Dano estético
Síntese dos principais aspectos acerca da configuração, classificação e interpretação doutrinária e jurisprudencial desta nova modalidade de dano.
Primeiramente, vejamos este breve conceito de dano estético, trazido por Maria Helena Diniz:
O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa.
Esta modalidade de dano caracteriza-se pela redução da agradabilidade estética, sendo que inicialmente abarcava apenas as lesões estéticas mais graves, que provocam repugnância. Entretanto, sua extensão ampliou-se, passando a abranger atualmente também marcas, cicatrizes e outros defeitos físicos capazes de fazer com que a vítima se sinta desgostosa e inferior às demais pessoas. Compreende desde as mutilações de membros, tais como orelhas, dedos, braços, etc., até cicatrizes, perda de cabelo, sobrancelhas, dentes, entre outras deformidades.
O dano estético pode influenciar na capacidade laboral da vítima, como quando esta perde um membro ou tem suas funções prejudicadas, ou no caso, por exemplo, de um modelo publicitário ou outro profissional que necessite se expor ao público, e que ao ganhar uma cicatriz tem, assim, a sua profissão prejudicada (hipótese esta em que configurará dano patrimonial indireto). Mas isto não é requisito para que o dano se configure, uma vez que o que o caracteriza é a agressão à imagem que a pessoa tem de si mesma, o abalo à sua autoestima. A deformidade sequer precisa estar em área exposta à vista de terceiros, pois mesmo as alterações físicas em áreas íntimas podem causar um grande sofrimento psicológico, uma vez que a vítima tem consciência de que em um momento de maior intimidade com outras pessoas estas lesões virão à tona.
O Código Civil de 2002 não se refere expressamente ao dano estético, não obstante a grande atenção que vem recebendo da doutrina e da jurisprudência, podendo, porém, ser subentendido da parte final do art. 949, ao dispor que “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. É também possível sustentar o dano estético com base na Constituição, alegando a reparação da ofensa à integridade física do ser humano, que decorre da garantia constitucional à saúde. Sendo o dano estético um dano à integridade física da pessoa, ele deve ser plenamente reparado, pois segundo os arts. 6º e 196 da CF/88 a saúde é um “direito social” e “direito de todos”. Ou ainda, o dano estético pode ser amparado pela proteção à “imagem” (art. 5º, V, CF/88), tanto aquela que a pessoa possui perante a sociedade quanto a que possui de si mesma.
Disto decorre a discussão sobre ser o dano estético uma terceira espécie de dano autônoma ou uma categoria dos danos morais. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça evoluiu no sentido da primeira acepção, admitindo, assim, que os danos estéticos e morais se cumulem, desde que suas causas sejam inconfundíveis e seja possível realizar apuração separadamente. Neste sentido foi editada a súmula 387 do STJ, que dispõe “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”. Segundo este entendimento, o dano estético se caracteriza por uma alteração morfológica corporal, sendo visível, portanto, uma vez que se concretiza na deformidade, causando desagrado e repulsa. Diferentemente do dano moral, que seria psíquico, de foro íntimo, pois corresponderia ao sofrimento mental, à angústia que a vítima vem a sofrer. Todavia, a doutrina majoritária adota acepção diferente, incorporando o dano estético ao moral. Poderia haver, assim, cumulação do dano material com o estético, uma vez que a deformidade pode acarretar dano patrimonial à vítima, conforme já mencionado anteriormente. Entretanto, não haveria cumulação do dano estético e moral, visto que aquele estaria compreendido neste. Segundo Sergio Cavalieri (2014, p. 136), por ser o dano estético modalidade do dano moral, a questão é direcionada para o arbitramento. Ou seja, Quando a vítima sofre deformidade física a quantia reparatória do dano moral deve ser arbitrada mais expressivamente, devido à gravidade e intensidade do sofrimento que perdura no tempo.
1 Comentário
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Saudações Karoline Olivio. Ótimo escrito. Efetivamente, dano moral e dano estético parecem ser indissociáveis enquanto superlativos da individualidade, senão dizer, enquanto atributos de autoimagem ou autorreferência -- para aqueles que perseguem padrões julgados ideias. E a discussão torna-se ainda mais importante quando atrelado o dano estético ao dano material, particularmente, quando o indivíduo tem em seus atributos físicos parte da instrumentalização do seu trabalho - palestrantes, modelos, etc -, como você mesma citou. Hodiernamente, mesmo com técnicas de cirurgia plástica capazes de oferecerem resultados muito promissores para correção de lesões que deixam cicatrizes ou sinais aparentes, nem sempre é possível estes serem obtidos 100%. Por vezes, várias intervenções fazem-se necessárias até se alcançar um padrão reputado a beira da perfeição. Estão havendo articulações políticas para tornar mais acessível a cirurgia corretiva em pessoas vítimas de dano estético, advindos por conta das mais variadas razões, fazendo-se oportuna referência à Lei n. 13.239, a qual regulamenta a oferta e a realização, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, de cirurgia plástica reparadora de sequelas de lesões causadas por atos de violência contra a mulher. Sem ingressar em maiores discussões entorno do tema, ou da lei 13.239, creio ser relevante refletir acerca do dano estético, das hipóteses de cabimento e reparações devidas, mesmo porque, nunca se sabe o quão tormentoso pode vir a ser uma sequela desta natureza na vida de alguém. continuar lendo