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16 de Junho de 2024

DATA VENIA: Prescrição. Interrupção pela publicação da sentença

há 14 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Prescrição. Interrupção pela publicação da sentença . Disponível em http://www.lfg.com.br - 11 de novembro de 2010.

Em recente julgado o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se acerca da interrupção do prazo prescricional de um crime de estelionato. Antes de analisarmos os aspectos peculiares da decisão, faremos algumas observações preliminares.

A prescrição, como se sabe, é a perda do direito de punir do Estado (do ius puniendi concreto ou da pretensão executória) em virtude de sua inércia e do transcurso do tempo. Sendo assim, é possível falar-se em prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. A primeira tem três espécies que são: a) a prescrição pela pena máxima em abstrato, b) a prescrição intercorrente ou superveniente e c) a prescrição retroativa. Há uma quarta possibilidade, extremamente discutida, que é a prescrição virtual ou em perspectiva ou antecipada.

A prescrição em abstrato é aquela que se verifica antes de transitar em julgado a sentença final, nos limites que o artigo 109 impõe. A prescrição intercorrente ou superveniente, por sua vez, pode ocorrer depois da data em que a sentença transitou em julgado para a acusação e, neste caso, utiliza-se a pena aplicada e não de maneira abstrata.

Interessa-nos, no momento, a compreensão da prescrição da pretensão punitiva retroativa, e para tanto, é preciso ter em mente uma linha do tempo. Sabendo-se que o artigo 117 prevê que o curso da prescrição interrompe-se em determinadas ocasiões é possível traçar um esquema no qual temos prazos determinados entre os quais não poderá haver demora do Estado. No caso da prescrição retroativa é necessário que, tomando-se a pena aplicada e tendo a sentença transitada em julgado para a acusação, faça-se uma aferição dentro daqueles prazos determinados na linha do tempo para trás. Ou seja, volta-se até a data do fato e verifica-se se entre esta data e o recebimento da denúncia (a primeira causa de interrupção da prescrição) houve transcurso de tempo maior que o previsto para que o Estado pudesse agir e assim por diante. Em caso positivo, declara-se extinta a punibilidade, pois, de acordo com a pena aplicada em sentença penal condenatória o crime está prescrito.

De acordo com o artigo 117 do Código Penal, o curso da prescrição interrompe-se pelo recebimento da denúncia ou da queixa, pela pronúncia, pela decisão confirmatória da pronúncia, pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis , pelo início ou continuação do cumprimento da pena e pela reincidência.

Ao julgar o REsp 1.154.383-MG o relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho fixou entendimento de que a interrupção do prazo prescricional ocorre na data do registro da sentença condenatória em cartório, e não na data de sua publicação. Veja-se o que se fixou em informativo de jurisprudência (de nº 448):

ESTELIONATO. CONTINUIDADE DELITIVA. PRESCRIÇAO.

