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17 de Maio de 2024

STJ Ago23 - Execução Penal - Prisão Domiciliar - Violação ao Limite de Circulação com a Perda de 1 dia da Pena por Infração - Ilegalidade

há 7 meses

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 825408 - SC (2023/0173395-2)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

XXXXXXXX alega sofrer constrangimento ilegal diante de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina no Agravo em Execução n. 8000119- 56.2023.8.24.0038.

A defesa insurge-se contra ato do Tribunal estadual que, em razão de falta grave (evasão de 11/6/2021 a 26/8/2021), determinou a interrupção no cumprimento da pena na razão de 1 dia para cada registro de violação ao monitoramento eletrônico informado pela Unidade de Monitoramento.

Busca o afastamento da penalidade, pois o apenado continuou sob vigilância e o fato autorizava a sanção disciplinar nos moldes do art. 146-C, parágrafo único, da LEP.

Indeferida a liminar (fls. 433-434) e prestadas as informações (fls. 436- 438), os autos foram ao Ministério Público Federal, que opinou pela denegação da ordem (fls. 456-459).

Decido.

Infere-se dos autos que o paciente cumpre pena privativa de liberdade de 21 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão. Após a progressão ao regime semiaberto , foi beneficiado com a prisão domiciliar , mediante monitoramento eletrônico. Ocorreram "pelo menos cinquenta violações do monitoramento eletrônico, inclusive com rompimento da tornozeleira, o que ensejou a revogação do benefício (em 11-6-2021)" (fl. 363).

Com a recaptura (26/8/2021), houve apuração e homologação da falta grave, consistente em fuga (art. 50, II, da LEP). O Magistrado determinou a interrupção da pena durante o período de evasão, após o rompimento da tornozeleira eletrônica, mas deixou de reconhecer, à razão de 1 dia, cada violação registrada anteriormente. Essa última penalidade foi declarada pelo Tribunal de Justiça, sob os seguintes fundamentos (fls. 362-365, destaquei):

O agravado cumpre pena somada de 21 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 3 meses de detenção, em regime aberto, pela prática de crimes comuns e equiparados a hediondos.

Após a progressão ao regime semiaberto, o apenado foi beneficiado com a antecipação de saída em prisão domiciliar, mediante monitoramento eletrônico, em razão da Súmula Vinculante 56.

Na audiência admonitória realizada em 6-10-2020, o apenado foi cientificado acerca das condições a ele impostas, com destaque para as seguintes:

[...]

Durante o gozo da prisão domiciliar, foram informadas pelo menos cinquenta violações do monitoramento eletrônico, inclusive com rompimento da tornozeleira, o que ensejou a revogação do benefício (em 11-6-2021) e a expedição de mandado de prisão. Com a recaptura (26-8-2021), realizou-se audiência de justificação (28-6-2021) e, após manifestação do Ministério Público e da defesa técnica, o Juízo a quo não acolheu as justificativas apresentadas e reconheceu a prática de falta grave de evasão, aplicando as consequências legais (regressão de regime, alteração da data-base e perda de 1/3 dos dias remidos até o dia da falta). Contudo, embora tenha acolhido o pleito de interrupção durante o período de efetiva evasão, após o rompimento da tornozeleira eletrônica, deixou de reconhecer a interrupção do cumprimento da pena à razão de 1 dia para cada violação registrada anteriormente, conforme requerido pelo Ministério Público.

E, de fato, cabe razão ao agravante.

Sabe-se que a prisão domiciliar mediante monitoramento eletrônico pressupõe a autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado ( CP, art. 36), bem como a submissão às normas da execução penal e cumprimento fiel da sentença ( LEP, arts. 38 e 39, I), de forma que não se pode considerar como cumprida uma pena que, efetivamente, não foi respeitada na íntegra.

A esse respeito, a Resolução do CNJ 412/2021, que estabelece diretrizes e procedimentos para a aplicação e o acompanhamento da medida de monitoramento eletrônico de pessoas, dispõe, em seu art. 6º, que:

Art. 6º. O período durante o qual a pessoa estiver submetida ao monitoramento eletrônico nos casos de saída antecipada ou em substituição à privação de liberdade em estabelecimento penal, com regular cumprimento das condições impostas, será considerado como tempo de cumprimento de pena, assegurando que o período total de sua aplicação não exceda o tempo para cumprimento do requisito objetivo para a progressão de regime.

