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5 de Maio de 2024

A decadência do direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários

há 9 anos

O art. 54 da referida lei, dispõe que o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. O§ 1ºda referida lei, dispõe que no caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. Por seu turno, o§ 2º considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.

Consoante Diogo de Figueiredo, a prescrição da ação, só pode ser instituída por lei federal: tanto a do administrado contra o Estado quanto a do Estado contra o administrado. Suas normas básicas, de direito material, estão no Código Civil, complementadas por legislação especial, como é o caso da prescrição quinquenal das ações pessoais contra a Fazenda Pública e suas autarquias (Decreto nª 20.910, de 6 de janeiro de 1932, c Decreto-Lei nº 4.597, de 19 de agosto de 1942), ou, no caso da prescrição quinquenal da cobrança de crédito tributário (art. 174 do Código Tributário Nacional). Essa prescrição quinquenal estabelecida para as ações da Fazenda Pública durante as vigências constitucionais anteriores, inclusive em regimes autocráticos de exceção, estende-se, simetricamente, aos direitos pessoais do Estado face aos administrados, uma vez que, com o advento do Estado Democrático de Direito, deixou de existir qualquer supremacia automática de interesses, por força do art. , incisos I, incisos II e III e parágrafo único combinados com o art. , caput, da Constituição de 1988, salvo se a legislação os estabelecer. Com relação aos direitos reais, aplicam-se os prazos do Código Civil. Esta orientação veio a ser recentemente corroborada pela Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que disciplinou o processo administrativo na esfera federal, adotando o mesmo prazo prescricional de cinco anos (embora o art. 54 da referida leve a crer erroneamente que se trata de decadência), no sentido de impedir a Administração de anular os atos administrativos que tenham produzido efeitos favoráveis para os administrados, uma regra que, por ser de prescrição, é de direito civil e, por isso, tem aplicação em âmbito nacional. A Medida Provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, acrescentou o art. 1º-C à Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, estabelecendo a prescrição quinquenal do direito de obter indenização dos danos causados por agentes e pessoas jurídicas de direito público e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. (NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo. Gen Forense, 2009, p.244.)

E continua o ilustre doutrinador:

As prescrições administrativas, amando no estrito âmbito de cada entidade federativa, podem ser instituídas pelo respectivo Poder Legislativo, neste caso, sem impedir a provocação do controle judiciário, constitucionalmente assegurado a quem se sentir ferido ou ameaçado em seu direito. A prescrição, ao impedir a Administração de rever seus próprios atos, produz, assim, uma sorte de sanatória indireta- ou não-voluntária, podendo ser ou introversa, quando a obsta de exercer a autotutela e de rever seus próprios atos, seja ex officio seja sob provocação, ou extroversa; quando inibe o Judiciário de operar a correção da violação de direitos subjetivos acaso ocorrida (v. Quadro XV). Como se observa, em ambos os casos produzem-se, ex vi temporis; os efeitos sanatórios, mesmo que os atos inquinados não sejam alterados em sua essência, como no caso das modalidades voluntárias. (NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de Direito Administrativo, cit., p.245.)

Não se confundem os institutos da prescrição e da decadência, em conformidade com a lição de Diogo Figueiredo Moreira Neto, o decurso do tempo pode impedir a correção judiciária ou administrativa de um ato administrativo. No primeiro caso, tem-se a prescrição, instituto da Teoria Geral do Direito que consiste na perda do direito de ação. No segundo caso, tem-se a qualificada prescrição administrativa, instituto específico do Direito Administrativo, que preclue apenas para a Administração Pública que o praticou, o poder jurídico de rever seus próprios atos. O caso posto sub judice, ou seja, aplicação do art. 54, da Lei nª 9.784, de 29.1.1999, não é de prescrição, mas matéria elencada como decadência administrativa, como logo se verá.

