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2 de Maio de 2024

STF Mar23 - Desclassificação do Tráfico para o Uso na Lei de Drogas - Sopesado o Depoimento Policial

ano passado

Inteiro Teor

AG.REG. NO HABEAS CORPUS 208.618 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI


DECISÃO:

Trata-se de tempestivo agravo regimental interposto por XXXXXXXXXX em face de decisão monocrática mediante a qual neguei seguimento ao habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

A defesa do agravante sustenta "a desproporcionalidade da conduta do paciente, encontrado com 1,8 gramas de entorpecentes e do apenamento concreto (pena de 7 anos no regime fechado)."

Anota que a inexpressiva lesividade do bem jurídico, e as demais circunstâncias fáticas autorizam o reconhecimento da atipicidade material da conduta.

Pretende a reconsideração da decisão agravada para que,

(i) seja DESCLASSIFICADA a imputação para o uso (art. 28), ou (ii) jura novit curia, seja proclamada a ABSOLVIÇÃO do Paciente, pela desproporcionalidade e inadequação do apenamento, ou, ainda, (iii) deferido, excepcionalmente, e ao caso concreto, o§ 4ºº, do art.3333, Lei n. 11.434 4 44/2006, não sendo a reincidência, tão somente, vetor para impedimento do beneplácito, redimensionando as penas do Paciente."

A PGR manifestou-se pelo desprovimento do agravo regimental (doc. 12).

É o relatório.

Inicialmente, destaco que a viabilidade do juízo de retratação em sede de agravo interno está disciplinada no § 2º do art. 1.021 do CPC, in verbis :

" § 2º O agravo será dirigido ao relator, que intimará o agravado para manifestar-se sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias, ao final do qual, não havendo retratação, o relator levá-lo-á a julgamento pelo órgão colegiado, com inclusão em pauta. "

Sob a égide do CPC/73, a possibilidade do juízo de retratação em sede de agravo regimental já era amplamente admitida pela jurisprudência desta Corte. Vide:

"AGRAVO - JUÍZO DE RETRATAÇÃO. Todo e qualquer agravo viabiliza o juízo de retratação, ainda que silente a peça apresentada (...)"(RE nº 383.774-AgR/SP, Relator o Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJ de 11/3/05).

Passo às razões deste juízo de retratação.

Ao proferir decisão contrária aos interesses da defesa, assentei a inviabilidade da absolvição do agravante, tendo em vista demandar o reexame do acervo fático probatório.

Todavia, a argumentação trazida nesta irresignação demonstra plausibilidade jurídica, a conduzir não ao reexame de provas, mas a (re) valoração jurídica dos elementos utilizados para justificar a decisão condenatória.

O tema atinente à (re) valoração jurídica de elementos que ampararam a condenação encontra respaldo na jurisprudência da Corte.

Nesse sentido,

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. AFASTAMENTO DE QUALIFICADORA DESCRITA NA PRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVA EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INOCORRÊNCIA. 1. A mera revaloração jurídica dos elementos de prova utilizados na apreciação dos fatos pelo magistrado de primeiro grau não implica reexame do acervo fático-probatório, porquanto meramente jurídica a questão de fundo. Precedentes. 2. Na linha da orientação jurisprudencial desta Suprema Corte, ‘o afastamento ou reconhecimento da existência de qualificadoras situa-se no âmbito da competência funcional do Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente para para apreciar e julgar os crimes dolosos contra a vida ( HC nº 66.334-6/SP, Tribunal Pelno, redator para o acórdão o Ministro Moreira Alves, publicado no DJ de 19/05/89), salvo se forem manifestamente improcedentes e incabíveis’ ( HC 108.374, Rel. Min. Luiz Fux)"( HC 126.542-AgR/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, 1a Turma, DJe 03.5.2015). 3. Agravo regimental conhecido e não provido. ( HC 132981 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 6/8/2018)".

"Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Recurso especial. Revaloração do conjunto fático-probatório. Admissibilidade . Hipótese que não se confunde com reexame de provas. Precedentes. Estupro (art. 213, § 1º, do CP). Pena. Dosimetria. Continuidade delitiva (art. 71, CP). Majoração da pena no máximo legal de 2/3 (dois terços). Admissibilidade. Delitos praticados durante 6 (seis) anos contra a mesma vítima. Imprecisão quanto ao número de crimes. Irrelevância. Dilatado lapso temporal que obsta a incidência do aumento em apenas 1/6 (um sexto). Ordem denegada. 1. A revaloração de elementos fático-jurídicos, em sede de recurso especial, não se confunde com reapreciação de matéria probatória, por se tratar de quaestio juris, e não de quaestio facti. Precedentes. 2. Na espécie, toda a matéria fática foi bem retratada na sentença e no acórdão do tribunal local, razão por que se limitou o Superior Tribunal de Justiça a emprestar-lhe a correta consequência jurídica. 3. Segundo pacífica jurisprudência da Suprema Corte, o quantum de exasperação da pena, por força da continuidade delitiva, deve ser proporcional ao número de infrações cometidas. Precedentes. 4. A imprecisão quanto ao número de crimes praticados não obsta a aplicação da causa de aumento de pena da continuidade delitiva no patamar máximo de 2/3 (dois terços), desde que haja elementos seguros que demonstrem que vários foram os delitos perpetrados ao longo de dilatado lapso temporal. 5. Ordem denegada. ( HC 127158, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe 27/8/2015)"

