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6 de Maio de 2024

STF Ago22 - Audiência Suspensa por Falta de Acesso à Áudios, Conversas e Elementos da Investigação - Ferimento a Sum Vinculante 14 STF

há 2 anos

Decisão:

Trata-se de reclamação constitucional proposta por Ricardo Vieira Coutinho, em face do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca da Capital-PB, por suposta violação à Súmula Vinculante 14, nos Autos 0812676-29.2021.8.15.2002/PB, “Operação Calvário”. Segundo o reclamante alega, verificou-se a ausência de diversos elementos mencionados pelo Ministério Público, além da cadeia de custódia dos materiais. (eDOC 1, p. 3) Consoante aduz, as imagens referentes a conversas no aplicativo Whatsapp aparentam estar reorganizadas, de forma a subsidiar a tese acusatória. (eDOC 1, p. 9) Afirma haver sido negado o pedido de acesso pela defesa à integra dos elementos citados. Requer, portanto, a concessão de liminar, para que seja suspensa a realização da audiência marcada. No mérito, pede a disponibilização à defesa de todo o acervo probatório que ampara a acusação; do inteiro teor das conversas de Whatsapp mencionadas pela denúncia, extraídas do Relatório de Análise de Polícia Judiciária 036/2020; bem como da cadeia de custódia dos arquivos de mídia apreendidos e do aparelho celular original, de onde são provenientes (marca, modelo, IMEI, etc.), com a subsequente reabertura do prazo para que a defesa complemente suas razões. (eDOC 1) As informações foram devidamente prestadas pela origem, em 6.8.2022. A PGR manifestou ciência na mesma data. É o relatório.

Decido.

No caso, o reclamante pretende seja observado o enunciado da Súmula Vinculante 14, in verbis: “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”

O instrumento da reclamação, tal como previsto no art. 102, I, l, da Constituição e regulado no Código de Processo Civil (arts. 988 a 993) e no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (arts. 156 a 162), tem o intuito de preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões, bem como assegurar a observância a enunciado de súmula vinculante e acórdão proferido em demandas repetitivas.

O teor da Súmula apontado como violado confere, de fato, à defesa amplo acesso aos elementos já documentados nos autos e que não tenham diligências em andamento que possam ser prejudicadas, o que, consoante os documentos acostados a estes autos, não foi deferido em sua plenitude ao defensor do reclamante.

A análise atenta dos autos permite constatar a presença de elementos que apontam para o fato de que o direito de defesa do paciente está sendo obstado pela autoridade requerida. Isso porque, conforme decisão impugnada, quanto à proteção da cadeia de custódia do acervo probatório e o acesso apenas parcial pela defesa a elementos de prova referidos na denúncia, quaisquer arguições deveriam ser veiculadas diretamente perante o STJ, pois lá teriam sido produzidas, segundo o Juízo de origem e o próprio MPPB, as provas questionadas pela defesa. Contudo, os elementos probatórios foram compartilhados com a origem, utilizados na primeira instância e mencionados expressamente na denúncia pelo Ministério Público, tendo a defesa tido acesso apenas parcial e selecionado ao conteúdo das mensagens. (eDOC 3, p. 29 ss)

Veja-se o esclarecimento na denúncia sobre um dos principais pilares probatórios construídos na exordial acusatória, o conteúdo do computador apreendido na sede do Governo do Estado da Paraíba: “Durante a sétima fase da operação calvário (JUÍZO FINAL) foi possível a recolha de inúmeros elementos de prova, os quais reforçam o papel da CASA CIVIL na dinâmica dos planos de poder e domínio territorial e político por parte da organização criminosa. O Superior Tribunal de Justiça frente a gravidade dos fatos e em razão de inúmeros encontros fortuitos compartilhou o acervo probatório da CAUTELAR INOMINADA CRIMINAL Nº 37 - DF (2020/0211038-0) que envolve os Inquéritos n.º 1289/DF, 1290/DF, 1291/DF e 1292/DF, desta CauInomCrim n. 37/DF, da CauInomCrim n. 24/DF e das QuebSig n. 42/DF e 43/DF, para a instrução de procedimentos criminais, cíveis e administrativos, bem como o envio de achados de atos ilícitos a outras instituições, a exemplo da Controladoria-Geral da União, Ministérios Públicos Estaduais, Ministérios Públicos de Contas, órgãos do fisco das esferas Federal, Estadual e Municipal e, ainda, do próprio Ministério Público do Federal.

