Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
5 de Maio de 2024

STJ 2023 - Trancamento de Ação Penal - Corrupção - Denúncia não Descreve Ato de Ofertar Propina - Inépcia por ausência de elementar do tipo

há 5 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 791032 - SP (2022/0394293-8)

RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO

I

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus , com pedido de liminar, impetrado em favor de XXXXXXXXXXXXI, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no HC n. 2150230-54.2022.8.26.0000, de fls. 37-96, assim ementado:

"HABEAS CORPUS. Nulidade da decisão que recebeu a inicial acusatória, por ausência de fundamentação, em desacordo com o disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição da Republica Federativa do Brasil. Inexistência. A diretriz jurisprudencial firmada pela Colenda Suprema Corte orienta-se no sentido de que não é necessária embora desejável e conveniente a fundamentação do ato que recebe a denúncia (RTJ 160/299-300, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA RTJ 198/1090, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE HC 82.242/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES HC 118.183/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA HC 128.435/TO, Rel. Min. ROSA WEBER HC 138.413-AgR/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO RHC 87.005/RJ , Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA RHC 97.598/SC, Rel. Min. ELLEN GRACIE RHC 116.006- AgR/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO RHC 118.379/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI RHC 120.267/SP, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI.)

Quanto à alegação de que a peça acusatória teria sido

baseada exclusivamente em colaboração premiada, razão não assiste à Impetração. Não se desconhece que a lei nº 13.964 /19 (Anticrime) proíbe a aplicação de medidas cautelares, recebimento de denúncias e queixas-crime, além de sentenças condenatórias proferidas apenas com base em delação. Ocorre que, no caso concreto, o membro do Ministério Público indicou elementos suficientes que indicam a presença de demais elementos aptos a acompanhar os termos de delação, não havendo que se falar em inépcia da exordial.

Trancamento da ação penal. Impossibilidade. No caso dos autos, para se estabelecer a ocorrência ou não da responsabilização penal do paciente necessário se faria uma análise aprofundada da prova, o que, por certo, não pode ser feita nesta via eleita, devendo, portanto, tais alegações serem analisadas no julgamento do mérito da ação penal.

[...]

Ordem denegada, liminar cassada."

No presente writ, sustenta a il. Defesa "atipicidade da conduta descrita no art. 333, caput, do CP, pois o mero pagamento de vantagem previamente solicitada ou exigida por agente público não basta para o reconhecimento do crime em questão, ausente, como na espécie, qualquer iniciativa da oferta ou da promessa por parte do particular" (fl. 4). Aponta que "o ato impugnado jamais fez referência à existência de iniciativa, por parte do paciente, de oferta ou promessa de vantagem indevida aos fiscais integrantes da organização criminosa" (fl. 7) e que as declarações do colaborador falecido, Marco XXXXXXXX, são claras ao indicar que houve "crime de concussão praticado por parte dos fiscais do Município, do qual ele e o paciente foram vítimas" (fl. 8).

A fim de reforçar a referida tese, colaciona "acórdão do próprio TJ-SP, referente à mesma Máfia dos Fiscais, que, em caso rigorosamente idêntico, ABSOLVEU SUMARIAMENTE empresários da Construtora Diálogo (processo n. 0066705- 34.2017.8.26.0050) por entender que o mero pagamento efetuado a partir de prévia solicitação ou exigência de vantagem indevida não se subsome no tipo penal do art. 333, caput, do CP" (fl. 13) e r essalta "que a UXXXXXXXX não necessitava de nenhuma intervenção ilegal ou favorecimento para obter a imunidade a que sempre fez jus desde o ano de 1974, o que torna incontroversa a ação criminosa da Máfia dos Fiscais" (fl. 14).

