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4 de Maio de 2024
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    Voto do Juiz João Lages na representação Eleitoral Movida Contra a Deputada Estadual Sandra Ohana Barcellos

    há 13 anos

    SUJEITO A CORREÇAO E ACRÉSCIMOS ORAIS QUE FIZ NO MOMENTO DA VOTAÇAO.

    Voto. QUESTAO PREJUDICIAL: AGRAVO RETIDO CONTRA DECISAO DO RELATOR QUE ADMITIU INQUIRIR COMO TESTEMUNHAS DO JUÍZO PESSOAS NAO ARROLADAS NA PETIÇAO INICIAL. A defesa alega (em agravo retido que apreciei como questão prejudicial) que a prova testemunhal deferida pelo relator às vésperas da audiência (inquirição das testemunhas EDSON CONCEIÇAO SANTOS DA SILVA e SANDRA MARIA DE SOUZA), apresenta-se como prova surpresa, que ofende o contraditório, a ampla defesa, os arts. 276 e 408 do CPC e à jurisprudência do STJ, colacionada no recurso. Pede para que esta Corte Eleitoral reforme a decisão atacada reconhecendo como prova testemunhal apenas aquelas indicadas na inicial. De acordo com a jurisprudência do TSE: [...] a apresentação do rol de testemunhas deve ocorrer no momento da inicial ajuizada pelo representante e da defesa protocolada pelo representado (Ac. - TSE, de 18.5.2006, no REspe nº 26.148). Contudo, o art. 22, inciso VII, da LC/64, dá poderes ao relator para ouvir terceiros referidos ou testemunhas conhecedoras dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito. Havendo previsão legal, não há que se falar em ofensa aos arts. 276 e 408 do CPC, não tendo aplicação igualmente a jurisprudência do STJ, colacionada no recurso, que diz respeito a caso absolutamente distinto do que se discute neste julgamento. Resta saber se decisão afrontou o contraditório e a ampla defesa. Analisando os autos constatei que em janeiro de 2011, ainda no limiar desta representação, o autor protocolizou uma petição requerendo a substituição das testemunhas RICARDO ARRELIAS e TELMA NERY PAIVA, por SANDRA MARIA DE SOUZA, BENEDITO TAVARES DA COSTA e RAIMUNDA SOUZA DOS SANTOS, ou, alternativamente, que essas últimas três pessoas fossem inquiridas como testemunhas do juízo. Acentuou que como não teve acesso ao inquérito policial não lhe foi possível identificar todos os envolvidos na captação ilícita de sufrágio, motivo pelo qual não arrolou essas pessoas como testemunhas na inicial. Em 10/03/2011, antes mesmo da realização da audiência de instrução, o representante atravessou outra petição asseverando ter tomado conhecimento de que o MPF detinha em seu poder importante elemento de prova para elucidação dos fatos, pelo que insistiu novamente na inclusão de EDSON como testemunha. Causou-me muita estranheza a alegação de que o representante não teve acesso aos autos do IP em face de estarem tramitando sob segredo de justiça. Nunca estiveram. Muito embora a medida tenha sido requerida pela Procuradora Regional Eleitoral, DAMARIS ROSSI BAGGIO DE ALENCAR, em 21/10/2010, ao pedir busca e apreensão e condução coercitiva de pessoas que nem eram testemunhas até aquele momento (fls. 49/53), o pedido que fez de sigilo do IP não foi apreciado, isto é, não foi deferido, como se vê da decisão lançada nas folhas 55 dos autos. Não havia sigilo e ainda assim foi negado vista indevidamente dos autos do IP ao advogado do autor. Ele chegou a reclamar em 17/12/2010 nesta Justiça Eleitoral, e, diante do despacho do Desembargador EDINARDO, que mandou intimá-lo para comprovar a negativa da Procuradoria Regional Eleitoral em conceder-lhe acesso ao respectivo inquérito policial para os fins pretendidos (fls. 16), a ilustre Procuradora supra mencionada lançou cota indevida nos autos, pois não havia termo de vista para ela se manifestar, onde despachou, in verbis : Os autos do IPL 262/2010 encontram-se sob segredo de justiça em razão deste fato esta representante do Ministério Público Eleitoral vê-se impedida de conceder as cópias solicitadas. Contudo, cabe registrar que este órgão ministerial não mais entende necessária a mantença do sigilo, opinando favoravelmente à decretação do fim da medida (fls. 16). Diante destes fatos, o autor não poderia ser prejudicado em seu direito à prova mais do que tinha sido prejudicado até ali. Só que ao invés de decidir logo a questão, o Ilustre Relator somente despachou em 31/03/2011 a petição fora protocolizada em 10/03/2011 , dia anterior à audiência de instrução, quando admitiu a inquirição de EDSON e SANDRA como testemunhas do juízo, por entender que quando está em jogo mandato eletivo deve predominar o interesse público e a verdade real . O juiz fundamentou o ato, embora de forma concisa. Entretanto, como a defesa não foi intimada de que o relator ouviria duas pessoas como testemunhas do juízo, forçoso é reconhecer que ocorreu violação ao contraditório, entendido este como: ... a necessidade de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis (NELSON NERY JUNIOR. Princípios do processo na constituição Federal. 