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25 de Maio de 2024

Informativo STF Nº 986 de 10 a 14 de agosto de 2020 - Relevância Penal.

Resumo do informativo nº 986.

há 4 anos

PLENÁRIO

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

Abin: Sistema Brasileiro de Inteligencia e fornecimento de dados e de conhecimentos específicos

O Plenário, por maioria, deferiu, em parte, pedido de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade a fim de conferir interpretação conforme à Constituição Federal (CF) ao parágrafo único do art. da Lei 9.883/1999 (1) para estabelecer que: a) os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligencia (Sisbin) somente podem fornecer dados e conhecimentos específicos à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) quando comprovado o interesse público da medida, afastada qualquer possibilidade de esses dados atenderem interesses pessoais ou privados; b) toda e qualquer decisão que solicitar os dados deverá ser devidamente motivada para eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário; c) mesmo quando presente o interesse público, os dados referentes a comunicações telefônicas ou dados sujeitos à reserva de jurisdição não podem ser compartilhados na forma do dispositivo em razão daquela limitação, decorrente do respeito aos direitos fundamentais; e d) nas hipóteses cabíveis de fornecimento de informações e dados à Abin, é imprescindível procedimento formalmente instaurado e existência de sistemas eletrônicos de segurança e registro de acesso, inclusive para efeito de responsabilização, em caso de eventuais omissões, desvios ou abusos.

No pleito formulado, os autores fizeram referência ao § 1º do art. e ao caput do art. 9º A, ambos da Lei 9.883/1999 (2), bem assim ao § 3º do art. 1º da Estrutura Regimental da Abin (Anexo I) do Decreto presidencial 10.445/2020 (3).

Prevaleceu o voto da Ministra Cármen Lúcia (relatora), no qual consignado ser objeto da ação o parágrafo único do art. da Lei 9.883/1999.

Rememorou que, ao longo dos quase vinte e um anos de sua vigência e aplicação, decretos presidenciais sucederam-se, em cumprimento ao comando legal, sem maiores questionamentos sobre a interpretação da norma.

Esclareceu que, na argumentação apresentada, os autores expõem as razões do pedido, a saber, o advento do decreto, no qual alegam haver extensão interpretativa incluída e, assim, desbordamento jurídico a contaminar a forma de a referida lei ser interpretada e aplicada.

Lembrou que o feito foi trazido a julgamento poucos dias após ajuizada a ação, em face da urgência qualificada — vigência do decreto em 17.8.2020 —, anotada pelos autores e tida como razoável. Observou que, no curso da ação, poderá ocorrer a regularização processual anteriormente determinada, haja vista a ausência da outorga, na procuração de um dos partidos políticos autores, de poder para postular sobre o decreto e da falta da assinatura, na petição inicial, dos advogados do outro partido, em cuja procuração se faz referência ao decreto.

Depois de outros registros, a relatora explicitou ter levado em conta os dispositivos do decreto, mencionados genericamente na peça inicial, somente para os fins de se comprovar a razoabilidade da argumentação tecida e a necessidade de se afirmar a interpretação conforme à CF a ser aplicada ao parágrafo único do art. 4º daquela lei.

Ao versar a respeito da inafastabilidade do interesse público como elemento legitimador do desempenho administrativo, avaliou ser imprescindível que os dados e os conhecimentos específicos a serem fornecidos estejam vinculados ao interesse público objetivamente comprovado e com motivação específica.

Segundo a ministra, inteligência é atividade sensível e grave do Estado. Está posta na legislação como sendo necessária nos termos por ela delineados. “Arapongagem” não é direito, é crime. Praticado pelo Estado, é ilícito gravíssimo. Comete crime o agente que adotar prática de solicitação e obtenção de dados e conhecimentos específicos sobre quem quer que seja fora dos estritos limites da legalidade.

Sopesou que o fornecimento de dados pelos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligencia à Abin, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, tem, conforme norma legal expressa, a finalidade de integrá-los e tornar eficiente “a defesa das instituições e dos interesses nacionais”. Somente dados e conhecimentos específicos relacionados a estas finalidades são legalmente admitidas e compatibilizam-se com a CF. Qualquer outra interpretação é inválida.

Além disso, o fornecimento de elementos informativos, denominado compartilhamento de dados, tem como único motivo legalmente admissível a defesa das instituições e dos interesses nacionais, reitere-se, nos expressos moldes do sistema jurídico vigente. Compartilhamento de dados e conhecimentos específicos que vise ao interesse privado do órgão ou de agente público não é juridicamente admitido, caracterizando-se desvio de finalidade e abuso de direito.