Pois bem, fixadas essas premissas, prossigo no exame da pretensão. Não se descuida, é verdade, que o tráfico de drogas é crime grave,

exigindo do Estado medidas de prevenção e repressão mais rigorosas.

Todavia, a consequência jurídica prevista na norma há de observar os contornos da imputação e o sopesamento dos elementos de prova colhidos, isso em apreço ao princípio da individualização da pena na fase judicial.

Nesse contexto, destaco a conclusão do TJSP:

"Consta da prologal acusatória que"no dia 27 de outubro de 2020, por volta das 16h30, na Praça Santo Expedito, localizada na Rua Rio Grande do Norte, Bairro Piracicamirim, nesta cidade e comarca de Piracicaba, XXXXXXXXXXXXXX, qualificado e indiciado a fls. 16/19, tinha em depósito, para fins de venda ou entrega ao consumo de terceiros, 11 (onze) invólucros contendo cocaína, na forma de crack, com peso líquido de 1,8 gramas (um grama e oito decigramas) , substância entorpecente que causa dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar (Auto de exibição e apreensão, fls. 8; laudo constatação provisória, fls. 12/13; fotografia, fls. 14; laudo definitivo, fls. 9/10).

É dos autos que policiais civis no desempenho de suas funções receberam informações de que um homem branco e alto, que costumava permanecer na Praça Santo Expedito, estaria naquele local vendendo drogas.

Os funcionários públicos foram investigar a delação anônima e permaneceram observando o lugar, quando identificaram o denunciado, que se dirigiu a uma escadaria e mexeu em alguma coisa.

Os investigadores fizeram a abordagem e, sob o cobertor onde XXXXXX estava deitado, localizaram R$ 40,00 (quarenta reais) em dinheiro . Na referida escadaria, foram apreendidas a onze porções de crack, que o denunciado guardava para o comércio ilícito, conforme denúncia que motivou a ação policial.

A destinação da droga para o comércio ilegal é evidenciada pela delação anônima, pelas circunstâncias da prisão, pela quantidade e forma de embalagem. Tudo corroborado pelo dinheiro apreendido, produto da traficância"(fls. 107/8).

(...)

Em Juízo, dizendo-se usuário de substâncias ilícitas, XXXXXXXXX assinalou que" estava lá sim nesse local, só que me abordaram e acharam a droga lá e falaram que era minha ". Aduziu que" a droga não era minha, fui lá para comprar, o colchão não é meu, eu estava sentado ". Disse também que" não sei de quem que é o dinheiro (..), fui lá mesmo para comprar, já tinha comprado a droga, estava escondida na escada, esses onze papéis eram meus, comprei para usar e de vez em quando eu dava para um ou para outro colega que chegava "(mídia digital).

No entanto, a realidade da vil mercancia resulta de prova firme e harmônica, consistente sobretudo no Boletim de Ocorrência (fls. 06/7), no Auto de Exibição e Apreensão (fls. 08), nos laudos de constatação (fls. 12/4) e de exame químico- toxicológico (fls. 146/7: atestando que o narcótico apreendido consistia em crack, com peso líquido de 1,8g), bem como nos depoimentos dos Investigadores de Polícia XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX (fls. 03, 04 e mídia digital)" (Doc. 2, p. 141/148).

Como visto, a condenação do requerente pela prática do tráfico de drogas lastreou-se em elementos mínimos presentes na maior parte dos delitos dessa espécie, mas às vezes insuficientes para a caracterização da infração em todos os casos.

Nesse contexto, há indicativos nos autos de que o depoimento dos policiais ganhou ênfase frente aos demais elementos de prova.

Relativamente às declarações dos Policiais Civis XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, tem-se que vieram a abordar o agravante após notícia anônima, afirmando que este encontrava-se em situação suspeita. A esse respeito, destaco:

"Dessa forma, certo é dos autos que o réu foi denunciado aos policiais pela prática de tráfico no local dos fatos. La chegando, foi visto mantendo contato com pessoas que o procuravam e depois disso mexia em um ponto ao lado de um escadaria ali existente (...) (e-STJ Fl.87)

É sabido que os agentes públicos gozam de fé pública, contudo, a situação retratada não traz elementos robustos aptos a comprovar, com segurança, tratar-se de pessoa afeta à venda ilegal de drogas, consideradas as circunstâncias do apontado delito.