9ª edição. São Paulo : RT, 2009, p. 206). Por este princípio a representada tinha o direito de ser informada previamente de que além das pessoas arroladas na petição inicial como testemunhas, outras mais seriam ouvidas. Só assim poderia se preparar adequadamente, só assim poderia ter a possibilidade de reagir à altura do ato, contrariar aquelas pessoas, influenciar no convencimento do magistrado, ter tempo de fazer contraprova no sentido de demonstrar eventual interesse de EDSON e SANDRA no desfecho da lide em favor do representado. Nem se diga que não houve prejuízo, porque na abertura da audiência a representada agravou por escrito, o que faz supor que tinha conhecimento da decisão. A impressão que tive ao ler as razões recursais foi de que elaborada às pressas, sem muito primor, o que não é típico do Dr. Anaice, que costuma peticionar com maior incursão na prova, na doutrina e jurisprudência. Ele não teve tempo de realizar uma pesquisa maior, indubitavelmente foi colhido de surpresa, tanto que a maioria de suas razões foi rechaçada lá em cima sem muito esforço. Além disso, é sabido que versando a matéria sobre o exercício do direito de defesa o prejuízo é presumido e a bem da verdade a representada tinha de ter prazo para contraditar prova tão decisiva contra ela como é o depoimento dessas duas pessoas, não arroladas na inicial. Também não serve como justificativa a alegação de que em audiência anterior EDSON e SANDRA estavam presentes e assinaram a ciência da redesignação do ato ou que o relator mandou entregar cópia da ata à representada ao mandar intimá-la para comparecer noutra data. O que importa é, primeiramente, que não houve uma decisão imediata do relator sobre o pedido do autor a respeito da admissão de duas testemunhas em acréscimo ao rol inicial, e, em segundo lugar, quando isto aconteceu não se intimou a parte contrária, pois a determinação foi para que SANDRA OHANA fosse intimada para constituir outro advogado e não para tomar conhecimento da decisão judicial atacada (ata da audiência do dia 28/03/2011). Aqui quebrou-se a igualdade processual que a Justiça Eleitoral tinha o dever de garantir. Nos precisos ensinamentos de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO: Ao juiz, como sujeito do processo, compete participação ativa na observância do contraditório, pelo que se pode concluir que os litigantes têm a garantia, o direito ao contraditório, ao passo que o juiz tem o dever de lhes assegurar o contraditório (O princípio do contraditório e sua dupla destinação. Fundamentos do processo civil moderno, 5ª Ed. São Paulo : Malheiros, 2002, v. I, n. 43, p. 124). O procedimento mais razoável, portanto, seria dar prazo para a ré se preparar devidamente para a instrução com aquelas duas pessoas. Como isto não foi feito penso que ocorreu ofensa ao princípio do contraditório, que caracteriza cerceamento de defesa, que, nos ensinamentos de NELSON NERY JUNIOR, é causa de anulação do processo ou do procedimento (Princípios, 2009, p. 210). Não bastasse infração ao contraditório, ontem pedi o depoimento que a testemunha EDSON deu na polícia para cotejá-lo com seu depoimento judicial e a assessoria me informou que esta pessoa não foi inquirida na fase policial, não foi inquirida no IP. Se isto é verdade então restou ferido também o princípio da iniciativa das partes, porque neste ponto o relator não pode ouvir do nada uma pessoa, ele tem de fundamentar e dizer de onde surgiu a prova a ser colhida de ofício, sob pena de substituir o acusador, transformando-se ele próprio em parte processual interessada. Neste pondo a decisão não está fundamentada. Sendo assim, acolho a questão levantada pela defesa para reconhecer como prova válida apenas aquela indicada na inicial, desprezando