De igual modo, é ato legítimo o fornecimento de informações entre órgãos públicos para a defesa das instituições e dos interesses nacionais. Proibido é que se torne subterfúgio para atendimento ou benefício de interesses particulares ou pessoais, especialmente daqueles que têm acesso aos dados, desvirtuando-se competências constitucionalmente definidas e que não podem ser objeto de escolha pessoal, menos ainda de atendimento a finalidade particular.

É atitude ditatorial, que contrasta com o Estado democrático de direito, o abuso da máquina estatal para atendimento a objetivos pessoais, mais ainda quando sejam criminosos como são aqueles que se voltam a obter dados sobre pessoas para a elas impor restrições inconstitucionais, agressões ilícitas, medos e exposição de imagem. O direito, em sua efetivação normal e legítima, é uso e, em sua realização anormal e ilegítima, é abuso.

Os mecanismos legais de compartilhamento de dados e informações, como o previsto no parágrafo único, são postos para abrigar o interesse público, não para sustentar interesses privados no espaço público. Qualquer ato de Estado que vise a atender interesse particular é inválido porque contraria o sistema constitucional. Comprovado o descumprimento dos princípios constitucionais, há de ser declarado ilegítimo pelo Poder Judiciário.

Quanto ao arguido desvio de finalidade na extensão das atribuições da Abin, a relatora registrou não ser possibilitado pelo conteúdo da norma questionada. A sua implementação normativa infralegal é que pode fazer vingar a semente desse vício.

Frisou que o ato administrativo precisa atender aos critérios legais para legitimar-se. O administrador não pode ensejar consequências diversas das almejadas pelo legislador. Nos casos como o presente, de matéria tão sensível, a finalidade nunca é discricionária no espaço público, é sempre vinculada.

Aduziu que o parágrafo único do art. compatibiliza-se com a CF com a interpretação que lhe vem dos seus próprios termos e deixa resguardadas as competências dos demais órgãos dos Poderes da República e, principalmente, dos direitos individuais intocáveis dos indivíduos.

Noutro passo, asseverou ser imprescindível que os atos administrativos, incluídos aqueles relativos às atividades de inteligência, sejam motivados, para que haja a possibilidade de serem eventualmente contrastados. A legitimidade dos atos da Administração Pública não pode ser averiguada pelos cidadãos e pelo Poder Judiciário se não houver a comprovação de sua devida motivação.

Ademais, a obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos está expressa no art. 50 da Lei 9.784/1999 (4), e deve ocorrer, entre outras hipóteses, sempre que os atos “neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses”. A natureza da atividade de inteligência, que eventualmente se desenvolve em regime de sigilo ou de restrição de publicidade, não afasta essa exigência, especialmente se considerado que esses atos podem importar acesso a dados e informações sensíveis dos cidadãos, e podem comprometer ou limitar direitos fundamentais à privacidade e à intimidade.

Nesse contexto de potencial limitação de direitos fundamentais, deve-se exigir que as solicitações pela Abin sejam acompanhadas de motivação demonstrativa da necessidade dos dados pretendidos e a adequação da solicitação às finalidades legais. Isso é indispensável para que, se provocado, o Poder Judiciário realize o controle de constitucionalidade e de legalidade, examinando sua conformidade aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e precipuamente garantindo os direitos fundamentais.

Acerca da cláusula de reserva de jurisdição, a ministra Cármen Lúcia assinalou que o ordenamento jurídico nacional prevê situações nas quais se impõe a necessidade de análise e autorização prévia do Poder Judiciário. Isso se dá, por exemplo, nos casos de ingresso na casa de alguém ou de interceptações em dispositivos e dados telemáticos. A esse respeito, a CF estabeleceu ser essencial a intervenção e autorização prévia do Estado-juiz, sem o que qualquer ação de autoridade estatal será ilegítima, ressalva feita à situação de flagrante delito.

Dessa maneira, deve-se dar à norma interpretação a respeitar a reserva de jurisdição. O sistema constitucional garante o direito à privacidade das pessoas, nele incluído o segredo dos dados e de comunicações telemáticas e telefônicas, entendido, o último, como o não compartilhamento das informações sem prévia autorização judicial.