Em conformidade com José dos Santos Carvalho Filho, As teorias jurídicas modernas sempre procuraram realçar a crise conflituosa entre os princípios da legalidade e da estabilidade das relações jurídicas. Se, de um lado, não se pode relegar o postulado de observância dos atos e condutas aos parâmetros estabelecidos na lei, de outro é preciso evitar que situações jurídicas permaneçam por todo o tempo em nível de instabilidade, o que, evidentemente, provoca incertezas e receios entre os indivíduos. A prescrição e a decadência são fatos jurídicos através dos quais a ordem jurídica confere destaque ao principio da estabilidade das relações jurídicas, ou, como se tem denominado atualmente, ao princípio da segurança jurídica. (FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Atlas, 2012, p.34. )

Rafael Valim assim destaca o tema:

“Como já foi sublinhado em estudos modernos sobre o tema, o princípio em tela comporta dois vetores básicos quanto às perspectivas do cidadão. De um lado, a perspectiva de certeza, que Indicava o conhecimento seguro das normas e atividades jurídicas, e, de outro, a perspectiva de estabilidade, mediante a qual se difunde a ídeia de consolidação das ações administrativas e se oferece a criação de novos mecanismos de defesa por parte do administrado, inclusive alguns deles, como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, de uso mais constante no direito privado. (VALIM, Rafael. O Principio da Segurança Jurídica no Direito Administrativo brasileiro. Malheiros, 2010, p91-104)

No direito comparado, especialmente no direito alemão, os estudiosos se têm dedicado à necessidade de estabilização de certas situações jurídicas, principalmente em virtude do transcurso do tempo e da boa-fé, e distinguem os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança. Pelo primeiro, confere-se relevo ao aspecto objetivo do conceito, indicando-se a ínafastabilídade da estabilização jurídica: pelo segundo, o realce incide sobre o aspecto subjetivo, e neste se sublinha o sentimento do indivíduo em relação a atos, inclusive e principalmente do Estado, dotados de presunção de legítímidade e com a aparência de legalidade.

José dos Santos Carvalho Filho, é enfático em afirmar que:

“Os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança passaram a constar de forma expressa no art. 54, da Lei nª 9.784, de 29.1.1999, nos seguintes termos: "O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos. Contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má.-fé". A norma, como se pode observa conjuga os aspectos de tempo e boa-fé, mas se dirige essencialmente a estabilizar relações jurídicas pela convalidação de atos administrativos inquinados de vício de legalidade. É certo que a jurisprudência aponta alguns casos em que foram convalidadas situações jurídicas ilegítimas, justificando-se a conversão pela «teoria do fato consumado isto é, em certas ocasiões melhor seria convalidar o fato do que suprimi-lo da ordem jurídica, hipótese em que o transtorno seria de tal modo expressivo que chegaria ao extremo de ofender o princípio da estabilidade das relações jurídicas. Com a positivação do principio, teimou-se de maior densidade a sustentação do fato ilegítimo anterior; por mais que se esforçassem os intérpretes, a fundamentação do fato consumado não se afigurava muito convincente. Decorre, portanto, da citada norma a clara intenção de sobrelevar o princípio da proteção à confiança, de modo que após cinco anos e desde que tenha havido boa-fé fica limitado o poder de autotula administrativa e, em consequência. Não mais poderá a Administração suprimir os efeitos favoráveis que o ato produziu para seu destinatário. Registre-se, a propósito, que o STF, invocando a Lei º 9.784/1999, convalidou ato administrativo de transposição de carreira em favor de servidor porquanto embora calcado em lei supostamente inconstitucional, já consolidara a situação jurídica do destinatário e desse modo, merecida proteção "em homenagem ao princípio da segurança jurídica". Atos de ascensão funcional também foram convalidados, vez que seu desfazimento ultrapassou de muito o quinquênio fixado na Lei nº 9.784/1999; mais uma vez foi protegida a confiança do administrado. (FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Atlas, 2012, p.37)

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, integrante da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto do qual resultou a Lei nº 9.784/99, ao discorrer sobre a segurança jurídica, esclarece que:

“O principio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a consequente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientador anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera insegurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será passível de contestação pela própria Administração Pública. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito administrativo. 20. Ed. P. 76. )