o testemunho judicial de EDSON e SANDRA. É como voto. MÉRITO. As representações eleitorais fundadas no art. 41-A, da Lei nº 9.504/97, recomendam atenção redobrada do julgador, porque inobstante a campanha maciça da Justiça contra a corrupção, é bastante comum denúncia de fraude, corrupção e abuso só aparecerem depois das eleições quando deveriam vir antes. Temos de ter muito cuidado com isto, porque uma coisa é a denúncia formulada antes do dia da eleição, uma denúncia que considero muito mais consistente por demonstrar a indignação da pessoa que se quer corromper diante do abuso do poder econômico, político ou da fraude, e outra coisa bem diferente é a denúncia feita depois do dia da eleição, via de regra na primeira semana depois, como no caso, que pode ser fruto ou de pessoas inescrupulosas que venderam o voto e acabaram ludibriadas pelo corruptor ou então de candidatos derrotados, que, inconformados, recorrem ao tapetão para mudar na Justiça o rumo do processo eleitoral. Temos de ter muito cuidado para não deixar que nossas decisões avalizem situações como essas, atentatórias ao Estado de Direito. Temos de estar atentos para que nossas decisões não se sobreponham à soberania popular, aos votos conquistados nas urnas, que só podem ser cassados se ficar bem claro o ilícito eleitoral, se houver provas robustas de que ele ocorreu. A jurisprudência do TSE avançou muito neste ponto. Hoje ela exige a prova robusta do fato. Já houve época em que fomos duramente criticados em razão da judicialização da política . Não podemos retroceder, é como eu penso. Só devemos cassar um mandato se realmente houver provas concretas do ilícito, provas límpidas, que não deixem nenhuma dúvida de que a captação ilícita de voto aconteceu. REPRESENTAÇAO BASEADA EM PROVAS VICIADAS. Feitas essas considerações, passo a análise do caso. O autor alega que através de agentes de campanha eleitoral, a ré cooptou ilicitamente votos doando e entregando carrinhos de churrasco a eleitores, facilitando o trânsito dessas pessoas junto à JE para emissão e regularização de título eleitoral, prometendo-lhes emprego caso eleita. Nos últimos sete dias estudei este processo com muita atenção a ponto de estar convencido de que a representação inicial está baseada em fato mal investigado no bojo do inquérito policial nº 262/2010-4-SR/DPF/AP, iniciado com atropelos e de forma incomum, instaurado por requisição do MPE e onde constam provas ilícitas e ilegítimas, que a bem da verdade tinham de ser desentranhadas dos autos. Como foi que tudo começou? Em 13/10/2010, dez dias depois do primeiro turno da eleição daquele ano, o advogado HELDER JOSÉ AMARAL BARBOSA SANTANA apresentou pessoalmente a doméstica SANDRA MARIA DE SOUZA, que é sua diarista, na Procuradoria da República, informando sobre possível crime de compra de voto praticado pela ré. Naquela mesma data a Procuradora DAMARIS BAAGGIO expediu o ofício nº 1042/2010-MPF/PRF/AP, encaminhando ao Superintendente Regional da Polícia Federal em Macapá peças de informação anexas onde constava a notitia criminis requisitando a instauração do IP (fls. 08). Não tive acesso aos autos do IP, mas, acho que a peça de informação que ela encaminhou à PF foi exatamente o depoimento de SANDRA MARIA DE SOUZA, que está nas fls. 31/32 deste processo. SANDRA MARIA foi ouvida pelo Delegado de Polícia Federal MAURO FERREIRA GUIMARAES em 08/10/2010. Até ali não havia nenhum IP instaurado, tanto que pelo termo de declaração que ela assinou nas fls. 31/32 comprova-se que não há numeração de inquérito. É sabido que se alguém noticia um fato criminoso em qualquer Delegacia de Polícia deste País, ressalvados os casos de denúncia anônima em que se recomenda a averiguação prévia, a autoridade policial instaura de ofício o inquérito para colher elementos de autoria e materialidade. Então porque a polícia judiciária eleitoral não instaurou o IP logo naquele primeiro momento, isto é, no dia 08/10/2010, se testemunha SANDRA MARIA estava diante do Delegado MAURO falando tudo o que falou? Porque o Delegado ouviu SANDRA e mesma diante de suposta prática de ilícito eleitoral que ela se predispôs a denunciar aquela autoridade policial nada fez? Talvez ele não tenha feito isso por que naquele documento não existe um trecho sequer em que SANDRA MARIA diga à autoridade policial que a