A apreensão de inexpressiva quantidade de drogas e pequena quantia em dinheiro não são suficientes para a caracterização do crime de tráfico de drogas.

Não fosse esse o raciocínio, o legislador ordinário não teria lançado mão do tipo penal previsto no art. 28, caput, da Lei nº 11.343/2006.

Como dito, a traficância habitual exige o mínimo de logística. É comum àquele que atua nessa senda valer-se de instrumentos viabilizadores da prática ilícita, tais como: local adequado para depósito e acondicionamento das substâncias entorpecentes, às vezes em quantidade expressiva, balança de precisão, embalagens, caderno de anotações e nos cenários mais articulados a participação de colaboradores.

No caso sob exame, tem-se condenação de pessoa em situação de rua, encontrado na escadaria de praça pública com 1,8 de grama de cocaína e R$ 40 (quarenta reais) em dinheiro. Logo, é comum que nestes ambientes sejam encontrados usuários, os quais buscam a droga como meio para amenizar as dificuldades diárias. Infelizmente, esse é cenário nos grandes centros urbanos do país.

Sob esse enfoque, torna-se difícil distinguir o usuário daquele que faz do tráfico de drogas meio de vida, devendo-se atentar para as possíveis diferenças. Ademais, não se pode olvidar as declarações do agravante na fase judicial, pois no sentido do porte de drogas para uso.

Acrescente-se que os antecedentes e a reincidência, por si só, não justificam a imputação, mormente quando o histórico desfavorável não guarda pertinência com delito que ensejou a condenação. No caso, o agravante apresenta condenações por delitos de outra natureza (furtos e estelionato).

Desse modo, não há indicação do envolvimento anterior com a mercancia ilícita de drogas apta a reforçar a conclusão do julgador acerca da prática do crime de tráfico de drogas, pois o quadro sinaliza mais para a situação de uso.

Com efeito, a definição jurídica e a respectiva consequência para esse caso específico mostraram-se desproporcionais, porque além de imputar a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, impôs a pena de 7 anos de reclusão no regime fechado.

Sob esse prisma, merece destaque julgado da Corte que enfrentou controvérsia assemelhada:

"HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. EXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA APTA A AFASTAR A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691. TRÁFICO DE DROGAS. QUANTIDADE ÍNFIMA DE ENTORPECENTES (8,3 GRAMAS). DENÚNCIA POR TRÁFICO. CONDUTA QUE NÃO SE ADEQUA AO TIPO PENAL DO ART. 33 DA LEI DE TÓXICOS. EXISTÊNCIA DE FATOS E PROVAS QUE DEMONSTRAM O DEPÓSITO PARA CONSUMO PESSOAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM HABEAS CORPUS. EXCEÇÃO JUSTIFICADA PELA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA. I - Peculiaridades do caso que revelam a existência de contexto fático apto a ensejar a admissão da presente ação constitucional, de modo a superar o verbete da Súmula 691/STF. II - Preso em flagrante, teve prisão posteriormente convertida em preventiva, por guardar em sua residência, 8 gramas de crack e 0,3 gramas de cocaína. Conduta que se assemelha ao tipo penal de consumo pessoal e não do tráfico de drogas. III - O trancamento da ação penal em habeas corpus só é justificável diante da ocorrência de situações de ilegalidade ou teratologia, tais como aquelas constantes do art. 395 do Código de Processo Penal: (i) a denúncia for manifestamente inepta; (ii) faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; (iii) faltar justa causa para o exercício da ação penal. IV - Ordem concedida para trancar a ação penal e conceder a liberdade ao paciente, salvo se estiver preso por outro motivo"( HC 138565, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 3/8/2017).

Na situação acima descrita o paciente foi encontrado com 8 gramas de crack e 0,3 grama de cocaína na residência. No caso ora sob exame, tratando-se de morador de rua, evidente que a droga só poderia ser encontrada no local onde vive. Assim, viável a mesma conclusão jurídica para contextos assemelhados.

Por essas razões, reconsidero a decisão agravada para desclassificar o crime imputado ao agravante (art. 33, caput) na Ação Penal nº 1501383- 87.2020.8.26.0599, para o descrito no art. 28, caput, da Lei nº 11.343/2006.

Cumpre ao Juízo da 3a Vara Criminal da Comarca de Piracicaba - caso o paciente não esteja preso por outro motivo - determinar a expedição alvará de soltura.

Publique-se. Int..

Brasília, 20 de março de 2023.

Ministro DIAS TOFFOLI

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(STF - HC: 208618 SP, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 20/03/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-069 DIVULG 30/03/2023 PUBLIC 31/03/2023)

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