Na sequência, igualmente em juízo de delibação, a relatora não vislumbrou plausibilidade no pleito de que os órgãos integrantes de outros entes federados, de outros Poderes e do Ministério Público (MP) fossem afastados da hipótese de aplicação do fornecimento previsto no parágrafo único. Atendidos os requisitos legais e estabelecidos nesta decisão, eles poderão fornecer dados. Na lei impugnada, inclusive há previsão de que podem compor o Sisbin mediante ajustes e convênios.

O ministro Dias Toffoli reforçou a importância de a Administração Pública trabalhar na formalidade, com protocolos, até para possibilitar eventual responsabilização em casos de omissões e abusos na defesa do Estado. Por seu turno, o ministro Luiz Fux participou que o princípio da segurança dos dados possui destacada relevância na economia da informação.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que indeferiu a liminar pleiteada. A seu ver, o parágrafo único do art. prevê apenas um diálogo entre os órgãos de inteligência e não surge conflitante com o texto constitucional. Além disso, o ministro não entreviu o risco, inexistente até hoje, de se manter hígido o citado dispositivo. Sequer ambiguidade que pudesse merecer interpretação.

(1) Lei 9.883/1999: “Art. À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete: (...) Parágrafo único. Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligencia fornecerão à ABIN, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais.”

(2) Lei 9.883/1999: “Art. 2º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores, constituirão o Sistema Brasileiro de Inteligencia, na forma de ato do Presidente da República. § 1º O Sistema Brasileiro de Inteligencia é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados. (...) Art. 9º A – Quaisquer informações ou documentos sobre as atividades e assuntos de inteligência produzidos, em curso ou sob a custódia da ABIN somente poderão ser fornecidos, às autoridades que tenham competência legal para solicitá-los, pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, observado o respectivo grau de sigilo conferido com base na legislação em vigor, excluídos aqueles cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”

(3) Decreto 10.445/2020: “Anexo I (...) Art. A Agência Brasileira de Inteligência – Abin, órgão integrante do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, criada pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999, é órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligencia e tem por competência planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País, obedecidas a política e as diretrizes estabelecidas em legislação específica. (...) § 3º Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligencia fornecerão à Abin, sempre que solicitados, nos termos do disposto no Decreto 4.376, de 13 de setembro de 2002, e na legislação correlata, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados à defesa das instituições e dos interesses nacionais.”

(4) Lei 9.784/1999: “Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: (...)”

ADI 6529 MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13.8.2020. (ADI-6529)

CLIPPING DAS SESSÕES VIRTUAIS

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.807

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado na ação direta, nos termos do voto da Relatora, vencido o Ministro Marco Aurélio. Os Ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes acompanharam a Relatora com ressalvas. Plenário, Sessão Virtual de 19.6.2020 a 26.6.2020.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 3º DO ART. 48 DA LEI N. 11.343/2006. PROCESSAMENTO DO CRIME PREVISTO NO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. ATRIBUIÇÃO À AUTORIDADE JUDICIAL DE LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO E REQUISIÇÃO DOS EXAMES E PERÍCIAS NECESSÁRIOS. CONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE ATO DE INVESTIGAÇÃO. INOCORRÊNCIA DE ATRIBUIÇÃO DE FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA AO PODER JUDICIÁRIO. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS

Lei nº 14.035, de 11.8.2020 - Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre procedimentos para a aquisição ou contratação de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Lei nº 14.036, de 13.8.2020 - Altera a Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020, para estabelecer a forma de repasse pela União dos valores a serem aplicados pelos Poderes Executivos locais em ações emergenciais de apoio ao setor cultural durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e as regras para a restituição ou a suplementação dos valores por meio de outras fontes próprias de recursos pelos Estados, pelos Municípios ou pelo Distrito Federal.

OUTRAS INFORMAÇÕES

Resolução STF 697, de 6.8.2020 - Dispõe sobre a criação do Centro de Mediação e Conciliação, responsável pela busca e implementação de soluções consensuais no Supremo Tribunal Federal.

Resolução STF 699, de 10.8.2020 - Prorroga a suspensão de prazos de processos físicos no Supremo Tribunal Federal.

Emenda Regimental 55, de 12.8.2020 - Dá nova redação a dispositivo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Emenda Regimental 56, de 12.8.2020 - Dá nova redação a dispositivo do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Resolução STF 700, de 13.8.2020 - Altera o formato do Diário de Justiça eletrônico do Supremo Tribunal Federal, disciplina os procedimentos de divulgação e publicação automáticas e dá outras providências.

A integra do informativo nº 986 do STF pode ser consultada em: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo986.htm

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/informativo-stf-n-986-de-10-a-14-de-agosto-de-2020-relevancia-penal/933556854

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