laqueadura, o emprego, a facilidade para aquisição de documentos e o carrinho de churrasco lhe foram oferecidos por TELMA, irmã de SANDRA OHANA, em troca de voto. O tempo inteiro ela se reporta ao oferecimento de apoio à candidata SANDRA OHANA. Ora, dar apoio à candidata é uma coisa, dar voto é outra, mas, convenhamos, diante do que SANDRA falou era dever legal do Delegado instaurar o procedimento investigativo. Estranha a forma como o IP foi instaurado deixando no ar a impressão de ter sido mesmo preparado para prejudicar SANDRA OHANA. Digo isto porque em 08/10/2010 o Delegado ouviu formalmente SANDRA MARIA, na presença inclusive do advogado desta pessoa, o Dr. HELDER SANTANA, e não tomou nenhuma providência para investigar o suposto crime. Alguns dias depois, em 13/10/2010, a Procuradoria Eleitoral requisitou a instauração do IP, encaminhando à DPF peça de informação, o depoimento de SANDRA, apresentado pessoalmente à Procuradora DAMARIS por um advogado que não foi investigado para saber se tinha alguma participação no pleito eleitoral, se possuía algum envolvimento ou interesse na politicagem local. Quem era este advogado? Ele tinha algum interesse na cassação de SANDRA OHANA? Como é que o depoimento de SANDRA MARIA foi parar em suas mãos se o IP tramitou em segredo de justiça? Quem lhe forneceu documento que estava aos cuidados da DPF/AP? Tudo muito estranho, em meu modo de ver. Naquelas condições, forçoso reconhecer que o IP nº 262/2010-DPF/AP começou muito mal e pelo andar da carruagem, é provável que tenha sido elaborado para legitimar interesses escusos, o que não se admite, porque no meu juízo de valor para cassar um mandato não podemos nos deixar levar por este tipo de coisa, por estar em jogo o direito do eleitor, a soberania popular, base da democracia brasileira, que não pode ser vilipendiada por provas elaboradas ao arrepio da lei. No curso do procedimento inquisitorial foram cometidos outros abusos. O IP estava guardado a sete chaves, prova disso é que o advogado do autor não teve acesso aos autos do IP, porque o MPE dizia que estava tramitando sob sigilo que nunca foi decretado (fls. 54/55). Violou-se neste ponto direito do advogado previsto em lei. A pretexto de apurar com celeridade o fato conduziu-se arbitraria e coercitivamente pessoas que não foram intimadas previamente para comparecer na Delegacia Federal. A condução coercitiva representa uma medida de força, através da qual o Estado, momentaneamente, priva o recalcitrante de sua liberdade e o arrasta para frente do juiz ou do delegado de polícia. Por se tratar de um ato arbitrário precisa ser muito bem fundamentado e cumprido com a devida cautela, preservando-se os direitos fundamentais daquele que será levado à força diante da autoridade. Podem ser conduzidos coercitivamente o acusado (CPP, art. 260), o perito (CPP, art. 278) ou a testemunha (CPP, art. 218), desde que: 1) demonstrada cabalmente a necessidade da presença dessas pessoas para a realização do ato procedimental ou processual (audiência, reprodução simulada, etc); 2) e desde que exista anterior e regular intimação para comparecimento em dia, hora e local determinados, intimação esta não atendida por quem deveria atender. Sem estes requisitos, do ponto de vista processual o ato é nulo (art. 564, inciso IV do CPP) e a prova que dele originar não tem validade alguma, porque representa provas ilegítimas, que a lei nº 11.690/2008 equiparou a prova ilícita (art. 157), que tem de ser desentranhada dos autos. Em termos de liberdade pessoal os fins não podem servir de justificativa para os meios, sendo que a ação do Estado tem de ser limitada, pois do contrário ninguém mais estará livre de arbítrio. Cabe ao Poder Judiciário garantir o cidadão contra os abusos do Estado e de seus agentes. O Poder Judiciário não pode ficar alheio a isso, não pode ficar inerte, não deve aceitar conduções coercitivas abusivas e fora da legalidade estrita, como as que ocorreram no IP nº 262/2010-DPF/AP, procedimento muito comum na Alemanha Nazista de Hitler ou na Itália Fascista de Mussolini, e que decorridos todos esses anos chegou ao Brasil arrastando pessoas simples, como ocorreu neste IP, políticos e advogados, como ocorreu na Operação Mãos Limpas no final do ano passado em Macapá, e até magistrados, como ocorreu no Estado do Tocantins e salvo engano em