Parágrafo único. A medida do monitoramento eletrônico prevista no caput poderá ser aplicada por tempo determinado, recomendando-se o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para reavaliação da necessidade de sua manutenção por período inferior ou igual.

Como é consabido, o descumprimento das condições do regime aberto constitui falta grave nos termos da legislação penal, o que enseja a regressão do regime de prisional e a perda de até 1/3 (um terço) dos dias remidos, a teor do que dispõem os artigos 118, I e 127 da Lei de Execução Penal.

E, em que pese o art. 118 do mencionado Diploma legal não prever expressamente, é considerada interrompida a execução da pena quando o reeducando descumpre as condições que lhe foram impostas no regime aberto .

[...]

Assim, diante do evidente descumprimento das condições impostas, ainda que a falta grave reconhecida tenha sido apenas de evasão, imperioso promover também a interrupção dos dias de descumprimento, abatendo-os do tempo de pena cumprido pelo apenado.

Não há, aliás, falar em indevido bis in idem no reconhecimento da interrupção, pois "o reconhecimento da interrupção da pena não pode ser confundido com o reconhecimento da falta grave e a consequente aplicação das sanções legalmente previstas. Veja-se que não se trata de uma dupla penalidade, mas de consequências cumulativas da latente desídia do apenado com o cumprimento da sua reprimenda, cenário onde, além de incorrer em falta grave, ele ainda deve ter o cômputo da sua pena interrompido nos dias de descumprimento das suas obrigações". (TJSC - Agravo de Execução Penal n. 5033338-48.2022.8.24.0038, de Joinville, Quarta Câmara Criminal, Rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, j. em 29/09/2022).

[...]

Ante o exposto, voto por conhecer do recurso e dar-lhe provimento, a fim de determinar ao Juízo a quo que declare a interrupção no cumprimento da pena na razão de 1 (um) dia para cada registro de violação ao monitoramento eletrônico informado pela Unidade de Monitoramento Eletrônico.

A não observância das orientações da monitoração eletrônica poderá acarretar - a critério do juiz, ouvidos o Ministério Público e a defesa - regressão de regime , revogação da autorização da saída temporária e da prisão domiciliar e advertência (art. 146-C, parágrafo único, da LEP). Ainda, de acordo com o art. 146-D da LEP, a monitoração poderá ser revogada quando o condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência .

Assim, a conduta do reeducando constituiria falta grave, pois: "nos termos do art. 146-C, I, da LEP, o apenado submetido a monitoramento eletrônico tem que observar as condições e limites estabelecidos para deslocamento. Ao violar a zona de monitoramento, o apenado desrespeitou ordem recebida, o que configura a falta grave tipificada no art. 50, VI, c/c o art. 39, V, ambos da LEP" ( HC n. 438.756/RS, rel. Ministro Felix Fischer , 5a T., DJe 11/6/2018, grifei).

Não obstante, a referida indisciplina não possui equivalência com a fuga (art. 50, II, da LEP), em relação à qual o período em que o sentenciado permanecer evadido não poderá ser computado como pena efetivamente cumprida.

In casu, o Magistrado de origem reconheceu a prática de falta disciplinar de natureza grave em desfavor do paciente em relação à fuga , ocorrida em momento posterior às violações do monitoramento, e, em consequência, aplicou os consectários legais - regressão prisional, perda de fração dos dias remidos e fixação de nova data-base para nova progressão de regime.

No que tange às violações do monitoramento, por configurarem infração disciplinar de natureza grave, caso assim reconhecida pelo Juízo competente - o que não aconteceu, na hipótese -, caberia a imposição dos efeitos legais do seu reconhecimento , já delineados acima, entre os quais não há a previsão de interrupção à razão de 1 dia para cada descumprimento registrado pela Central de Monitoramento.

Assim, o acórdão impugnado, ao impor ao reeducando sanção não prevista em lei, é ilegal e deve, pois, ser cassado.