Alega "falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal, por ausência de demonstração mínima de indícios de autoria e prova de materialidade delitiva" e recebimento da denúncia "com base exclusivamente na palavra de colaborador premiado, sem qualquer elemento externo de corroboração, em manifesta contrariedade ao art. , § 16, da Lei 12.850/13" (fl. 4). Aduz que "a decisão de recebimento da denúncia também não levou em conta a total ausência de prova testemunhal que apontasse o suposto oferecimento ou promessa de vantagem por parte do paciente, sendo pertinente destacar que não houve prova documental ou pericial nesse sentido, capaz de sustentar a imputação de corrupção ativa", concluindo não subsistir "justificativa para a manobra do Ministério Público de denunciar o paciente sem base empírica idônea, para somente depois apurar, o que caracteriza inaceitável subversão lógica das garantias constitucionais asseguradas ao paciente, notadamente o consagrado devido processo legal ( CF, art. 5º, LIV) em sua dimensão formal e substancial" (fl. 23).

Afirma, outrossim, "inépcia da denúncia , que não descreveu as condutas correspondentes aos núcleos do tipo penal do art. 333, caput, do CP" (fl. 4) , discorrendo que a exordial acusatória "descreve o pagamento, mas não como se deu a suposta iniciativa de oferta ou promessa" (fl. 24).

Requer, seja deferida a liminar "para se determinar a suspensão do andamento da Ação Penal nº 1028412-36.2021.8.26.0050, em trâmite contra o paciente na 5a Vara Criminal da Comarca da Capital"; no mérito pugna pela concessão da ordem para que se determine o trancamento da ação penal (fls. 33-34).

Liminar deferida às fls. 394-401.

Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ às fls. 483-491.

É o relatório.

Decido.

A presente impetração busca o trancamento da ação penal por atipicidade da conduta constante do art. 333, parágrafo único, do Código Penal, diante da inexistência de iniciativa por parte do paciente de oferta ou promessa de vantagem indevida aos fiscais integrantes do esquema criminoso desvendado na Operação Necator - Máfia do ISS .

Sustenta, ainda, ausência de justa causa para o seu exercício diante da falta de demonstração, pelo órgão acusatório, de indícios mínimos de autoria e materialidade em sua peça acusatória, porquanto a denúncia teria sido recebida com base exclusivamente nas palavras de agente colaborador, em sede de colaboração premiada, em contrariedade ao art. 4, § 16, II, da Lei n. 12.850/13.

Por fim, pugna pela inépcia da peça acusatória, ante ausência de descrição

mínima das condutas subsumíveis ao tipo penal imputado ao ora paciente.

Como é cediço, o trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

A exordial acusatória (fls. 101 a 133) imputa ao ora Paciente EDUARDO XXXXXXXXI , reitor da UXXXXXXX, a prática de corrupção ativa junto a agentes fiscais do Município de São Paulo, a fim de que essa instituição de ensino superior fosse beneficiada pela imunidade tributária referente a tributos municipais, nos seguintes termos:

"DAS CORRUPÇÕES ATIVA E PASSIVA

JOSÉ XXXXXXX e LEONARDO XXXXXXA, em datas incertas, no período compreendido entre os anos de 2007 e 2012 , nesta Cidade e Comarca, solicitaram , para si e outrem, diretamente, em razão das funções públicas que exerciam, quais sejam, Auditor Fiscal de Tributários Municipais da Prefeitura de São Paulo e Diretor da Divisão de Imunidades, Isenções e Regimes Especiais - DIESP, respectivamente, vantagens indevidas dos representantes da UNIXXXXXXXXXX para a manutenção e reconhecimento da imunidade tributária da instituição de ensino junto ao Município de São Paulo, referente aos anos fiscais de 2009/2012.

Nas mesmas referidas oportunidades, entre os anos de 2007 e 2012 , EDUARDO SXXXXXXXXXXI, reitor da UNIxXXXX, agindo em concurso com o já falecido MARCO AXXXXXXXXXX, ofereceu e prometeu vantagens indevidas a JOSÉ XXXXXXXS e LEONARDO XXXXXXXXXX para que os funcionários públicos garantissem e mantivessem à instituição de ensino a imunidade tributária Municipal do período compreendido entre os anos 2009 e 2012.

[...]

Assim, em data não precisa do ano de 2007, JOSÉ XXXXXXX compareceu na UNIXXXXXXX e fez nova solicitação de propina para EDUARDO SXXXXXX e o já falecido MARCOS XXXXX para que houvesse manutenção da imunidade nos anos vindouros.

[...]