Mato Grosso. É hora de dar um basta nisso. Eu não gostaria, senhor presidente, de estar presidindo um julgamento e ser conduzido coercitivamente para a Polícia Federal ou para qualquer órgão investigador sem ser intimado antes. Isto é abuso. Precisamos dar um basta em atos desta natureza. É o que o jurisdicionado espera de nós juízes. Não podemos tolerar provas colhidas deste jeito. Se nós aceitarmos os depoimentos de TELMA ADRIANA NERY PAIVA, RICARDO JOSÉ MARTINS ARRELIAS, PAULO SERRA e MARIA DAS DORES DE SENA SANTANA, colhidos na fase policial após uma condução ilegal, nós estaremos chancelando o abuso e aí será o fim do Estado Democrático de Direito. Portanto, a primeira conclusão que tiro é que a prova indiciária testemunhal que serviu de base à representação inicial é imprestável por ser ilícita, não tem valor algum e deve ser desentranhada dos autos, porque claramente viciada, eis que colhida ao arrepio da lei processual. CAPTAÇAO ILÍCITA NAO PROVADA. Passada esta primeira abordagem resta verificar se os demais elementos coligidos para os autos servem para deferir o pedido inicial. TEMPO DO FATO: Do registro da candidatura até o dia da eleição. O primeiro ponto a ser enfrentado diz respeito ao tempo em que essas ações teriam sido praticadas. Na inicial o autor disse que a ré doou e entregou a eleitores carrinhos de churrasco no período eleitoral. A defesa rebateu dizendo que Os fatos ocorreram em abril e maio/2010, antes do processo eleitoral iniciar e nada tem a ver com captação de votos. Ora, a captação ilícita de sufrágio que autoriza cassação do diploma e multa deve ocorrer em tempo certo, no período que vai do registro da candidatura até o dia da eleição. É assim que está disciplinado no art. 41-A. Na petição inicial o autor disse que SANDRA MARIA DE SOUZA afirmou categoricamente que no final de julho foi-lhe entregue um carrinho de churrasco para uso em conjunto com Maria das Dores de Sena Santana, em sistema de revezamento. Ao elaborar a petição inicial e fazer esta colocação, baseou-se, certamente, no depoimento que esta pessoa prestou na DPF em 08/10/20101 (fls. 31/32), e de sua leitura depreende-se, sem muito esforço, que a testemunha não falou isto ao Delegado de Polícia, mas sim que foi procurada pela irmã da candidata durante os dias que antecederam o pleito de 03/10/2010 (textuais). Este detalhe, em minha opinião, é relevante para verificar quem está dizendo a verdade em relação ao negócio que envolveu os carrinhos. Relevante porque claramente existe uma contradição entre o que foi afirmado na petição inicial e o que foi efetivamente dito pela testemunha na DEPOL. Não descartei a possibilidade de ter havido uma falha humana do advogado ao elaborar a inicial, até compreensível diante tantos afazeres. Confesso que a princípio pensei assim, porque no mesmo depoimento policial verifiquei que mais adiante SANDRA MARIA disse: QUE o pagamento da promessa da doação do carrinho de churrasco, em troca de apoio à candidata SANDRA OHANA, foi cumprida bem antes do dia 3 de outubro (textuais). Porém, cotejando este depoimento com os demais colhidos nos autos, estou absolutamente convencido de que o negócio com os carrinhos ocorreu mesmo antes do período de registro de candidatura. Senão vejamos. Duas testemunhas foram ouvidas na fase policial e disseram que o fato aconteceu antes do início do processo eleitoral. Assim aconteceu com MARIA DAS DORES DE SENA SANTANA, que declarou que o carrinho lhe foi doado por RICARDO em março de 2010 (fls. 84/85) e com PAULO SANTOS SERRA, que também falou a mesma coisa (fls. 110/111). Assim, se por um lado houve contradição entre a data mencionada na inicial e a data referida pela principal testemunha do autor, SANDRA, percebi que DAS DORES e PAULO falavam a mesma coisa, isto é, que a doação ocorreu em março de 2010. E um detalhe me levou a valorar esses depoimentos como sinceros, que foi exatamente o fato de DAS DORES e PAULO, pessoas humildes, terem sido levados à Polícia Federal forçadamente. Mesmo assim, sem ninguém lhes consultar antes, depuseram em dias diferentes e falaram a mesma linguagem, afirmando que a doação foi feita em março de 2010. Evidentemente que eu não poderia me contentar simplesmente com a análise da prova indiciária, posto que acusação tão grave, como é a de captação ilícita de voto, tem de