Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
2 de Maio de 2024

STJ Ago23 - Absolvição em Crime de Porte Ilegal de Munição - Fogos de Artifícios seria analogia in malam partem

há 6 meses

Inteiro Teor

RECURSO ESPECIAL Nº 2052761 - RJ (2023/0044009-0)

RELATOR : MINISTRO JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR

CONVOCADO DO TJDFT)

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão que negou provimento ao apelo defensivo, assim ementado:

EMENTA - APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILE- GAL DE ARTEFATO EXPLOSIVO (ART. 16, PA RÁGRAFO ÚNICO, III, DA LEI N.º 10.826/03). APELANTE QUE, NO ESTABELECIMENTO COMERCIAL "ARTE COM PAPEL", NO BAIRRO DO TANQUE, EM JACAREPAGUÁ, NESTA CIDADE, MANTINHA SOB SUA GUARDA GRANDE QUANTIDADE DE MATERIAL EXPLOSIVO (FOGOS DE ARTIFÍCIOS), EM DESACORDO COM DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR. NULIDADE DO PROCESSO POR FALTA DE ANÁLISE DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. INOCOR- RÊNCIA. ALEGAÇÕES QUE SE REFEREM, UNICAMENTE, AO MÉRITO. PRETENSÃO DEFENSIVA À ABSOLVIÇÃO, POR ATIPICIDADE DA CONDUTA, QUE SE NEGA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO E DE MERA CONDUTA, QUE SE CONSUMA COM A REALIZAÇÃO DE QUALQUER DAS MODALIDADES DA CONDUTA TÍPICA, INDEPENDENTEMENTE DA AFERIÇÃO CONCRETA DO PERIGO REAL DA CONDUTA PARA A SEGURANÇA INDIVIDUAL OU COLETIVA. REDUÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA IMPOSTA OU A SUA SUBSTITUIÇÃO POR UMA DOAÇÃO DE SANGUE IMPOSSÍVEL. PENA DE MULTA APLICADA DE FORMA ADEQUADA E BEM DOSADA, CONSIDERANDO AS PECULIA- RIDADES DO CASO. EVENTUAL HIPOSSUFICIÊNCIA DO APELANTE QUE DEVE SER ANALISADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR E DESPROVIMENTO DO RECURSO.

Sustenta o recorrente violação do art. 16, parágrafo único, III, da Lei 10.826/2003.

Alega absolvição, sob o argumento de que se mostra atípica a conduta de guarda fogos de artifício sem a devida autorização, visto que "o conceito de artefato explosivo ou incendiário deve ser feito de forma restritiva ao conceito de arma de fogo, o que não se inclui fogos de artifício ou pirotécnicos, pois não são considerados instrumentos de ataque e defesa pessoal.

Requer o provimento do recurso a fim de que seja absolvido.

Contra-arrazoado e admitido na origem, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso.

Consta dos autos que o réu foi condenado como incurso no art. 16, parágrafo único, III, da Lei 10.826/2003, porquanto mantinha sob sua guarda fogos de artifícios, em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.

Quanto à alegação de atipicidade, o acórdão recorrido está assim fundamentado:

Em contrapartida, o acusado (depoimento audiovisual - fl. 92) confessou a prática delitiva, confirmando que a mercadoria, de fato, estava no seu estabelecimento comercial e que não tinha nota fiscal relativa à compra do material. Entretanto, alegou que os fogos de artifício não estavam à venda. Narrou que apenas comprou o material para ajudar um senhor que fazia parte da Igreja de São Jorge, para festividade de homenagem ao santo.

Certo é que a defesa não produziu qualquer prova capaz de macular a certeza dos fatos que emerge do robusto acervo probatório produzido em desfavor do recorrente.

Sendo assim, não há que se falar em absolvição por atipicidade da conduta.

Como bem destacado pelo Ministério Público em segundo grau, trata-se de crime de perigo abstrato e de mera conduta, que se consuma com a realização de qualquer das modalidades da conduta típica, independentemente da aferição concreta do perigo real da conduta para a segurança individual ou coletiva, motivo pelo qual carecer de sustentáculo a tese defensiva.

Nos termos da jurisprudência desta Corte, o"simples fato de possuir ilegalmente munição de uso restrito caracteriza a conduta descrita no artigo 16 da Lei 10.826/2003, por se tratar de crime de perigo abstrato, cujo objeto imediato é a segurança coletiva, motivo pelo qual também é impossível a aplicação do princípio da insignificância em tal espécie de delito, que tem por objetivo proteger a segurança pública e a paz coletiva"( AgRg no HC n. 393.363/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 2/5/2017, DJe de 9/5/2017).