EDUARDOXXXXXXXX, reitor, e o já falecido MARCO XXXXX MxXX, novamente optaram pelo pagamento de propina.

Conforme apurado, a entrega dos valores para JOSÉ RODRIGO perdurou até 2012. Os pagamentos se deram em parcelas desiguais, em espécie, sendo certo que nas diversas ocasiões MARCO

AXXXXXXXXA, com a anuência de EDUARDO XXXXXXX, efetuava as entregas para JOSÉ RODRIGO na unidade da UNXXXX - Vergueiro, garantindo à instituição de ensino a imunidade tributária.

[...]

Foi nesse contexto que LEONARDOXXXXXXXX, então Chefe da Divisão de Imunidades, Isenções, Incentivos Fiscais - DIES, ciente da relação espúria capitaneada, exclusivamente, até então por JOSE RODRIGO DXXXXXXX, compareceu em uma das unidades da UNINXXXXXX, nesta Cidade e Comarca, e solicitou R$ 1 milhão aos representantes da UNIXXXXXXx para a concessão da imunidade tributária da instituição de ensino.

[...]

A relação criminosa teve início em 2008 e perdurou até, no mínimo, 2012. Ao final, o funcionário público auferiu propina no valor aproximado de R$ 1 milhão, pagos em espécie, em 04 ou 05 parcelas.

[...]

Conforme narrado pelos colaboradores , LEONARDOXXXXXX compareceu na instituição de ensino e solicitou o valor ilícito de R$ 1 milhão para a concessão da imunidade. Cônscios do prejuízo que a instituição teria caso a imunidade não fosse renovada, os corruptores concordaram e realizaram os pagamentos para o agente público."

Pela simples leitura da denúncia, constata-se a incompatibilidade na narrativa dos fatos, na medida em que se descreve que os fiscais teriam solicitado vantagens indevidas e ao mesmo tempo que EDUARDO e o falecido MARCO XXXXXX teriam oferecido e prometido tais vantagens na mesma oportunidade.

Além disso, a inicial acusatória se resume a indicar contatos feitos por agentes fiscais municipais, que "solicitavam" vantagens indevidas ao reitor e ao pró-reitor da instituição de ensino e que estes, por sua vez, realizavam os pagamentos, sem, contudo, apontar em momento algum como se deu a suposta promessa ou oferta por parte de qualquer deles.

Ocorre que tipo penal mencionado assim dispõe:

"Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional."

Nota-se, portanto, que não há qualquer individualização das condutas típicas supostamente realizadas pelo paciente, o que não satisfaz os requisitos da denúncia, conforme dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal, in verbis:

"Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas."

Vislumbra-se, ainda, a inépcia da exordial acusatória, porquanto, além de não individualizar a conduta típica a contento, também não expõe o modo, meio, forma ou local de realização dos verbos nucleares da conduta. Nesse sentido, cumpre destacar o seguinte entendimento doutrinário:

"Devem estar relatadas na denúncia todas as circunstâncias do fato que possam interessar à apreciação do crime, sejam elas mencionadas expressamente em lei como qualificadoras, agravantes, atenuantes, causas de aumento ou diminuição de pena etc., como as que se referem ao tempo, lugar, meios e modos de execução, causas, efeitos etc. Devem ser esclarecidas as questões mencionadas nas seguintes expressões latinas: quis (o sujeito ativo do crime); quibus auxiliis (os autores e meios empregados); quid (o mal produzido); ubi (o lugar do crime); cur (os motivos do crime); quomodo (a maneira pelo qual foi praticado) e quando (o tempo do fato)" (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. São Paulo: Atlas,

p. 128).

Isso porque "as exigências relativas à exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias ’ atendem à necessidade de permitir, desde logo, o exercício da ampla defesa" (PACELLI, Eugênio Curso de processo penal / Eugênio Pacelli. -25. ed. -São Paulo: Atlas, 2021. p.138-146).