ser passada pelo crivo do contraditório. E o que temos em juízo referente ao tempo em que foi cometida a infração? Primeiramente o depoimento de SANDRA MARIA, que às fls. 278/280 disse textualmente: que no mês de julho Ricardo entregou um carrinho de churrasquinho na casa da dona Das Dores, para que trabalhassem em parceria. Testemunha compromissada na forma da lei, num primeiro momento de seu depoimento policial asseverou que foi procurada pela irmã da candidata durante os dias que antecederam o pleito. Mais adiante, ainda naquele depoimento, não precisando a data o que era de suma importância para a tipificação do fato e infelizmente o Delegado de Polícia não se preocupou em averiguar melhor , limitou-se a dizer que o pagamento da promessa foi cumprida bem antes do dia 3 de outubro, e finalmente em juízo não titubeou nem um pouco em dizer que RICARDO lhe entregou o carrinho em julho. O mesmo vacilo não verifiquei no testemunho judicial de DAS DORES e PAULO, que também estavam compromissados com a verdade. A primeira foi novamente firme em dizer: que em março de 2010 Ricardo Arrelias procurou a depoente em sua residência e após esta se reclamar que estava desempregada, ofereceu um carrinho de churrasco para a depoente trabalhar até o momento que melhorasse sua situação (fls. 272). Da mesma forma o segundo, quando afirmou: que recebeu o carrinho no mês de março de 2010. Logo, entre a imprecisão de SANDRA MARIA e o testemunho preciso de DAS DORES e PAULO, que desde o primeiro instante, na recenticidade do fato, ainda que sob pressão, já que levados forçadamente para a DPF, prefiro ficar com o depoimento desses dois, que me pareceram mais consentâneos. Aliás, o mês de março de 2010, mencionado nos depoimentos de DAS DORES e PAULO, coadunam-se com os recibos de venda e compra apreendidos por determinação da Justiça Eleitoral na empresa Albatroz Prestadora de Serviços Ltda, do pai da ré, um senhor digno, diga-se de passagem, que já foi inclusive Vereador nesta urbe. Esses recibos estão nas fls. 89/97 e 99, todos datados de abril de 2010, antes, portanto, do registro das candidaturas, cujo prazo final é 05 de julho. Cogitou-se que esses recibos foram forjados para beneficiar a ré, mas, francamente, analisemos a prova com isenção e verificaremos que além de não ter dado tempo para forjar nada, haja vista que o IP tramitava sob segredo de Justiça até a data da apreensão desses documentos (ocorrida em 24/10/2010), a firma de RENILDA PAULA NERY foi reconhecida por semelhança no Cartório Jucá cinco meses antes, em 28/05/2010 (fls. 89, 91, 93e 96). Se o Cartório Jucá lançou seu selo em maio de 2010, como dizer que o negócio foi feito em julho? Como querer provar que a ré, através de seus cabos eleitorais, comprou votos dentro do período vedado pelo art. 41-A da LE? Não tem lógica nem cabimento a não ser que alguém do cartório também estivesse envolvido em fraude e corrupção, mas isso nem foi ventilado nos autos. Reforça, ainda, as palavras de DORES e PAULO, no sentido de que a doação foi feita antes de iniciado o processo eleitoral, a testemunha BENEDITO TAVARES DA COSTA, que em juízo afirmou que comprou um carrinho por R$ 1.600,00 em fevereiro de 2010 (fl. 260/261). Resta, analisar o depoimento de EDSON CONCEIÇAO DOS SANTOS. Esta testemunha foi ouvida em juízo onde declarou que recebeu o carro em agosto de 2010 (fls. 267/277). Foi compromissada na forma da lei, admitida como testemunha do juízo na véspera da audiência de instrução, o que a meu comprometeu de morte o ato, que não poderia ser realizado naquelas circunstâncias, sem antes dar à ré a oportunidade para reunir maiores elementos contra aquele que eu considero o seu maior acusador. Será que EDSON entrou neste processo desinteressadamente? Eu concluo que não, pois, embora compromissado, repito, pareceu-me que tem interesse no deslinde da causa em favor do autor por alguma razão. Não foi a toa que o autor pediu para incluí-lo em seu rol. Segundo consta foi o Dr. CRISTIANO, irmão e procurador daquele, quem chegou até esta testemunha e acredito pela experiência e pelo que consta dos autos, que é bastante provável que o advogado do autor tenha levado esta testemunha para o Ministério Público Eleitoral. Estou certo que isto ocorreu por uma razão muito simples. EDSON falou em juízo que procurou o MPE em março de 2011 