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16 de Junho de 2024
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    Processos penais em curso não devem ser considerados como maus antecedentes

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 9 anos

    No final do ano passado, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar recurso extraordinário (RE 591.054), por maioria de votos, firmou a tese de repercussão geral de que inquéritos policiais ou ações penais sem trânsito em julgado não podem ser considerados maus antecedentes para o fim de dosimetria de pena. Foram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.[1] A posição se coaduna à jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, estampada em sua Súmula 444, que dispõe: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base.”

    Todavia, recentemente, no dia 24 de junho de 2015, o STF assinalou sua tendência de mudar esse entendimento, no julgamento de dois habeas corpus (HC 94.620 e HC 94.680), que estavam sobrestados à espera justamente da fixação da tese em repercussão geral. Apesar de, em atenção ao princípio da colegialidade, a tese de repercussão geral ter sido aplicada para ambos os casos, seis dos ministros disseram admitir a possibilidade de inquéritos policiais e processos penais em curso prestarem-se à caracterização de maus antecedentes, consideradas as particularidades de cada caso.[2]

    Com o devido respeito, acreditamos que a retomada da posição adotada em larga escala pelo STF na década de 1990[3] implicará evidente retrocesso, por ofensa direta ao princípio da presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade),[4] previsto no artigo , LVII, da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.”[5]

    Em nossa ordem constitucional, a presunção de inocência é garantia individual e, portanto, ostenta a natureza de cláusula pétrea.[6] Curiosamente, a Constituição atual é a primeira a prevê-la de maneira expressa. Todas as demais destinaram um capítulo específico aos direitos e às garantias individuais, reconhecendo tratar-se de rol meramente exemplificativo, de modo a abarcar outros direitos e garantias que se harmonizassem com os princípios constitucionais adotados.[7] Dentre eles, obviamente, o princípio da presunção de inocência, fundamento que levou o STF, sob a égide da Constituição de 1967, a reconhecer a inconstitucionalidade do artigo 48 do Decreto-lei 314/67 (“Lei de Segurança Nacional”), que previa a suspensão do exercício da profissão, emprego ou cargo, em razão de prisão em flagrante delito ou pelo simples recebimento da denúncia.[8]

    Aludida garantia é prevista em grande parcela das constituições ocidentais[9] e amplamente prestigiada no âmbito internacional, sendo contemplada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),[10] pela Convenção Europeia para a Tutela dos Direitos do Homem e da Liberdade Fundamental (1950),[11] pela Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (1948)[12] e pela Convenção Americana de Direitos Humanos (1969),[13] entre outros. Há outras constituições que não preveem essa garantia, porém conferem-na especial deferência, como é o caso da Constituição dos EUA, que permite seu reconhecimento a partir da interpretação conjugada da 5ª, 6ª e 14ª emendas.[14]

    A presunção de inocência, juntamente com outras garantias, como a ampla defesa (artigo , LV, CF) e a vedação à autoincriminação (artigo , LXIII, CF) compõe uma espécie de escudo protetivo contra as práticas estatais arbitrárias, com raiz na cláusula geral do procedural due process (artigo , LIV, CF), que certamente “restará descaracterizado com o exercício arbitrário da violência estatal nele institucionalizada e canalizada.”[15]

    Retornando ao tema central, resta saber se a consideração de processos penais em curso como maus antecedentes ofenderia a garantia constitucional em apreço. Nossa resposta é afirmativa. Com efeito, os direitos e garantias fundamentais apresentam um núcleo, uma essência ou conteúdo de inegável valor, que deve ser identificado com o espírito imanente ao valor enunciado pela norma ou corpo de normas. Como sustenta Ana Paula de Barcellos, “não se pode admitir que conformações ou restrições possam chegar a esvaziar o sentido essencial dos direitos, que, afinal, formam o conjunto normativo de maior fundamentalidade, tanto axiológica, quanto normativa, nos sistemas jurídicos contemporâneos. Nesse sentido, o núcleo deve funcionar como um limite último de sentido, invulnerável, que sempre deverá ser respeitado.”[16]

    Ponderamos que o princípio da presunção de inocência “impõe consequências normativas de natureza material e processual. É uniforme na doutrina que nele se expressa não apenas uma norma de tratamento, que proíbe antecipação da pena ou adoção de medidas coercitivas em face do não culpado, mas também uma norma processual que atribui o ônus de prova à acusação.”[17] Esta é, segundo acreditamos, a essência do princípio em apreço e, como tal, ela impede, em absoluto, qualquer aumento de pena que leve em consideração processos penais em curso, justamente porque implicaria, inegavelmente, antecipação de pena, no acréscimo decorrente dessa circunstância. Para o acusado, uma singela elevação de pena pode acarretar-lhe diversas consequências negativas, como a fixação de regime mais severo (artigo 33, Código Penal), óbice à conversão da pena privativa de liberdade em penas alternativas (artigo 44, CP) e impedimento de sursis (artigo 77, CP), dentre outras.

    O problema é que todas essas consequências possuem a aptidão de adquirir definitividade, porque, por serem decididas em sentença, poderão ser revestidas do manto da coisa julgada material, somente rescindível nas hipóteses estreitas de admissibilidade da ação de revisão criminal, previstas no artigo 621 do Código de Processo Penal. Imaginemos, portanto, um indivíduo que tenha sido condenado e sua pena aumentada pela existência de p...

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