A título de exemplo, com relação à propina supostamente "solicitada" pelo fiscal LEONARDO, a inicial aponta que "a relação criminosa teve início em 2008 e perdurou até, no mínimo, 2012 . Ao final, o funcionário público auferiu propina no valor aproximado de R$ 1 milhão, pagos em espécie, em 04 ou 05 parcelas" . Não há porém na narrativa encampada pelo órgão de acusação elucidação sobre onde e quando o pagamento ocorreu. E mais, quem teria entregado o dinheiro em espécie nas ocasiões?

Quanto à outra imputação, referente à entrega dos valores ao fiscal JOSÉ XXXXX, a denúncia tentou traçar, ainda que superficialmente, as circunstâncias do pagamento, porém no bojo da peça, há outros elementos que não permitem compreensão adequada dos fatos.

De acordo com a acusação, os pagamentos feitos ao fiscal JOSÉ RXXXXXXX foram realizados pelo falecido MARCO XXXXX, nos seguintes termos:

"Conforme apurado, a entrega dos valores para JOSÉ ROXXXXXXXX perdurou até 2012 . Os pagamentos se deram em parcelas desiguais, em espécie, sendo certo que nas diversas ocasiões MARCO AXXXXXXXA , com a anuência de EDUARDO SXXXXXXXX, efetuava as entregas para JOSÉ RODRIGO na unidade da UNIXXXXXXX - Vergueiro, garantindo à instituição de ensino a imunidade tributária".

Tais dados foram extraídos da colaboração premiada celebrada por MARCO XXXXXX, que foi colacionada no bojo da denúncia; porém, logo na primeira linha da transcrição, surge a informação de que ele "saiu da instituição, em maio de 2009" (e-STJ fl. 115). Dessa forma, não fica claro se ele teria permanecido efetuando os pagamentos após a sua saída e por quais motivos o teria feito.

Veja-se, outrossim, que na denúncia (e-STJ fl. 105) consta que em processo anterior, também em desfavor do ora paciente, apurou-se que "os pagamentos perduraram até o ano de 2009 , e, conforme apurado, foram recebidos pelo ex-auditor fiscal JOSÉ XXXXXXXXS". No entanto, na referida peça consta que aludido pagamento teria ocorrido entre 2003 e 2007 (e-STJ fl. 119).

Tal questão poderia ser irrelevante, não fosse o fato de estarem sendo apurados nesta persecução penal novos pagamentos supostamente realizados ao mesmo fiscal entre os anos de 2007 a 2012, havendo nítida interseção de datas que precisam estar bem delimitadas para que se evite bis in idem e para que seja viável o contraditório a ser instituído em juízo.

Como visto, há uma lacuna na inicial acusatória que, embora atribua ao paciente a prática do crime de corrupção ativa, não expõe satisfatoriamente o fato criminoso, circunstância que acarretaria, acaso admitida a acusação, considerável prejuízo ao exercício da ampla defesa

.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte e do Pretório Excelso:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO ATIVA. PEÇA INAUGURAL. REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 41 DO CPP. NÃO ATENDIMENTO INÉPCIA EVIDENCIADA. 1. Hipótese em que o agravado, na qualidade de diretor administrativo da empresa AcumuladoreXXXXXXXXXX, foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 333, parágrafo único, do Código Penal, por ter supostamente oferecido vantagem de apoio político ao auditor fiscal da Receita Federal para que ocupasse o cargo de Superintendente da Receita Federal em Pernambuco em troca da indevida concessão de benefícios tributários à sua empresa. 2. O devido processo legal constitucionalmente garantido deve ser iniciado com a formulação de uma acusação que permita ao denunciado o exercício do seu direito de defesa, para que eventual cerceamento não macule a prestação jurisdicional reclamada . 3. É dever do órgão acusatório narrar de forma satisfatória a conduta delituosa atribuída ao agente, descrevendo todas as suas circunstâncias, conforme a norma disposta no artigo 41 do Código de Processo Penal, para que seja viável o contraditório a ser instituído em juízo. 4. In casu, embora extensa, a narrativa exposta pelo Ministério Público Federal na peça acusatória é dotada de elevado grau de abstração . 5. A inicial acusatória não identifica a oferta ou promessa de de vantagem indevida e tampouco relata qual ou quais atos de ofício foram ou teriam sido praticados, omitidos ou retardados em razão da suposta vantagem indevida que teria sido, em tese, ofertada. 6. É inepta a denúncia que não descreve a conduta típica atribuída ao acusado, não permitindo o exercício do direito da ampla defesa constitucionalmente garantido. 7. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no REsp 1456356/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 16/02/2018)

