Página 551 do Diário de Justiça do Estado do Pará (DJPA) de 12 de Novembro de 2014

Processo nº 0003638-39.2XXX.814.0XX8 Autor: Francisca Barros Lima. Advogado: Alexandro Ferreira de Alencar OAB/PA 16.436 Réu: Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro Obrigatório. Ação de cobrança. SENTENÇA Vistos, etc., Trata-se de uma ação de DPVAT ajuizada por FRANCISCA BARROS LIMA em face de SEGURADORA LIDER DOS CONSÓRCIOS, uma vez que teria sofrido fratura no ombro esquerdo, oriunda de acidente de veículo automotor. O despacho inicial, às fl. 13, designou-se audiência de conciliação para o dia 17/09/2013 às 10:00 horas. Na audiência (fl. 31) a conciliação mostrou-se infrutífera. Foi apresentada a contestação e documentos, juntados às fls. 32/47. Vieram-me os autos conclusos para sentença. Eis o relatório necessário, passo a decidir. 2 - FUNDAMENTAÇ?O Compulsando os autos verifico ser ação de cobrança de seguro DPVAT, não constando nos autos informação ou documento que comprove o pagamento administrativo. Passemos a analisar os argumentos do requerido que combatem a pretensão do autor. O requerido alega, preliminarmente, em seara de contestação, a inviabilidade de acionar o poder judiciário, uma vez que houve o pagamento do DPVAT extensível a quantificação da lesão. Analisemos tal assertiva e a legislação do DPVAT. Desde de 1974, o DPVAT era regrado pela lei 6194, que em seu artigo estipulava o valor de 40 salários mínimos em caso de morte e de invalidez permanente. Surgiram até o ano de 2009, diversas resoluções do Conselho Nacional de Seguros Privados (CSNP) e da SUSEPE, no intuito de quantificar a lesão ocorrida no acidente de veículo automotor e corresponde-la a uma determinada indenização. Contudo, sabe-se ser impossível revogar lei ordinária, no caso a lei 6194/74, através de resolução, ou seja, a lei prevalecia até 2007. Contudo, em 2007 entrou em vigor a lei 11482, que alterou diversas leis, entre elas a lei 6194/74, revogando o seu artigo e diminuindo substancialmente o valor das indenizações pagas pelo DPVAT, de 40 salários mínimos no caso de morte e invalidez permanente, para R$13500,00. Vejamos a ementa da lei: "Efetua alterações na tabela do imposto de renda da pessoa física; dispõe sobre a redução a 0 (zero) da alíquota da CPMF nas hipóteses que menciona; altera as Leis nos 7.713, de 22 de dezembro de 1988, 9.250, de 26 de dezembro de 1995, 11.128, de 28 de junho de 2005, 9.311, de 24 de outubro de 1996, 10.260, de 12 de julho de 2001, 6.194, de 19 de dezembro de 1974, 8.387, de 30 de dezembro de 1991, 9.432, de 8 de janeiro de 1997, 5.917, de 10 de setembro de 1973, 8.402, de 8 de janeiro de 1992, 6.094, de 30 de agosto de 1974, 8.884, de 11 de junho de 1994, 10.865, de 30 de abril de 2004, 8.706, de 14 de setembro de 1993; revoga dispositivos das Leis nos 11.119, de 25 de maio de 2005, 11.311, de 13 de junho de 2006, 11.196, de 21 de novembro de 2005, e do Decreto-Lei no 2.433, de 19 de maio de 1988; e dá outras providências."Conforme supra transcrito, a lei 6194/74 foi alterada por uma lei que tratava de diversas alterações em inúmeras leis, tratando, portanto, de objetos diversos, sem conexão ou afinidade entre si. A fadada lei altera tanto a lei do Imposto de renda, como a da CPMF, bem como a lei do DPVAT. Isso viola o devido processo legislativo, direito de todo cidadão. Trata-se de vício de inconstitucionalidade formal do artigo da Lei 11482/07, antiga Medida Provisória 340/06. Em seguida, no ano de 2009 entrou em vigor a lei 11945/09 que inseriu uma tabela quantificando o grau da lesão ou debilidade permanente do requerente. A ementa da lei 11945/09, assim expressa: "Altera a legislação tributária federal e dá outras providências." Como pode ser percebido, na lei 11945/09, antiga Medida Provisória 451/08, também padece de vício formal de inconstitucionalidade, uma vez que a ementa não se refere a alteração da lei 6194/74, apenas trazendo em anexo um quadro com referência a grau de lesões e valores a serem pagos. A Lei Complementar 95/98, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, em seu artigo 7º, caput, in verbis: "Art. 7º O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios: I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão; III - o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva; IV - o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa."Seguindo o trazido pelo artigo e seus incisos, da lei complementar 95/98, vejamos o que expressa o primeiro artigo de ambas as leis, 11482/07 e 11945/09, respectivamente:"Art. da lei 11482/07: Art. 1o O imposto de renda incidente sobre os rendimentos de pessoas físicas será calculado de acordo com as seguintes tabelas progressivas mensais, em reais: (...)""Art. da lei 11945/09: Deve manter o Registro Especial na Secretaria da Receita Federal do Brasil a pessoa jurídica que: (...)"Diante dos artigos transcritos fica claro o descumprimento do art. , caput da lei complementar 95/98, pois uma lei trata do imposto de renda e a outra do registro especial na receita federal. Nenhuma das duas se refere à alteração do DPVAT, o que viola claramente, conforme já dito, o devido processo legislativo, e, por consequência, o artigo 59 e seguintes da constituição, que abordam o processo legislativo. Portanto, o artigo 8º da MP 340 e os artigos 19, 20 e 21 da MP 451 ultrajam as exigências do artigo 62 da Constituição Federal, que prevê a necessidade de relevância e urgência para que o (a) presidente da República adote a edição de medidas provisórias, o que não é o caso de alteração de patamares quantitativos de pagamentos do DPVAT. Insta frisar também, que a indenização do Seguro Obrigatório deve garantir patamares mínimos de dignidade, respeitando a pessoa humana e, assim, dando condições para que se superem as dificuldades da deficiência ou invalidez física. As leis, ora analisadas nesta sentença, padecem de grave inconstitucionalidade material por violação ao fundamento da nossa Carta Maior, a dignidade da pessoa humana, sob a perspectiva de grave afetação e retratação do direito constitucional da personalidade. Trago em pauta, o entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso sobre a dignidade da pessoa humana, em brilhante artigo, intitulado A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO DIREITO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO: NATUREZA JURÍDICA, CONTEÚDOS MÍNIMOS E CRITÉRIOS DE APLICAÇ?O: "A dignidade humana tem seu berço secular na filosofia. Constitui, assim, em primeiro lugar, um valor, que é conceito axiológico, ligado à ideia de bom, justo, virtuoso. Nessa condição, ela se situa ao lado de outros valores centrais para o Direito, como justiça, segurança e solidariedade. É nesse plano ético que a dignidade se torna, para muitos autores, a justificação moral dos direitos humanos e dos direitos fundamentais." Ainda nesta linha de raciocínio, é preciso citar os ensinamentos de Immanuel Kant, sob a dignidade da pessoa humana: "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade." Pois bem, diante das supra citadas transcrições é possível perceber a importância da dignidade da pessoa humana em nosso ordenamento jurídico. Trata-se de um valor constitucional supremo, que emana sua carga axiológica para os três poderes e para as normas infraconstitucionais. Sendo assim, não há que se aceitar norma, de tipo algum, que viole a dignidade da pessoa humana, valor ínsito a todo ser humano. Como bem disse Kant, o que possui preço são as coisas, nós seres humanos temos dignidade. É inaceitável colocarmos preço ou valores graduando a lesão que o indivíduo sofre em acidente de veículo automotor, sob pena de "coisificarmos" o ser humano. Isso descaracteriza a figura do DPVAT, viola a dignidade da pessoa humana e, por consequência, a constituição. Isto posto, diante dos argumentos aqui explicados, declaro a inconstitucionalidade material e formal das leis 11482/07 e 11945/09, através de controle de constitucionalidade difuso, deixando de aplicar as mesmas. Sendo assim, passo a aplicar a lei 6194/74, na sua original redação no caso em tela. O artigo da lei 6194/74, em seu inciso II, assim expressava:

