário da contratação com o hospital.

Para Moura Ribeiro, é cabível a aplicação da teoria da substituição, segundo a qual o empregado, no exercício de suas funções, sucede o empregador e atua como extensão de sua manifestação de vontade.

"Não faz sentido nenhum uma empregada assumir encargos financeiros em decorrência de serviços prestados em favor de seu empregador. Ela não se beneficiou dos serviços hospitalares, não buscou a contratação para si, mas na qualidade de substituta do empregador, o verdadeiro contratante e beneficiário dos serviços prestados pelo hospital", disse o relator.

Hospital tinha o dever de dar informação de forma clara e adequada - O ministro ressaltou ainda não ter sido comprovado que o hospital tenha cumprido seu dever de prestar informações à cuidadora quanto às consequências jurídicas de assinar aqueles documentos.

Moura Ribeiro explicou que é ônus do fornecedor a demonstração de ter promovido adequada e clara informação sobre seus produtos e serviços, bem como acerca dos riscos envolvidos, sob pena de lhe ser atribuída a responsabilidade pela inexatidão no exercício da autonomia da vontade por parte de seus consumidores.

"O hospital faltou claramente com seu dever de informação qualificada, especialmente considerando que a cuidadora era uma terceira pessoa, sem nenhuma relação de parentesco com o paciente, e, mais, ali estava como mera empregada, sem nenhum interesse pessoal na referida contratação, salvo a humanidade inerente a qualquer pessoa", concluiu.

O julgado restou assim ementado:

CIVIL. CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COBRANÇA DE DESPESAS HOSPITALARES. TERMO DE RESPONSABILIDADE E ASSUNÇÃO DE DÍVIDAS. CONTRATAÇÃO ASSINADA, PESSOALMENTE, POR EMPREGADA/CUIDADORA EM FAVOR DO PACIENTE/EMPREGADOR, POR OCASIÃO DO ACOMPANHAMENTO NA SUA INTERNAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AFASTADA. REVALORAÇÃO DA PROVA. CABIMENTO. RECONHECIMENTO DO VÍCIO DE CONSENTIMENTO. ERRO SUBSTANCIAL INVALIDANTE. MANIFESTAÇÃO INEXATA DE VONTADE. EMPREGADA ATUANDO EM FAVOR DO EMPREGADOR/CONTRATANTE. TEORIA DA SUBSTITUIÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO POR PARTE DO HOSPITAL. INDUÇÃO DA EMPREGADA/CUIDADORA A ERRO. POSSIBILIDADE DE INVALIDAÇÃO DOS EFEITOS DO NEGÓCIO EM MATÉRIA DE DEFESA. CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia ao reconhecimento de vício do consentimento em virtude do termo de responsabilidade e assunção de dívida assinado por empregada/cuidadora em favor de seu empregador/atendido, por ocasião da internação hospitalar deste. 2. Negativa de prestação jurisdicional afastada. Não se verificou nenhuma omissão, contradição ou erro material no julgado que, estando devidamente fundamentamentado, apenas apresentou solução diversa da pretensão da cuidadora. Precedentes. 3. A questão comporta revaloração da prova, para se atribuir devida qualificação jurídica a fato incontroverso reconhecido pelas instâncias ordinárias, o que não esbarra no óbice da Súmula 7 do STJ. Nesse sentido: REsp n. 1.969.648/DF, de minha relatoria, Terceira Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 21/10/2022. 4. O art. 112 do Código Civil dispõe que nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciadas do que ao sentido literal da linguagem. 5. Há erro invalidante na exteriorização da vontade vinda de terceiro encarregado a transmitir a do titular, mas que, por desconformidade entre o que se manifestou e o que efetivamente deveria ter sido manifestado, a declaração não corresponder a exata expressão do consentimento pretendido. 6. Pela teoria da substituição, o empregado ou preposto, no exercício de suas funções, sucede o empregador atuando como sua longa manus, ou seja, sua conduta representa o prolongamento da manifestação da vontade daquele. 7. Ademais, nos termos do art. 142, do Código Civil, há vício de consentimento por erro acidental quanto a pessoa, quando a declaração da vontade manifestar equívoco quanto à indicação da pessoa ou coisa, mas é possível fazer a correta identificação de uma ou de outra, considerando-se o contexto e as circunstâncias do negócio jurídico. 8. Na hipótese, a cuidadora assinou a documentação hospitalar para viabilizar a internação de seu empregador/atendido. A intenção era perfectibilizar a contratação do paciente com o HOSPITAL e não contratar pessoalmente os serviços médico-hospitalares em favor daquele. 9. Por outro lado, é ônus do fornecedor a demonstração de ter promovido a adequada e clara informação sobre seus produtos e serviços, bem como acerca dos riscos dali decorrentes, sob pena de lhe ser atribuída a responsabilidade pela inexatidão no exercício da autonomia da vontade por parte de seus usuários/consumidores (art. 6º, III, do CDC). 10. Inadimplente em seu dever de prestar a correta e adequada informação quanto aos aspectos substanciais da contratação indesejada, o HOSPITAL acabou induzindo a erro a empregada/cuidadora que assinou documentação sem plena consciência de suas consequências jurídicas. 11. Não há eficácia em relação jurídica assinada sem conhecimento dos efeitos dela decorrentes. 12. A anulação do negócio jurídico não depende de ajuizamento de ação desconstitutiva específica, podendo ser invocada como matéria de defesa. 13. O art. 177 do CC estabelece que a anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício. Contudo, disso não se pode concluir que a alegação só possa ser feita em procedimento próprio, sendo cabível sua invocação como matéria de defesa, tal como na hipótese. 14. Tratando-se de procedimento de cognição exauriente, com plenitude de contraditório e ampla defesa, perfeitamente cabível a alegação de vício de consentimento, em sede de contestação, como forma de desconstituir o direito invocado na exordial. 15. Acórdão cassado para se restabelecer a sentença e reconhecer a invalidação dos efeitos do negócio em relação a empregada/cuidadora, os quais deverão ser redirecionados ao ESPÓLIO, responsável pela contratação (art. 142, do CC), em prestígio ao princípio da preservação do contrato. 16. Recurso especial provido.
(STJ, REsp n. 1.908.549/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 19/10/2023).

Fonte: Setor de Comunicação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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