por se sentir constrangido. O motivo do constrangimento, segundo ele, foi o fato de que depois da eleição TELMA e pelo RICARDO o procuraram duas vezes, pois queriam recuperar o carro. Foge da lógica uma pessoa humilde, como quer me parecer a testemunha EDSON, procurar espontaneamente o Ministério Público Eleitoral para reclamar de ameaça. Quem se sente ameaçado ou constrangido, como ele disse que sentiu, procura a polícia e não o MPF, a não ser que seja levado até por alguém mais esclarecido ou mais interessado na prova. Aliás, esta minha assertiva é tão verdadeira que a outra testemunha do autor, que também reclamou de estar sendo ameaçada procurou a Delegacia das Mulheres para registrar ocorrência contra RICARDO ARRELIAS e DAS DORES (fls. 282/283). Pessoas humildes, como EDSON, depositam sua esperança em Delegados de Polícia do quilate do Dr. RONALDO SERRA, porque, convenhamos, muitas dessas pessoas nem sabem onde fica o prédio do MPF ou do MPE. Aliás, tenho de concordar que no mínimo é muito suspeito uma pessoa denunciar que vendeu o seu voto a uma parlamentar que ganhou a eleição. Isto também foge da lógica e da razoabilidade, porque o mais aceitável do comportamento mediano de pessoas simples que sujeitam-se a vender sua consciência, era ele se aproximar da vitoriosa, para quem, inclusive, pediu votos, a fim de conseguir outras benesses. É isso que em geral ocorre e não o inverso. Portanto, é difícil de engolir a estória de que não foi orientado a procurar o MPE por ninguém além de seus familiares. Não tenho nenhuma dúvida de que foi levado a depor por alguém, que acredito ter sido o irmão do autor em face de a testemunha dar a entender insto, e como foi levado por alguém interessado no feito, em minha opinião não posso lhe dar o mesmo crédito que dei naquelas pessoas que foram conduzidas à força pela polícia e falaram que os fatos (doação de carrinho de churrasco), aconteceram antes de iniciado o período eleitoral. FALTA DE CREDIBILIDADE E CONSISTÊNCIA NO DEPOIMENTO DAS TESTEMUNHAS DO AUTOR. A jurisprudência do TSE é no sentido de que: A prática de captação ilícita de sufrágio pode ser comprovada por prova testemunhal, bastando que seja ela consistente no que tange à comprovação da infração AgR-AC - Agravo Regimental em Ação Cautelar nº 355740 Relator (a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES - DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 028, Data 09/02/2011, Página 23) Para a Justiça Eleitoral não basta apenas a consistência do depoimento, mas é preciso que a prova testemunhal tenha credibilidade e dê segurança ao juiz para ele decidir sobre a captação ilícita. O juiz tem de estar convencido de que a testemunha não foi fabricada pela parte interessada. Além da imprecisão no depoimento de SANDRA MARIA DE SOUZA analisadas acima, outros fatos existem que me fazem concluir que esta testemunha não merece credibilidade. Senão vejamos. Ela falou em juízo que registrou uma ocorrência policial contra RICARDO e DAS DORES, porque toda vez que ia visitar seu pai, que mora no mesmo bairro daqueles, ambos a ameaçavam, dizendo que SANDRA OHANA ia se vingar da testemunha se fosse cassada (fls. 278/279). De fato ela registrou uma ocorrência contra RICARDO e DAS DORES às 19hs26min do dia 12/01/2011 na Delegacia das Mulheres de Macapá (fls. 282/283). Mas será que realmente ela foi procurada com insistência por aqueles dois? Será que o fato ocorreu mesmo? Será que RICARDO e DAS DORES estavam ameaçando tão seriamente a testemunha a ponto de ela mudar de bairro como disse que mudou ao responder uma repergunta da MPE nas fls. fls. 280? Eu afirmo que não, porque se as ameaces existiram e fossem sérias ela iria até o fim e não foi. Afirmo que tudo aquilo foi inventado por SANDRA, pois consta do registro policial que ela não desejava a intimação de RICARDO e DAS DORES. E porque não desejava que eles fossem intimados a comparecer na Delegacia das Mulheres? A única explicação que encontro é o fato de a ameaça não ter existido, ela nunca foi procurada por RICARDO e DAS DORES, ou, o que também é provável, o registro só foi feito com o único propósito de surpreender a defesa de SANDRA OHANA na audiência de instrução, posto que o registro foi deduzido na DEPOL em 12/01/2011 e só foi juntado aos autos pelo advogado do autor na audiência do dia 01/04/2011, no