Nesse sentido, já se pronunciou esta Corte Superior de Justiça, se não, vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. IMPUGNAÇÃO MINISTERIAL. MONITORAMENTO ELETRÔNICO EM PRISÃO DOMICILIAR. 90 VIOLAÇÕES DA ÁREA DE INCLUSÃO. INTERRUPÇÃO DE 1 DIA DE PENA A CADA VIOLAÇÃO. IRRAZOABILIDADE. APENADO JÁ PUNIDO COM A REGRESSÃO AO REGIME FECHADO, PERDA DE 1/5 DOS DIAS REMIDOS E INTERRUPÇÃO DA DATA BASE. RECURSO IMPROVIDO.

1- Nos termos do art. 50, V e VI, da LEP: comete falta grave: inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei. e descumprir, no regime aberto, as condições impostas. Desse modo, significa falta grave descumprir as condições de monitoramento eletrônico na prisão domiciliar. E de acordo com o art. 146, C, parágrafo único: A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa: I - a regressão do regime; II - a revogação da autorização de saída temporária;

VI - a revogação da prisão domiciliar; VIII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo. Assim, inexiste previsão legal de interrupção da pena na razão de 1 (um) dia para cada registro de violação ao monitoramento eletrônico.

2- Da mesma forma, a jurisprudência caracteriza a violação da zona de vigilância como mera falta grave, para a qual são aplicados apenas os consectários legais de regressão de regime, de perda de dias remidos e de interrupção da data base para nova progressão de regime: Na espécie, o Juízo da Execução Penal, em razão de o Apenado ter deixado de cumprir as orientações quanto ao uso do dispositivo de monitoramento eletrônico (violações ao perímetro datadas de 01/01/2020 a 02/01/2020), homologou a falta grave com fundamento no art. 118, inciso I, da LEP, regrediu o regime imposto para o fechado e declarou a perda de 1/3 (um terço) dos dias remidos. [...] ( AgRg no HC n. 698.075/CE, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 29/3/2022, DJe de 4/4/2022.).

3- No caso, ao iniciar, no dia 2/2/2022, o cumprimento da pena em prisão domiciliar mediante monitoramento eletrônico, a Central de Monitoramento registrou 90 descumprimentos, mas somente em 28/8/2022, houve total desligamento com o equipamento, passando o paciente a estar em situação de evasão, e em 12/10/2022, ele foi recapturado. Portanto, somente no intervalo da fuga, de 28/8/2022 a 12/10/2022, é que houve, efetivamente, a interrupção da pena.

4- Em relação ao período de fuga, o Juiz executório já o considerou como tempo de pena não cumprido. Já no que se refere às 90 violações do monitoramento anteriores à fuga, seja pela falta

de bateria do aparelho empregado, seja pela violação do perímetro estabelecido, o Juiz da execução regrediu o agravado ao regime fechado, aplicou a perda de dias remidos na fração de 1/5, bem como alterou a data base para a data da recaptura. Portanto, se o recorrido já foi punido por 3 sanções, todas elas tendo como consequência o retardo no fim do cumprimento da pena, parece mais que dezarrazoável e desproporcional estabelecer como mais uma sanção a perda de 1 dia de pena a cada violação.

5- Agravo regimental não provido. ( AgRg no HC n. 824.067/SC, relator Ministro Reynaldo Soares

da Fonseca, 5a T., DJe 16/6/2023)

Na mesma direção, cito, ainda, as seguintes decisões monocráticas: HC n. 829.459/SC , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 12/6/2023; HC n. 824.779/SC , Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 16/6/2023; HC n. 824.067/SC , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 22/5/2023.

À vista do exposto, concedo a ordem de habeas corpus, a fim de cassar o acórdão proferido no Agravo em Execução n. 8000119-56.2023.8.24.0038 e restabelecer a decisão de origem, que deixou de determinar a interrupção da pena do paciente à razão de 1 dia para cada descumprimento do monitoramento eletrônico.

Publique-se e intimem-se.

Brasília (DF), 01 de agosto de 2023.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Relator

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(STJ - HC: 825408, Relator: ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: 04/08/2023)

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