Trata-se de REsp contra o acórdão que manteve a pena-base do paciente em três anos de reclusão, pelo crime de estelionato em continuidade delitiva (art. 171, caput, c/c o art. 71, ambos do CP). Alega-se, em síntese, violação dos arts. 45, 1º, 59, 107, IV, e 109, IV, todos do mesmo codex. Pretende-se o reconhecimento da prescrição punitiva estatal, pois ultrapassados oito anos desde a data do recebimento da denúncia e a do trânsito em julgado para o MP, bem como a revisão da dosimetria da pena, ao argumento de que o recorrente, embora seja primário e de bons antecedentes, teve sua pena fixada muito acima do mínimo legal. Diante disso, a Turma conheceu parcialmente do recurso, mas lhe negou provimento pelos fundamentos, entre outros, de que a interrupção do prazo prescricional ocorre na data do registro da sentença condenatória em cartório, e não na data de sua publicação ou do trânsito em julgado para o MP . Dessa forma, considerando que os fatos remontam a 1991, a denúncia foi recebida em 23/11/1995 e a sentença publicada em cartório em 18/11/2003, não se ultrapassou o lapso de oito anos previsto em lei (art. 109, IV, do CP). Observou-se que o fato de o recorrente ser primário não conduz, invariavelmente, à fixação da pena-base no mínimo ou muito próxima do mínimo legal, como alega, se as demais circunstâncias judiciais foram consideradas desfavoráveis, como no caso, em que o grau de culpabilidade, as circunstâncias e consequências do delito justificam, por si só, a reprimenda fixada. O que não se admite, conforme entendimento reiterado tanto no STJ quanto no STF, é que a pena-base seja fixada acima do mínimo legal sem a devida fundamentação, o que não ocorreu na hipótese. Ressalte-se que o recorrente, pertencente a uma comunidade evangélica, junto com os demais corréus, teria criado cooperativa habitacional de fachada, já que não comprovada qualquer autorização oficial para seu funcionamento, com o intuito de comercializar casas populares em âmbito nacional. Mas, depois de receber o dinheiro dos incautos, sob a alegação de impossibilidade de entregar as moradias prometidas, simulava a devolução das quantias, utilizando, no entanto, cheques sem provisão de fundos. Assim, o fato de o acusado valer-se de sua posição dentro da referida comunidade, a preparação meticulosa do ardil, o grande prejuízo causado e a quantidade de vítimas lesadas demonstram estar escorreita a sentença quando fixou a pena-base acima do mínimo legal. Precedentes citados do STF: HC 69.960-SP , DJ 6/8/1993; do STJ: HC 44.230-SP , DJ 3/4/2006; HC 81.669-SC, DJ 22/10/2007; RHC 21.743-SC, DJe 10/5/2010; HC 65.899-RS, DJ 5/2/2007, e HC 44.679-RS , DJe 6/10/2008. REsp 1.154.383-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 21/9/2010 . (Destacamos)

Veja-se, o fato ocorrido em 1991 teve interrompida a prescrição com o recebimento da denúncia em 23.11.1995, quando então houve reinício da contagem do prazo prescricional. A sentença foi publicada em cartório no dia 18.11.2003. Considerando-se que a pena aplicada ao fato foi de 3 anos de reclusão, a prescrição ocorreria em 8 (art. 109, IV, CP). Trata-se de um prazo penal, logo, o dia do começo inclui-se no seu cômputo (art. 10, CP); sendo assim, a prescrição retroativa do presente fato ocorreria em 22.11.2003, mas como a sentença foi publicada no dia 18.11.2003 houve nova interrupção do prazo.

O inciso IV do artigo 117 do Código Penal foi alterado pela Lei 11.596/07; antes da reforma, o curso da prescrição interrompia-se pela sentença condenatória recorrível. Hoje, no entanto, a redação é expressa em dispor pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis, entendendo-se como tal o ato do juiz que ao entregar a decisão em cartório transforma seu ato individual em ato processual disponível de conhecimento de todos. Esta vem sendo a orientação do STJ:

HABEAS CORPUS Nº 81.669 - SC (2007/0089059-5)

RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

EMENTA

HABEAS CORPUS . DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. ROUBO MAJORADO TENTADO. PRESCRIÇAO. INOCORRÊNCIA. EXECUÇAO PROVISÓRIA. INCABIMENTO.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme em que a interrupção do curso da prescrição se dá com a publicação da sentença condenatória em cartório, que em nada se confunde com a intimação das partes, pessoalmente ou por intermédio do órgão de imprensa oficial.

2. Fundando-se a prisão do paciente exclusivamente no fato do exaurimento da instância recursal ordinária e, não, na concreta necessidade da sua prisão cautelar, contrapõe-se à lei e à Constituição Federal, de rigor a concessão do habeas corpus para superação do constrangimento ilegal.

3. Ordem parcialmente concedida. (Destacamos)

Veja-se, assim, que a ressalva feita pelo respeitoso Ministro foi no sentido de explicitar dois comportamentos diferentes que o cartório tem depois de receber a sentença. O primeiro deles é o registro da sentença e somente depois se tem a publicação da decisão, que é o ato que a torna pública. Mas de acordo com o STJ, a interrupção da prescrição se dá com o mero registro, pois com ele tem-se a transformação do ato individual do juiz em ato processual, que é o que realmente importa para fins de prescrição, pois com ele já se tem a certeza da não inércia do Estado diante do fato delituoso.

É discutível, no entanto, o posicionamento adotado no acórdão. A lei fala em publicação, não em registro. Se os dois atos acontecerem no mesmo dia não há nenhum problema. Problema existe quando o registro é feito em dia ou dias anteriores à publicação. Pela via interpretativa não se pode prejudicar o réu.

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