O Relatório de Análise de Polícia Judiciária Nº 036/2020, que veicula a análise de computador/notebook apreendido na Praça João Pessoa, S/n - Centro, João Pessoa - PB, 58013-140 (Palácio da Redenção) – Gabinete do Governador, consta conversa com terminal 55 83 88391195 utilizado por RICARDO VIEIRA COUTINHO” (eDOC 3, p. 29) Desse modo, resta cristalino que o Ministério Público teve acesso irrestrito ao material original contido no referido computador apreendido. Confira-se, na mesma linha, trecho retirado das informações prestadas pelo Juízo de piso: “De início, se deve notar, as provas questionadas pelo denunciado não foram originalmente produzidas nesta 1ª instância e, muito menos, pelo Ministério Público do Estado da Paraíba, tendo sido arregimentadas em razão de medidas judiciais determinadas pelo Superior Tribunal de Justiça (Inquéritos nº 1.289/DF, 1.290/DF, 1.291/DF e 1.292/DF, e Cautelares nº 24/DF, 37/DF, 42/DF e 43/DF), e, posteriormente, compartilhadas, por expressa determinação do ministro relator, com o objetivo de instruir procedimentos investigativos nos âmbitos penal, civil e administrativo, por diversos órgãos estatais.” (eDOC 17, p. 10) Fato é que o material fora compartilhado pelo STJ com o MPPB, que selecionou, de acordo com seus interesses persecutórios e na qualidade de parte no processo penal, as conversas de aplicativo encontradas no computador apreendido que lhe interessavam, sendo que a defesa teve acesso apenas ao que consta copilado na denúncia.

Em nome da garantia do contraditório e da ampla defesa, é permitido às partes realizar o cotejo entre os arquivos originais e as hipóteses acusatórias ou as teses defensivas, com o destaque e a transcrição dos pontos considerados mais relevantes para a acusação ou para a defesa – ocorre que tal direito não foi conferido à defesa. O que não se admite é que se negue o fornecimento ou que disponibilize parcial, seletiva ou aleatoriamente os arquivos que contêm a gravação de diálogos mantidos entre os acusados, sob pena de violação à garantia da manutenção da cadeia de custódia da prova. Como se observa, a Promotoria colaciona na denúncia uma série de capturas de tela selecionadas de conversas em aplicativo envolvendo o reclamante. Segundo a acusação: “O Relatório de Análise de Polícia Judiciária Nº 036/2020, que veicula a análise de computador/notebook apreendido na Praça João Pessoa, S/n - Centro, João Pessoa - PB, 58013-140 (Palácio da Redenção) – Gabinete do Governador, consta conversa com terminal 55 83 88391195 utilizado por RICARDO VIEIRA COUTINHO. O aparelho analisado apresenta “chat” de aplicativo WHATSAPP, IRIS DANTAS, então secretária de gabinete do ex-governador RICARDO COUTINHO, com o próprio. O contato registrado na agenda dela contem ‘RC PB’. Abaixo são listados excertos considerados relevantes para a investigação.” (eDOC 3, p. 30-43) Do excerto copilado, não restam quaisquer dúvidas de que a defesa não teve acesso ao inteiro teor dos diálogos originais mencionados no caderno investigatório e na peça acusatória, de modo a prejudicar o exercício da ampla defesa e do contraditório. Nessa linha, a propósito, transcrevo precedente do Min. Celso de Mello sobre a SV 14, desta Corte: “o sistema normativo brasileiro assegura , ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso ao inquérito (parlamentar , policial ou administrativo), mesmo que sujeito a regime de sigilo (sempre excepcional), desde que se trate de provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas consequentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e , por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial”. (HC 113.458/DF-MC, decisão monocrática , DJe 17.5.2012). Ao tratar desse tema, a doutrina afirma que “um dos aspectos mais delicados da aquisição de fontes de prova consiste em preservar a idoneidade de todo o trabalho que tende a ser realizado sigilosamente, em um ambiente de reserva que, se não for respeitado, compromete o conjunto de informações que eventualmente venham a ser obtidas dessa forma”. (PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. p. 77).

