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16 de Maio de 2024
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    Sem insolvência não há fraude à execução

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 21 anos

    Prevê o Código de Processo Civil a possibilidade de se atingir com penhora, em processo de execução, bens de terceiros, entre outros casos, quando tiverem sido alienados pelo devedor, em fraude à execução (art. 592, V). Por sua vez, o art. 593, II, do texto processual, considera em fraude a alienação ocorrida, na pendência, contra o devedor, de demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. Abstraindo-se da exigência legal de registro da penhora sobre imóvel (art. 659 , § 4o , do CPC), que tem comprometido a clareza do instituto, tal como idealizado desde o Código de 1973, a definição da fraude se dá a partir de dois elementos: a alienação voluntária, a qualquer título, de bens, durante o processo, ainda que de conhecimento; e a transformação do devedor em insolvente, assim se entendendo, na linha estabelecida pelos arts. 748 e 750 do Código de Processo Civil , aquele que deixa de possuir bens suficientes, livres e desembaraçados, para garantir a satisfação de suas obrigações.

    Nos casos de fraude à execução, diferentemente da fraude contra credores, não há de se perquirir acerca da boa-fé do comprador ou do devedor. Basta a alienação em si, associada à insolvência. Da mesma forma, implica a fraude à execução não a anulação do negócio realizado, mas simplesmente a sua ineficácia em relação ao credor, de modo a se permitir a este, por meio da penhora, ir buscar o bem alienado no patrimônio de terceiro, como se a transação não tivesse ocorrido.

    A chave da questão, deste modo, encontra-se no estado de insolvência do devedor, existente ou criado com a negociação durante o processo. Destarte, mesmo na pendência de execução, o devedor pode alienar seus bens, sem que as transações realizadas sejam vistas como ineficazes, à medida que ele persista tendo outros bens suficientes para o cumprimento das obrigações que lhe são exigidas, ainda que pela via da execução. MENDONÇA LIMA, citando ALMEIDA E SOUZA, lembra a hipótese de vendas sucessivas de bens pelo devedor durante o processo, quando, então, têm-se por comprometidas as alienações mais recentes, de vez que aquelas realizadas, ainda quando subsistiam bens no patrimônio do devedor, não representaram ato praticado por um insolvente e, assim, não podem ser reputadas ilícitas ( Comentários ao Código de Processo Civil , Forense, 1979, 3a edição, 6o vol., 2o tomo, n. 1128, pág. 572).

    Acórdão do Segundo Tribunal de Alçada Civil, da lavra do Juiz MENDES GOMES, analisando expressamente a regra do art. 593 , II , do Código de Processo Civil , todavia, afasta-se desse entendimento e cria uma definição, sem dúvida, nova para a fraude, introduzindo critério efetivamente não cogitado pelo legislador. No caso, o devedor, depois de condenado em prestação de contas, alienara cotas sociais de que era titular em pessoa jurídica e, quando citado para a execução, veio a nomear à penhora bens imóveis de sua propriedade, porém, situados “em local distante da execução.” Entendeu a Câmara Julgadora que a alienação ocorrida pôs em risco os direitos do credor, por não existirem outros bens, livres e desembargados, no local da execução, vindo, então, a considerar ineficaz a transferência das cotas, porque teria sido praticada em fraude à execução, determinando a sua penhora em mãos do terceiro adquirente (Agravo de instrumento n. 789028, julgado em 28.04.03).

    A decisão amplia, à margem da lei, o conceito de fraude à execução, de vez que a insolvência não se define em vista da localização dos bens, mas sim em função do seu valor comparado ao passivo do devedor. A única relevância que se empresta à localização dos bens é quanto à nomeação à penhora, de vez que, se os bens indicados pelo devedor encontrarem-se fora da comarca da execução, a nomeação pode ser considerada ineficaz, mas desde que tenha o devedor outros bens no foro da execução (art. 656 , III , do CPC). Do contrário, a nomeação é válida e a execução passa a ser por carta.

    Não se pode esquecer, de outro lado, que a legislação civil e processual civil tem âmbito nacional, de maneira que, mesmo se assegurando, em perseguição de maior eficiência do processo e do respeito às decisões judiciais, maior facilidade ao credor – embora o princípio diga que ela tenha que ser feita do modo menos oneroso para o devedor (art. 620 do CPC)– não se pode impor ao executado conservar bens suficientes no foro em que tem curso execução contra ele. Semelhante exigência, ainda que só usada para retratar a insolvência, discrimina o território nacional e impõe ao demandado ônus que a lei não lhe carreia.

    Frise-se, de outro lado, que existe regra obrigando o domiciliado no exterior, que pretenda promover ação em nosso país, à prestação de caução, caso não tenha bens imóveis no Brasil – e poderá ser em qualquer canto do país. Nesse caso, para aqui demandar, terá que garantir o pagamento das verbas de sucumbência (art. 835 do CPC). Ora, se até para o estrangeiro, embora para outro fim, vale o imóvel em qualquer parte do território nacional, por que não valer para o nacional?

    Ignora a decisão, ademais, que atingir bens de terceiro para responder por execução de outrem é hipótese excepcional, que se contrapõe ao princípio segundo o qual respondem pela execução os bens presentes e futuros do devedor (art. 591 do CPC). Desse modo, a interpretação que se há de conferir à exceção, como é elementar, há de ser literal, quando não restritiva, de modo a que o conceito de insolvência é contábil e se atém à circunstância de o passivo do acervo do devedor ser superior ao seu ativo, estejam onde estiverem os bens.

    A interpretação angustiada da norma se impõe, logicamente, não a benefício do devedor, mas em proteção aos terceiros que podem ser molestados por débitos alheios somente quando possam ter faltado à vigilância normal ou, até quem sabe, à extraordinária, prestando-se, ainda que de boa-fé, para malograr a realização do crédito do exeqüente. Por força da excepcionalidade, o terceiro apenas é de ser atingido em não havendo outra forma, qualquer que seja, para a satisfação do crédito. Havendo alternativa, ainda que mais onerosa, o credor terá que arcar com os ônus, não tendo como atalhar o caminho.

    *Clito Fornaciari Júnior, é Mestre em Direito, Advogado em São Paulo e ex-presidente da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo.

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