"Art. 3º: Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no artigo 2º compreendem as indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e suplementares, nos valores que se seguem, por pessoa vitimada: a) 40 vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país - no caso de morte; b) Até 40 vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país - no caso de invalidez permanente; c) Até 8 vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país - como reembolso à vítima - no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas." Passemos a analisar o suporte probatório trazido aos autos pelo autor. O requerente, às fl. 08 junta aos autos boletim de ocorrência narrando o sinistro, e, às fl. 09, laudo de exame de corpo de delito realizado no centro de perícias científicas, Renato Chaves. O exame de corpo de delito não comprova a debilidade permanente e parcial do membro superior esquerdo, documento insuficiente para trazer lastro probatório do alegado aos autos, pois afirma não deixar lesão permanente; conforme expressa o art. , alínea B, da lei 6194/74. Ademais o exame de corpo de delito foi feito três anos após o acidente, ora narrado neste processo. Fato este que não retira a total credibilidade da prova, mas enfraquece muito. Por estes motivos, diante da não comprovação da invalidade permanente, com fulcro no art. 333, inciso I, c/c art. 269, inciso I, ambos do Código de processo Civil e do art. , alínea B, da lei 6194/74, julgo improcedente a presente ação. 3 - DISPOSITIVO Destarte, diante da ausência de suporte probatório nos autos, usando da interpretação sistemática e através do controle de constitucionalidade difuso, declaro a inconstitucionalidade das leis 11482/07 e 11495/09, afastando, portanto, a sua aplicação no caso em tela; e com fulcro no art. 333, inciso I, c/c art. 269, inciso I, ambos do Código de processo Civil e do art. , alínea B, da lei 6194/74, julgo improcedente a presente ação,

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