Acerca da quebra da cadeia de custódia registrei: “No sistema das invalidades processuais deve-se observar a necessária vedação ao comportamento contraditório, cuja rejeição jurídica está bem equacionada na teoria do venire contra factum proprium, em abono aos princípios da boa-fé e lealdade processuais” ( HC 104.185, 2 T, de minha relatoria, j. 5.9.2011). Já decidiu esta Corte: “(...) além da arguição opportuno tempore da suposta nulidade, seja ela relativa ou absoluta, a demonstração de prejuízo concreto é essencial para o seu reconhecimento, de acordo com o princípio pas de nullité sans grief, presente no art. 563 do Código de Processo Penal. Nesse sentido: RHC nº 117.096/BA, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 15.10.13.” No ponto, o Ministério Público se refere na denúncia ao fato de que a origem das conversas que estariam no computador apreendido é o “terminal 55 83 88391195, utilizado por RICARDO VIEIRA COUTINHO” e que “o aparelho analisado apresenta ‘chat’ de aplicativo WHATSAPP, IRIS DANTAS, então secretária de gabinete do ex-governador RICARDO COUTINHO, com o próprio”.

Isso significa que existe claramente um espaço para atividade de seleção do material das mensagens pela Polícia Judiciária e pelo próprio Ministério Público da Paraíba, que expressamente admite que houve o recorte do conteúdo das mensagens considerado relevante para atividade persecutória, como se viu. (eDOC 3 p. 30)

Dada a complexidade do enredo fático apresentado e a posição adotada por esta Suprema Corte relativa à proteção da cadeia de custódia da prova no processo penal, verifico que a ilegalidade resta sanada com o imediato acesso pela defesa ao conteúdo integral das conversas de onde as mensagens foram recortadas, nos termos da SV 14.

Ademais, no caso concreto, resta comprovada a proximidade da audiência de instrução e julgamento, marcada pela 2ª Vara Criminal de João Pessoa para o dia 18.8.2022, às 8h30, ao passo em que se impõe a renovação da data da audiência de instrução, com tempo razoável para a defesa analisar todo o conteúdo do acervo aprobatório, a partir de sua disponibilização, a fim de que se preserve o respeito ao exercício do contraditório e da ampla defesa.

Nesse preciso sentido: “Efetivamente corre-se o risco de realizar o ato processual e, posteriormente, ser declarada a sua nulidade, caso comprovado que a defesa não teve acesso aos documentos e elementos a que faz menção na petição inicial, o que traria prejuízos ainda maiores para o andamento do processo na origem. Portanto, considerando essa particularidade, defiro parcialmente o pedido liminar tão somente para suspender a realização da audiência marcada para o próximo dia 23 de novembro de 2020, até ulterior decisão nestes autos.” (STF - Rcl 44.789, de minha relatoria, julgado em 20.11.2020, publicado em 23.11.2020)

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação, para determinar seja imediatamente franqueado acesso pela defesa ao inteiro teor das conversas de Whatsapp mencionadas na denúncia, às quais o MPPB teve acesso, nos termos da SV 14. Determino, também, o adiamento da audiência de instrução e julgamento marcada para 18.8.2022, às 8h30, nos autos da Ação Penal 0812676- 29.2021.8.15.2002, em trâmite na 2ª Vara Criminal de João Pessoa. Assim, nova data deve ser agendada, respeitando-se prazo adequado para a defesa analisar o material referido. Publique-se. Intimem-se. Comunique-se, com urgência, à origem. Brasília, 16 de agosto de 2022. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

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(STF - Rcl: 53885 PB 0121150-87.2022.1.00.0000, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 16/08/2022, Data de Publicação: 18/08/2022)

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