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO PORTO SEGURO. CORRUPÇÃO ATIVA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. DESCRIÇÃO DA CONDUTA. DEMONSTRAÇÃO DOS ELEMENTOS DO TIPO PENAL IMPUTADO. AUSÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Orienta-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que o trancamento da ação penal é medida de exceção, possível somente quando inequívoca a inépcia da denúncia e/ou a ausência de justa causa. 2. É inepta a denúncia quanto ao delito do art. 333, parágrafo único, do Código Penal, atribuído ao recorrente em razão da ausência de demonstração da forma como o referido delito teria sido cometido , não se podendo extrair, seja por meio de uma apreciação sistêmica da inicial acusatória, seja pela análise do ponto específico relativo ao Núcleo da Secretaria de Patrimônio da União no Estado de São Paulo, qualquer conduta que evidencie a participação de RUBENS CARLOS VIEIRA nos crimes de corrupção ativa. 3. Não há descrição, ademais, a respeito do oferecimento de vantagem indevida por parte do recorrente a funcionário público para determiná-lo a praticar ato de ofício, que efetivamente tenha sido praticado com infringência de dever funcional, não se podendo presumir, com base nos elementos constantes dos autos, o nexo existente entre a conduta imputada e a efetiva atuação do recorrente na prática delitiva narrada na denúncia. 4. Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso em habeas corpus para determinar o trancamento da ação penal em relação ao crime de corrupção ativa na Secretaria de Patrimônio da União imputado ao recorrente RUBENS XXXXXXXXXXX, nos autos da Ação Penal n. 0002626- 63.2014.4.03.6181, da 5a Vara Federal Criminal de São Paulo. ( RHC 82.611/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 21/06/2019)"

Habeas corpus. Ação penal. Evasão de divisas (art. 22 da Lei nº 7.492/86). Trancamento. Inépcia da denúncia. Admissibilidade. Imputação derivada da mera condição de o paciente ser diretor- presidente das empresas. Ausência de descrição mínima dos fatos. Denúncia que individualizou as condutas de corréus. Possibilidade de diferenciação de responsabilidades dos dirigentes da pessoa jurídica. Teoria do domínio do fato. Invocação na denúncia. Admissibilidade. Exigência, contudo, da descrição de indícios convergentes no sentido de que o paciente não somente teria conhecimento da prática do crime como também teria dirigido finalisticamente a atividade dos demais agentes. Violação da regra da correlação entre acusação e sentença. Ordem de habeas corpus concedida para determinar o trancamento da ação penal em relação ao paciente. 1. O trancamento da ação penal em habeas corpus é medida excepcional, a ser aplicada quando evidente a inépcia da denúncia ( HC nº 125.873/PE-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 13/3/15). 2. A denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é inepta. Precedentes. 3. Nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, um dos requisitos essenciais da denúncia é "a exposição do fato, com todas as suas circunstâncias". 4. Esse requisito, no caso concreto, não se encontra devidamente preenchido. 5. A denúncia, embora tenha narrado em que consistiu a evasão de divisas, se limitou a imputar ao paciente o concurso para o crime em razão de ser, à época dos fatos, diretor- presidente das empresas, cargo que lhe conferiria "o domínio do fato concernente às principais ações das referidas empresas". Ainda de acordo com a denúncia, "não é crível que lhe passassem despercebidas negociações tão vultosas, que montavam a cerca de 1% de todo o capital social do grupo". 6. Nesse contexto, a denúncia, em relação ao paciente, não contém o mínimo narrativo exigido pelo art. 41 do Código de Processo Penal, [...] 3. Exigível, portanto, que a denúncia descrevesse atos concretamente imputáveis ao paciente, constitutivos da plataforma indiciária mínima reveladora de sua contribuição dolosa para o crime. 14. A denúncia contra o paciente, essencialmente, se lastreia na assertiva de que "não [seria] crível que lhe passassem despercebidas negociações tão vultosas [aproximadamente cinco milhões de dólares], que montavam a cerca de 1% de todo o capital social do grupo". 15. Nesse ponto, a insuficiência narrativa da denúncia é manifesta, por se amparar numa mera conjectura, numa criação mental da acusação, o que não se admite. Precedente. 16. A deficiência na narrativa da denúncia, no que tange ao paciente, inviabilizou a compreensão da acusação e, consequentemente, o escorreito exercício da ampla defesa. 17. Ademais, sem uma imputação precisa, haveria violação à regra da correlação entre acusação e sentença. 18. Ordem de habeas corpus concedida para determinar, em relação ao paciente, o trancamento da ação penal, por inépcia da denúncia. (HC 127397, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 06/12/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-169 DIVULG 01-08-2017 PUBLIC 02-08-2017)

