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6 de Maio de 2024
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    Perda dos dias remidos: procedimento administrativo disciplinar e ausência de interrogatório judicial

    há 15 anos

    Como citar este artigo: ALMEIDA, Patrícia Donati; GOMES, Luiz Flávio; RAMOS, Elisa Maria Rudge. Disponível em http://www.lfg.com.br. Perda dos dias remidos: procedimento administrativo disciplinar e ausência de interrogatório judicial . 13 de março de 2009.

    "A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus em que sustentada a nulidade de decisão homologatória de procedimento administrativo disciplinar que resultara na perda dos dias remidos pelo paciente sem que tivesse sido ouvido em juízo acerca da falta grave a ele imputada. Entendeu-se que o procedimento administrativo não seria suficiente para desencadear uma sanção penal e que o fato de o paciente ter sido ouvido na instância administrativa não dispensaria a manifestação da defesa no processo de execução. Assim, enfatizou-se que, em que pese ser prescindível a inquirição, em juízo, do próprio assistido, a manifestação de sua defesa no processo de execução, após o procedimento administrativo, é indispensável ? o que não ocorrera na espécie ?, tendo em conta o caráter penal e processual da perda dos dias remidos. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que, salientando a exigência de oitiva prévia do condenado somente para a hipótese de regressão de regime (LEP , art. 118 , § 2º), indeferia o writ ao fundamento de não haver violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, visto que as formalidades do procedimento administrativo disciplinar foram devidamente cumpridas. HC 95.423-RS , rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 3.3.2009."

    Comentários:

    A perda de dias remidos está prevista na Lei de Execuções, em seu artigo 127 , que diz:

    "Art. 127. O condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar. "

    O STF já se pronunciou pela constitucionalidade desta punição, editando a Súmula Vinculante nº 09 com o seguinte teor:"O disposto no artigo 127 da lei nº 7.210 /1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58 ".

    Vejamos o que estabelece o artigo supra:

    Art. 58. O isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado.

    Interpretando a súmula em conjunto com o art. 58 da LEP é possível extrair da jurisprudência dominante da nossa Suprema Corte o seguinte: a perda do tempo remido em razão de falta grave (art. 127) é constitucional e não se lhe aplica o limite temporal de trinta dias previsto na norma.

    A nosso ver, a Súmula Vinculante nº. 9 é discutível por dois motivos que não podem ser ignorados. Primeiro: pelo fato de conceder a uma falta grave o efeito de aniquilar todo tempo conquistado anteriormente com a remição pelo trabalho. Depois, por desconsiderar uma decisão judicial que reconhece os dias remidos, ou seja, ignora a própria coisa julgada.

    Nessa linha, mesmo que já haja decisão judicial reconhecendo os dias remidos, ainda assim, a falta grave tem o condão de apagar tudo que fora conquistado pelo presidiário, deixando de lado a coisa julgada. O principal fundamento apontado pelos defensores dessa idéia é a natureza da coisa julgada em dada hipótese: afirmam que não se trata de coisa julgada material e que teria a natureza de rebus sic stantibus (coisa julgada dependente de uma condição futura, qual seja, o não cometimento de falta grave).

    Ora, a decisão que declara os dias remidos pelo trabalho faz coisa julgada formal e material e, assim, não poderia ser desconstituída por fato posterior (a falta grave), sob pena de violar o princípio da segurança jurídica.

    "A insegurança gerada a quem é afetado por uma decisão que em nenhum caso adquire firmeza é ainda mais condenável quando afeta direitos fundamentais, como é o caso das decisões dos juízes da execução criminal. E, indubitavelmente, a declaração de perda de remição afeta diretamente a liberdade pessoal, direito fundamental protegido constitucionalmente, (...) Retirar do preso a remição é sanção sem equivalente em qualquer ramo do direito. " (BARROS, 2001, pág. 187 - 188)

    De acordo com nossa opinião (acima externada), considerando-se a natureza meramente declaratória da sentença que reconhece os dias remidos, o correto seria conferir à falta grave o efeito de aniquilar o tempo remido nos últimos trinta dias (ainda que haja sentença reconhecendo esse direito). Fazer retroagir a falta grave integralmente para alcançar todo o tempo remido nos parece excessivo.

    A questão trazida no informativo 537 do STF trata do direito de defesa do preso em procedimento de apuração de falta grave que tenha por conseqüência a perda dos dias remidos.

    No julgamento do habeas corpus 95.423, impetrado pela Defensoria Pública da União, o STF entendeu, por maioria de votos, pela nulidade do procedimento administrativo disciplinar que decretou a perda dos dias remidos por violação aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, uma vez que não foi dada a oportunidade de defesa ao preso.

    A oportunidade de defesa do preso neste caso é imprescindível, uma vez que a perda de dias remidos em razão de suposta prática de falta grave interfere diretamente na liberdade do indivíduo, e, conforme o Ministro Cezar Peluzo, trata-se verdadeiramente de sanção de natureza penal. Se assim é, considerando-se que pela CF (art. 5º, inc. LIV) ninguém pode ser privado da sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, não há dúvida que todas as garantias processuais devem ser observadas, sob pena de se convalidar mais uma situação de Direito processual penal do inimigo.

    Portanto, por não ter natureza de mera sanção disciplinar, a perda de dias remidos sem observância do contraditório pode ser atacada pela via do habeas corpus, com fundamento no artigo , inciso LXVIII da Constituição Federal e artigos 648 e 649 , inciso VI do Código de Processo Penal .

    A Ministra Ellen Gracie, vencida, entendeu não ser necessária a oportunidade de defesa do preso no caso de perda de dias remidos, uma vez que a Lei de Execucoes Penais, em seu artigo 118 , parágrafo único , somente exige expressamente a oitiva da defesa quando se tratar de regressão de regime, ou seja, a alteração de regime mais brando para mais severo.

    Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:

    I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave

    Art. 118. § 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.

    O equívoco da Ministra reside no seu aferramento exclusivo ao plano legalista (ou positivista-legalista). A lei pode não ser expressa (a respeito da observância do devido processo legal), mas a CF é. O raciocínio jurídico legalista está morto, está superado. Agora, com a nova pirâmide jurídica vigente no Brasil (RE 466.343 e HC 87.585), além da lei devem ser observados todos os tratados de direitos humanos assim co (que possuem valor supra-legal) mo a CF .

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