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    Direito de apelar em liberdade: fim da história?

    há 15 anos

    Como citar este artigo: ALMEIDA, Patrícia Donati; GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em liberdade: fim da história? Disponível em http://www.lfg.com.br. 18 de março de 2009.

    É da tradição da cultura ocidental falar, depois de Hegel, em fim da História (com maiúscula). No dia 14 de outubro de 1806 foi declarado (por Hegel) o fim da História das idéias políticas, porque teriam elas chegado ao seu ponto máximo com a trilogia Liberté, Égalité, Fraternité . O filósofo Fukuyama (radicado nos EUA) também falou em fim da História com a queda do muro de Berlim (12.11.1989). Depois do colapso da (antiga) União Soviética não existe mais nenhuma outra alternativa global à democracia liberal e ao capitalismo. Dentre tantos fins de História (com maiúscula), vamos falar do fim de uma triste história (com minúscula) ocorrida no mundo jurídico brasileiro.

    Chegou mesmo ao fim a história do direito de apelar em liberdade? Sim. Está garantido, no âmbito criminal, o duplo grau de jurisdição no Brasil, tal como proclamado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, II, h).

    A história de exigir que o condenado (em primeiro grau) fosse preso para poder apelar em liberdade nasceu com alguns dispositivos fascistas do CPP de 1940, destacando-se, dentre eles, os seguintes: art. 393 , I (é efeito da sentença condenatória a prisão do condenado) e arts. 594 e 585 (o réu condenado não pode apelar em liberdade nem ingressar com recurso em sentido estrito). Esses dispositivos, depois de muitos anos, foram alterados para permitir o recurso em liberdade do réu primário e de bons antecedentes.

    Em 1994 escrevemos nossa monografia ( Direito de apelar em liberdade, RT ) dizendo que tais dispositivos não tinham sido recepcionados pela Constituição de 1988. Ou teriam sido revogados pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, II, h), que entrou em vigor no Brasil em 1992. Dizíamos: o direito de apelar em liberdade (ou seja: o duplo grau de jurisdição) não pode ficar condicionado à prisão do réu. Prisão é prisão, duplo grau é duplo grau (são coisas distintas). Sustentei no meu livro a tese da separação entre a prisão cautelar (que tem que seguir sempre os ditames do art. 312 do CPP) e o direito (sagrado) ao duplo grau de jurisdição.

    Após o transcurso de mais de uma década tanto o legislativo como o judiciário acabou acatando essas idéias. Mesmo antes da reforma do CPP (que se deu com a Lei 11.719 /2008) a jurisprudência já vinha reconhecendo o direito de apelar em liberdade (por força da Convenção Americana). Nesse sentido a posição do STF (HC 88.420 (rel. Min. Ricardo Lewandowski) e do STJ (Súmula 347). O recurso de apelação independe da prisão. Superando a visão puramente legalista, o STF e o STJ passaram a adotar a correta postura constitucional.

    Em 2008 veio a reforma do CPP , pela Lei 11.719 /2008, que revogou o art. 594 do CPP. No seu art. 387 , parágrafo único , diz que o juiz, para prender, tem que justificar a medida nos termos do art. 312 do CPP. De outro lado, acabaram as prisões decorrentes da sentença de primeiro grau ou da pronúncia. Prisões cautelares no nosso país, agora, só a preventiva, temporária e o flagrante. O recurso de apelação, de qualquer modo, independe da prisão. Nesse sentido: RHC 83810/RJ , rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 5.3.2009.

    Em 05.02.09 o STF reconheceu o direito de recorrer em liberdade (HC 84.078 , rel. Min. Eros Grau), ou seja, não cabe mais execução provisória contra o réu no processo penal brasileiro. Prisão, portanto, só depois do trânsito em julgado final, em virtude da presunção de inocência. Enquanto tramitam recursos extraordinários (RE ou REsp), não pode haver prisão automática. Qualquer prisão antes do trânsito em julgado final tem que ter fundamento no art. 312 do CPP .

    Em 05.03.09, no HC 85.961 , rel. Min. Março Aurélio, o STF proclamou a não recepção do art. 595 do CPP (o que declarava deserto o recurso de apelação do réu que empreende fuga).

    Na Reclamação 2.391-5-PR o STF (em 01.10.03) já tinha reconhecido (com fundamento no princípio da presunção de inocência) a inconstitucionalidade (incidental) do art. da Lei 9.034 /95 (que proibia a apelação em liberdade no caso de crime organizado). Na mesma ocasião deu interpretação conforme ao art. da Lei 9.613 /98 (lei de lavagem de capitais), que determina que o juiz deve decidir fundamentadamente sobre o direito de apelar em liberdade (ou seja: para o STF, caso o juiz invoque e fundamente uma das situações do art. 312 do CPP , pode-se decretar a prisão do réu condenado).

    A adoção da técnica da interpretação conforme à CF foi a forma que o STF encontrou de "salvar" o dispositivo (da declaração de inconstitucionalidade). À lei foi conferida a interpretação do sistema constitucional brasileiro e do CPP (parágrafo único do art. 387 do CPP , que diz:"O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta").

    No HC 83.868-AM , rel. Min. Ellen Gracie, j. 05.03.09, o STF reiterou sua doutrina no sentido de que o juiz, na sentença condenatória, só pode mandar prender quando presentes os requisitos autorizadores do art. 312 do CPP .

    Como se vê, chegou ao seu fim a história do direito de apelar em liberdade. Está encerrado mais capítulo do Direito processual penal do inimigo no Brasil. Nesse tema, agora todos somos tratados como cidadãos (não como inimigos ou não pessoas). Todo réu condenado no âmbito criminal tem direito ao duplo grau de jurisdição, independentemente da sua prisão (que venha a ser decretada pelo juiz com fundamento no art. 312 do CPP).

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