Com a finalidade de conferir maior seguranças relações jurídicas, o art. 2º, inciso XIII, parágrafo único, da Lei n. O 9.784/99 estabelece que deverá se proceder à “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”. Não se proíbe com isso que o Estado opere modificações nas relações jurídicas de que faça parte, mesmo porque a unifica certeza ligada ao Direito é sua constante mutação. O que se veda é que novos entendimentos na seara administrativa possam retroagir, provocando alterações em situações já estabilizadas. A propósito, mesmo atos ilegais praticados pela Administração e não imputáveis ao administrado não podem ser anulados aqualquer tempo. Em respeito à segurança jurídica das relações, a Lei n. O 9.784/99, através do seu art. 54, prescreve que “O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. (SANTOS, Mário Sergio. Curso de Direito administrativo. Forense.2012, p. 47)

Como se vê, em prol da estabilidade das relações, a Lei nº 9.784/99 estabeleceu uma hipótese de convalidação tácita de atos ilegais não invalidados pela Administração no prazo de cinco anos, quando a ilegalidade não for proveniente de má-fé do administrado. Exemplificando, se for concedida aposentadoria a um servidor e, dez anos depois, for constatado algum vício no procedimento de concessão, caso não haja comprovada má-fé do administrado, a Administração não mais poderá anular administrativamente o ato de concessão, em homenagem ao principio da segurança jurídica.(SANTOS, Mário Sergio. Curso de Direito administrativo, p.49.)

Esta é a posição inconfundível do STJ. È o que se extrai do seguinte julgado:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS INATIVOS. ART. 54 DA LEI N.º 9.784/99. ADMINISTRAÇÃO ESTADUAL. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. CONFIGURADA. TERMO A QUO. VIGÊNCIA DA LEI.1. Ausente lei específica, os comandos normativos contidos na Lei n.º 9.784/99 são aplicáveis no âmbito das Administrações Estadual e Municipal, os quais estabelecem o prazo de 5 (cinco) anos para a Administração rever seus próprios atos.2. Caso o ato acoimado de ilegalidade tenha sido praticado antes da promulgação da Lei n.º 9.784, de 01/02/1999, a Administração tem o prazo de cincos anos a contar da vigência da aludida norma para anulá-lo; caso tenha sido praticado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da prática do ato tido por ilegal, sob pena de decadência, nos termos do art. 54 da Lei n.º 9.784/99.3. Na espécie, trata-se de dois atos de aposentadoria. O primeiro foi levado a efeito antes da edição da Lei n.º 9.784/99, ou seja, em 05/06/1996 e, por via de consequência, o termo final para Administração alterá-lo se deu em 12/2004. O segundo se deu após a publicação da mencionada lei federal, isto é, em 17/07/2000, sendo certo que o dies ad quem para a revisão deste se operou em 17/07/2005. Assim, para ambas as hipóteses, restou configurada a da decadência, uma vez que somente em 03/2006 foi modificado o cálculo de ambos os proventos. Analisando situação idêntica, o RMS 24.170/RS, da relatoria do i. Ministro Arnaldo Esteves Lima.3. Recurso ordinário em mandado de segurança conhecido e provido.(RMS 24.423/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2011, DJe 08/09/2011)

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O direito da Administração de anular os atos administrativos favoráveis para seus destinatários NÃO 'decai', mas PRESCREVE! Desculpem!

2 Comentários

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Mas não entendi quando prescreve ou se prescreve o direito do administrado requerer reparação (anulação) de ato administrativo cometido por má fé da Administração Púbica Civil ou Militar contra seus direitos. Por exemplo: quando prescreve o direito de um administrado que foi exonerado, expulso ou excluído após ser acusado de não satisfazer certos requisitos de uma Lei, sem que lhe tenha sido oportunizado o contraditório e a ampla defesa e sem que o embasamento do acusatório administrativo confira com sua ficha funcional civil ou sua ficha funcional militar (Alterações Militares)? Se esse direito prescrevesse não seria uma forma de consolidar a insegurança jurídica? Agradeço ao ilustre professor Vale, se possível, mais uma aula, além da excelente que acabei de acessar. continuar lendo

Como alinhar a súmula 473 do STF e o artigo 54 da Lei 9784/99, levando em conta o princípio da segurança jurídica e a prescriçao dos atos contados de sua realizaçao?
E, mais, havendo decisão por CPAD, pode a autoridade rever o que foi julgado pelo arquivamento, sem que haja novas provas? continuar lendo