No caso, extrai-se que a Lei 10.826/2003 trata"sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição". Ocorre que fogos de artifício não tem como finalidade principal ofender a segurança pública e a paz social, visto que se destinam à celebração de festividades.

Desse modo, deve ser afastado o critério interpretativo usado pelas instâncias ordinárias, pois, não havendo previsão expressa na lei acerca da guarda de fogos de artifício, incabível a condenação, diante da ofensa ao princípio da legalidade, de modo que a aplicação do art. 16, parágrafo único, III, da Lei 10.826/2003 no presente caso se daria por meio de analogia in malam partem, o que não se permite, porquanto as normas penais incriminadoras, a quais preveem crimes e cominam sanções, não são passíveis de integração pela analogia.

Ressalte-se que"O Direito Penal não admite a analogia in malam partem, sendo inviável o emprego dessa ferramenta hermenêutica para sanar, em desfavor do réu, omissões legais, como corolário do princípio magno da reserva legal, expressão peculiar do Direito Penal"( HC n. 708.226/PR, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1a Região), Sexta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 15/12/2022).

Como bem destacado no parecer ministerial:

Fogos de artifícios são artigos pirotécnicos destinados para serem utilizados em entretenimento e que possuem regramento totalmente diverso daquele previsto às armas e explosivos bélicos tipificados no Estatuto do Desarmamento.

Tanto que é permitido o armazenamento e comercialização de fogos de artifícios comumente utilizado em comemorações diversas na sociedade. Logo, a falta de autorização para o exercício do comércio destes artigos pirotécnicos, quando muito, caracteriza infração administrativa, mas não tipifica crime, por falta de previsão legal.

O tipo previsto no art. 16, parágrafo único (atual § 1º), III, da Lei nº 10.826/03 tutela a segurança pública e a paz social, vedando-se o porte de explosivos bélicos ou incendiários, caracterizados como armamentos que podem gerar graves danos (que podem inclusive transcender à incolumidade pessoal), o que não se confunde com fogos de artifícios cujo potencial de risco é mínimo em relação àqueles artefatos explosivos.

Na espécie, todos os produtos descritos no Auto de Apreensão de fls. 20/22 e-STJ foram caracterizados com a insígnia de" Fogos de Artifícios ". E o Relatório do Laudo Técnico, acostados às fls. e-STJ 84/89, apontou a especificação técnica de todos os produtos periciados como de" Fogos de artifício ".

[...]

Se não bastasse, a sentença condenatória e o acórdão recorrido atestam a especificação dos produtos apreendidos como fogos de artifícios, de sorte que resta incontroverso que os produtos apreendidos são exclusivamente artigos pirotécnicos distintos dos explosivos bélicos ou incendiários capitulados no inciso III, do atual § 1º, do art. 16, da Lei nº 10.826/03, que assim dispõe:

[...]

Equivocou-se a instância ordinária. A conduta de posse de fogos de artifícios imputada ao recorrente é atípica e desprovida de relevância penal, uma vez não tipificada pelo ordenamento jurídico pátrio.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para absolver o acusado, ante a atipicidade da conduta.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 02 de agosto de 2023.

Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT)

Relator

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

(STJ - REsp: 2052761, Relator: JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Data de Publicação: 03/08/2023)

  • Publicações1082
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações70
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-ago23-absolvicao-em-crime-de-porte-ilegal-de-municao-fogos-de-artificios-seria-analogia-in-malam-partem/2013552967

Informações relacionadas

Teoria do desvio produtivo pode ser aplicada por analogia em ação trabalhista

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 6 meses

STJ Ago23 - Dosimetria - Culpabilidade: "consciência maléfica de seus atos" - Fundamento Genérico - Tipo Penal Roubo e Furto

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 6 meses

STJ Ago23 - Execução Penal - Prisão Domiciliar - Violação ao Limite de Circulação com a Perda de 1 dia da Pena por Infração - Ilegalidade

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 6 meses

STJ Ago23 - Dosimetria - Estelionato - Personalidade - Ter Mentido ser Advogado Enquanto Estudante - Réu Não Produz Provas Contra Sí

Ponto Jurídico, Advogado
Notíciashá 2 anos

Supremo invalida súmula do TST que prevê pagamento em dobro por atraso na remuneração de férias

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)