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3 de Maio de 2024

Estariam algumas normas da Constituição Federal de 1988, banalizadas?

Publicado por Thiago Cardoso
há 9 anos

É de sapiência comum que, em uma república democrática, a Constituição Federal (Carta Magna, Bíblia Política, Carta Política Fundamental ou como queiram chamá-la), visa sempre limitar o poder do Estado diante seus administrados/particular. Lembrando que as normas, pelo menos nas Constituições promulgadas, são criadas pelos próprios administrados ou por seus legítimos representantes que, posteriormente, terão também que cumpri-las. Tudo em nome do bem estar social e do Estado Democrático de Direito.

Pois bem, ocorre que o corpo de uma Carta Política Fundamental Democrática não visa apenas limitar o poder estatal, mas também garantir direitos, deveres e obrigações aos administrados.

Analisando a história evolutiva das constituições brasileiras, especialmente as que foram promulgadas, ou seja, eleitas diretamente pelo povo, podemos perceber que as mesmas foram amplamente progressistas, isto é, visavam sempre acrescentar direitos e garantias à sociedade em geral, destacando, por exemplo, a harmonia e independência dos poderes (legislativo, executivo e judiciário); aumento do número de Deputados Federais e Senadores no intuito de garantir uma maior representatividade no Congresso Nacional (pluralismo político); e, por fim, a garantia ao direito a vida e ao Devido Processo Legal.

Ocorre que nos últimos tempos, alguns direitos e garantias previstos na Constituição Federal de 1988, vêm sendo questionados, o que é totalmente legítimo até porque nossa Carta Política, em regra, não possui, como principal característica, a imutabilidade.

Acontece que, apesar de legítima a discussão pelo titular do poder constituinte (povo), muito dos direitos e garantias que estão sendo questionados hoje, foram conquistados através de um complexo processo histórico, cultural e legislativo e, por conta disso, merecem, no mínimo, serem analisados/interpretados teleologicamente e não simplesmente através de um "processo desesperado" de mudança legislativa constitucional.

Com base em tais informações, destaco 3 (três) temas constitucionais que vêm sendo amplamente questionado pela sociedade, quais sejam: a) a indicação dos nomes, pelo chefe do Poder Executivo Federal, para concorrer ao cargo de ministros dos tribunais superiores; b) o número de Deputados e Senadores que compõe o Congresso Nacional; e; c) a pena de morte e o Devido Processo Legal, relacionado àqueles que cometem alguma conduta típica.

Pois bem, ao fazermos uma análise teleológica da norma constitucional que prevê a possibilidade do Presidente da República de indicar os nomes para, após sabatina do Senado Federal, compor os Tribunais Superiores (STF e STJ), é possível perceber que o legislador constituinte visou garantir a eficácia do sistema de freios e contrapesos - checks and balance - entre o Judiciário, Executivo e Legislativo.

Como é de conhecimento de todos, o sistema de freios e contrapesos visa certificar que nenhum poder prevaleça sobre o outro, sob pena de corrermos o risco de um único poder ser predominante no sistema republicano brasileiro. E como todos nós sabemos, a história já nos mostrou que a linha é muito tênue entre o triunfo de um único poder e a ditadura.

Ora, é nítido, teleologicamente falando, que o legislador constituinte ao estabelecer no artigo 101, parágrafo único, artigo 104, parágrafo único e art. 107, parágrafo único, todos da CF/88, que compete ao Presidente da República nomear, após sabatina pelo Senado Federal, os ministros e desembargadores para compor o Superior Tribunal de Justiça (STJ), Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunais Regionais Federais (TRF´s), respectivamente, se preocupou em garantir certo equilíbrio entre os poderes da União. Equilíbrio este que faz com que nenhum poder prevaleça sobre o outro, ou seja, restando caracterizado a harmonia que o artigo da Constituição Federal de 1988 estabelece.