dia da mentira. Estou convencido de que SANDRA MARIA não depôs a verdade, embora compromissada. Faltou-lhe isenção, porque em situação fora do normal, acompanhada de seu patrão, o advogado HELDER SANTANA, entregou o carinho de churrasco para DAS DORES no mesmo dia 24/10/2010, data em que o objeto foi apreendido pela PF. Está claro que ela já sabia que a busca e apreensão seria feita. Para tirar o carro de sua casa, deixou o objeto na casa da DAS DORES numa hora que esta não estava, e, muito estranhamente, foi de carro com o patrão e um policial que ninguém se preocupou em identificar, buscar DAS DORES numa parada de ônibus distante, para levá-la até a PF para depor. A falta de isenção de SANDRA era tanta que quando DAS DORES foi levada a PF não sabia que aquela já tinha denunciado a compra de voto, com ao própria SANDRA falou. E porque ela não avisou sua amiga e vizinha DAS DORES de que já tinha denunciado a compra de votos na PF? A resposta é simples, não dava para espantar a lebre, não era para DAS DORES saber o que iria fazer na Polícia Federal, porque ali o que se estava armando era um ambiente propício para arrancar dela a confissão, para colocar palavras na boca dela. Onde está a prova disso nos autos? No depoimento de SANDRA MARIA, que confirmou que DAS DORES não sabia da denúncia que esta tinha feito na PF; na atitude ultra suspeita de um advogado, que se predispôs e largar seus afazeres e ir em seu carro com a sua diarista, buscar DAS DORES em companhia de um policial para levá-la até a DPF e no depoimento de DAS DORES, que tanto extrajudicialmente quanto em juízo, confirmou que por várias vezes o advogado (um senhor de Santana), interrompeu o depoimento, insistindo para que esta testemunha falasse que o carrinho tinha sido doado pela SANDRA OHANA em troca de voto, ameaçando que se ela não falasse que o carrinho tinha sido doado pela SANDRA OHANA em troca de votos ele não iria acompanhá-la no depoimento chegou a bater na mesa para coagi-la (fls. 159 e 271/275). SANDRA MARIA, o advogado HELDER e um policial civil que nem a autoridade policial federal nem o relator deste processo procuraram saber quem eram, que interesses tinham no feito, etc. Esta mais do que evidenciado que o testemunho de SANDRA MARIA é totalmente comprometido e parcial. Resta finalmente analisar o depoimento de EDSON CONCEIÇAO SANTOS DA SILVA. Disseram aqui que a testemunha DAS DORES foi produzida, manipulada por causa de ter prestado uma declaração extrajudicial juntada como prova nesses autos. E o que dizer da testemunha EDSON, que não foi sequer ouvida na fase policial, apareceu somente em março de 2011, trazida pelo advogado do autor, com quem andava de lá pra ca, conforme se verifica das petições que o autor atravessou e dos termos de audiência em que essa pessoa era trazida até aqui. O relator o ouviu como testemunha do juízo, mas passou por cima do princípio do contraditório e da iniciativa das partes. Porque? Quem deu a informação ao relator de que EDSON sabia algo? Quem trouxe insistentemente a testemunha? É assim que se cassa um mandato popular? Eu não concordo. Essa estória de dizer que procurou o MPF para reclamar de ameaça foge da razoabilidade. Essa estória de que só foi no MPF reclamar das ameaças ocorridas após a operação rescaldo, mencionada pelo advogado do autor na tribuna porque seus familiares o aconselharam não é crível. Não convence uma pessoa dizer-se ameaçada para entregar um objeto que lhe foi supostamente dado por uma pessoa que ganhou a eleição, máxime porque quem ganha a eleição comprando voto já pagou pelo voto e não vai atrás de nada que deu. Isto aconteceria se SANDRA OHANA tivesse perdido a eleição, mas ela ganhou. Tudo isso me leva a concluir que seu testemunho não é imparcial e merece ser lido com bastante reserva. Logo, por tudo que consta dos autos, pela forma estranha como este procedimento começou, pelas provas abusivas e ilícitas que se juntou no IP que serviu de base à representação, pela insegurança e falta de credibilidade no que disseram as testemunhas arroladas pelo autor e diante da consistência dos depoimentos que favorecem a ré, não fiquei convencido de que SANDRA OHANA, ou alguém por ela, tenha comprado voto para se eleger. Por isso, voto pelo indeferimento da representação.

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