A Zona Franca de Manaus como política extrafiscal necessária para o Brasil
Aspectos Gerais sobre o modelo econômico
Vale fazer uma linha do tempo histórica acerca da Zona Franca de Manaus, que sobreveio no ordenamento em 1957, por iniciativa do Pres. Juscelino Kubistchek, por meio do Decreto-lei 3.173/57, e era, aquela época, um porto franco para armazenamento ou depósito, guarda, conservação, beneficiamento e retirada de mercadorias provenientes do estrangeiro para consumo na Amazônia, como de países interessados limítrofes, banhados por águas tributárias do rio Amazonas.
Uma década após, durante o Governo Militar, houve a revogação do Decreto-lei 3.173/57 pelo 288/67, transformando a ZFM em um complexo modelo para alavancar o fenômeno econômico no norte do país, sendo entendido atualmente como uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de ciar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.
Para tanto, o legislador criou o fenômeno da exportação ficta, visando conceituar a remessa de mercadorias à ZFM (Art. 4º DL 288/67), e também como forma de desonerá-la da incidência de determinados tributos.
Sabidamente a finalidade do Direito Financeiro esta diretamente ligada à persecução das finalidades do Direito Tributário; vez que a finalidade arrecadatória acaba por se tornar de pouca utilidade quando não utilizada para a atenção com os avanços sociais que a sociedade espera. E a ZFM tem a clara finalidade de impedir essa finalidade trivial, em nome de benesses sociais e econômicas para a Federação.
Não há de se falar em tributação neutra no Brasil, a não ser que se pretenda construir um Sistema Tributário a margem do texto constitucional, vez que a finalidade ampliativa dos tributos é reconhecida em diversos momentos – e para o nosso recorte teórico, merece destaque o § 6º do Art. 165 da CF.
Ao bem da verdade, é imperioso frisar acerca de algumas previsões constitucionais, como a redação do inciso III, [1] do art. 3ºº e inciso VI, [2] do art 170 70, d CF CF, nos quais encontramos o comando legal para reduzir as desigualdades regionais e sociais, inclusive enquanto objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Destaque-se que tal qual entendem Marco Aurélio Grecco e Luis Eduardo Schoueri, entendemos que a intervenção no domínio econômico só pode ocorrer de maneira positiva, sob pena de desvirtuamento do Art. 174 da CF; [3] concluindo-se, portanto, que é vedada a intervenção negativa que venha a inibir, restringir ou dificultar o exercício da atividade econômica.
Neste cenário, como política extrafiscal, a ZFM tem finalidade nobre – que lhe confere considerável peculiaridade – vez que promove o desenvolvimento sustentável ao mesmo tempo que assegura a proteção do bioma Amazônico. Afinal, a condição de existência do modelo ZFM tem o papel de proteger a biodiversidade ambiental, pois ao gerar empregos e renda por meio dos empreendimentos ali instalados, atrai para si expressiva mão-de-obra, reduzindo as possibilidades que estas pessoas estejam a serviço da degradação ambiental. [4]
A ZFM é nada mais que uma forma de integração econômica entre os brasileiros, pois em homenagem ao princípio da isonomia; de forma que os desiguais devem ser tratados de maneira desigual, daí a importância da política extrafiscal para o desenvolvimento e conservação da fauna e flora da região.
Logo, precisamos destacar qual é a posição hierárquica do Decreto-Lei n. 288/67 pós Constituição Federal de 1988, vez que, embora as disposições contidas no mesmo não façam parte do texto constitucional, a ZFM teve suas características e incentivos fiscais assegurados, utilizando a Constituição Federal como veículo introdutor de enunciado recepcionando o ato normativo anterior, conforme o Art. 40 do ADCT.
Assim, o constituinte entendeu por manter o regime jurídico dos incentivos da ZFM e a própria Constituição Federal, nos termos do art. 60 [5], elencou as hipóteses e limites da competência do constituinte derivado para alterá-la; e vejamos que, com bom fundo de Direito Constitucional, o parágrafo 4º, do art. 60, a Constituição Federal é expressa ao dispor que não será objeto de deliberação, entre outros, a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.
Neste mesmo sentido, é preciso considerar que não há como ser válida a retirada de direitos conferidos a um sistema individualmente àqueles que integram este. Por consequência, não há como retirar garantias anteriormente previstas à Zona Franca de Manaus e aqueles que a integram.
Escalarecendo, em nossa interpretação, entendemos que embora o Decreto-Lei n. 288/67 seja anterior a Constituição Federal de 1988, é nela que ele encontra fundamento de validade por força do art. 40 do ADCT; de maneira que os dois textos normativos acabam necessariamente vinculados, embora estejam em posições hierarquicamente diferentes.
Ante todo exposto, nota-se o dever principiológico do intérprete de considerar o arcabouço legal protegido pelo Art. 40 do ADCT como feixe de normas imunizantes que devem ser preservados, a um, por serem juridicamente atrelados ao texto constitucional e ser vedado qualquer tipo de supressão; e a dois, quando considerarmos os benefícios trazidos por tais normas, ante a clara utilidade extrafiscal.
Não se faz nação focada em mero custeio do Estado, devendo políticas públicas garantirem um bem-estar que possa horizontalizar a paz social a todos os entes da federação e consequentemente as pessoas ali contidas; de forma que a região amazônica, pelas razões já delineadas, faz jus as imunidades em questão, como forma de garantir, atualmente, a própria subsistência de seu povo.
Desta forma, é preciso lutar para que, independente de qualquer mudança sistêmica no regime dos incentivos fiscais, nunca haja substituição da sistemática que acabe por atrofiar o cenário macroeconômico da região, mas sim para levar o desenvolvimento sustentável e consequentemente promover a justiça social à região.
[5] Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado:
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.
[4] Neste sentido: GUSMAO, Omara Oliveira. Zona Franca de Manaus: extrafiscalidade, desenvolvimento regional e preservação ambiental. TRIBUTAÇÃO NA ZONA FRANCA DE MANAUS: (comemoração aos 40 anos da ZFM) / coordenadores Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho. Marcelo Magalhães Peixoto. São Paulo: MP Editora, 2008, p. 160.
[3] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
[1] Art. 3º Constituem objetivos fundamentas da República Federativa do Brasil:
(...)
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
[2] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
9 Comentários
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Abordagem muito assertiva para o momento que estamos enfrentando. Precisamos defender a ZFM! Parabéns pelo trabalho. continuar lendo
Obrigado! Precisamos, bem como a demarcação de terras! continuar lendo
Ótimo artigo, elucidando a importância da ZFM nestes tempos sombrios pelos quais estamos passando. Estudantes/autores locais como o colega são de grande valia para demonstrar para o público jurídico e geral aspectos importantes e pq nosso Polo de Manaus deve ser preservado. Parabéns ao autor! continuar lendo
Denota-se o grande conhecimento técnico do Autor pelo texto. Grande trabalho. continuar lendo
Texto excelente e cirúrgico! continuar lendo