Quanto à alegação de ausência de justa causa, embora a denúncia se fundamente de sobremodo em colaboração premiada, não é possível constatar de plano se o recebimento da exordial acusatória ocorreu apenas com base nas palavras de delator, porquanto a narrativa acusatória menciona, ainda que de forma sucinta, que os colaboradores foram confrontados com provas de pagamento em valor superior ao inicialmente apurado, conforme se infere do seguinte trecho:

"diante da situação, além do oferecimento da denúncia nos autos do PIC sob nº 05/18, já julgada procedente em primeiro grau, prosseguiu-se, em paralelo, na investigação no presente PIC, sob nº 31/18, no âmbito do qual os investigados EDUARDO XXXXXXXXXX e MARCO XXXXXX, confrontados com provas de que houvera pagamentos em valor superior ao inicialmente declarados, optaram por formalizar acordo de colaboração premiada".

Dessarte, como a denúncia faz simples menção a tais provas, sem expor com maiores detalhes em que consistiriam, mais um vez o que se verifica é a inépcia da inicial, que acaba por prejudicar a análise da ausência ou não de justa causa. Em outras palavras, "com o reconhecimento da inépcia da peça vestibular no tocante ao delito previsto no artigo 333 do Código Penal, resta prejudicado o exame da alegada ausência de provas de autoria em desfavor do réu" ( RHC n. 65.747/MS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 7/4/2016, DJe de 13/4/2016).

Por fim, entendo ser prematura a análise da alegada atipicidade da conduta, porque esse exame demandaria uma compreensão mais completa da acusação e confronto com a narrativa exposta na inicial, o que, como explicado, ainda não é possível. Como restou acolhida a alegação de inépcia da denúncia, é temerário afastar a tipicidade da conduta sem que haja a devida readequação na narrativa acusatória.

Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus, determinando o trancamento da Ação Penal nº 1028412-36.2021.8.26.0050 em relação a EDUARDO XXXXXXXXI, quanto às acusações de corrupção ativa, sem prejuízo do oferecimento de outra denúncia, livre dos vícios ora destacados.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 24 de agosto de 2023.

Ministro Messod Azulay Neto

Relator

(STJ - HC: 791032, Relator: MESSOD AZULAY NETO, Data de Publicação: 25/08/2023)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

  • Publicações1084
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações31
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-2023-trancamento-de-acao-penal-corrupcao-denuncia-nao-descreve-ato-de-ofertar-propina-inepcia-por-ausencia-de-elementar-do-tipo/2076935999

Informações relacionadas

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 5 meses

STJ Set23 - Pauta de Julgamento Disponibilizada apenas em nome do Réu - Nulidade e Cerceamento de Defesa

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Artigoshá 5 meses

STF Set23 - Semiaberto Harmonizado - Domiciliar com Monitoramento Eletrônico

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Artigoshá 5 meses

STJ 2023 - Condenação Baseada em Interceptação Telefônica e Testemunhas - Ilegalidade - Lei de Drogas

Elias Georges Kassab Jr, Advogado
Notíciashá 5 meses

Motorista que tinha 425 pontos na sua CNH, consegue recuperar o seu Direito após Decisão do TJ-SP.

Cássio Duarte, Advogado
Notíciashá 5 meses

STJ decide que não cabe decisão monocrática para negar seguimento a agravo interno

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)