No que diz respeito à quantidade de Deputados e Senadores que atualmente compõe o Congresso Nacional (513 Deputados e 81 Senadores), é preciso lembrar que em um passado não muito distante, conhecido como período ditatorial, tínhamos cerca de 350 Deputados na Câmara Federal e 66 Senadores, o que possibilitou a criação de apenas 2 (dois) partidos políticos (bipartidarismo - ARENA x MDB), vez que o Ato Complementar de 1965 em seu artigo 1º já estabelecia que: "Aos membros efetivos do Congresso Nacional, em número não inferior a 120 deputados e 20 senadores, caberá a iniciativa de promover a criação, dentro do prazo de 45 dias, de organizações que terão, nos termos do presente Ato, atribuições de partidos políticos enquanto estes não se constituírem".

Por meio do referido ato é possível perceber que a real intenção de uma ideologia ditatorial é justamente diminuir a representatividade do povo no Congresso Nacional, inclusive, diminuindo o número de Deputados e Senadores, vez que as divergências ideológicas em nada contribuem para um governo não democrático, muito pelo contrário.

Mas, infelizmente, a sociedade parece não enxergar esse lado e acredita que uma eventual diminuição no número de Deputados e Senadores seria uma solução para as mazelas hoje existentes no legislativo. Ledo engano!

Por outro lado, o que mais vem nos deixando perplexos, talvez mais até do que a crescente onda de violência que nosso país vivencia, é justamente o sentimento de vingança por parte da população, a ponto de enaltecer a pena de morte e, ao mesmo tempo, tecendo severas críticas ao Devido Processo Legal quando tais garantias visam proteger algum indivíduo que praticou algum crime.

Ora, durante toda a evolução constitucional o direito a vida e ao Devido Processo Legal foram questões amplamente tuteladas pelos legisladores constituintes. Voltamos ao exemplo do período ditatorial onde o direito ao Devido Processo Legal era totalmente subtraído do indivíduo, chegando ao ponto de, na maioria das vezes, o mesmo ser "condenado" a morte por questões, muitas vezes banais, sem sequer ser ouvido e, muito menos, lhe garantido o direito de se defender.

Foi diante desse contexto de barbárie que o legislador constituinte decidiu, por bem, garantir o direito a vida (art. da CF/88) e ao Devido Processo Legal (art. , LIV, CF/88), de forma mais intensa, na Constituição Federal de 1988, inclusive, caracterizando-as como Cláusulas Pétreas, ou seja, não permitindo que o legislador constituinte derivado as retirasse do corpo constitucional, gerando assim certa perpetuidade de tais garantias.

Acontece que, infelizmente, por questões alheias às normas constitucionais aqui expostas, a sociedade acaba interpretando-as não de forma teleológica, ou seja, não buscam o real motivo delas existirem em nosso ordenamento constitucional. Simplesmente fazem uma interpretação de cunho superficial cujos resultados, seja eles qual forem, apesar de serem mais rápidos, pelo menos a princípio, não serão sólidos e eficientes o bastante para pôr fim às mazelas existentes.

Não estou aqui defendendo que as normas constitucionais devem ser perpétuas, até porque a história das constituições brasileiras nos mostram o contrário. A reflexão que convido os colegas a terem é se realmente os problemas estão nas normas constitucionais ou no próprio titular do poder constituinte que não interpreta, de forma teleológica, as referidas normas constitucionais. Pelo contrário, muitas vezes pleiteiam mudanças legislativas em virtude da euforia do momento, sem se ater aos propósitos, objetivos ou finalidade das normas que estão sendo questionadas.

Portanto, diante de todo o contexto apresentado, a banalização, a princípio, não se encontra nas normas constitucionais, mas sim no titular do poder constituinte originário que, na prática, ao questionar alguma norma constitucional ou infraconstitucional, deveria interpretá-las com maior esmero, sem deixar, jamais, de fazer a interpretação teleológica, sob pena de restar caracterizado a "banalização interpretativa" das normas constitucionais.

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