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30 de Abril de 2024

Inaplicabilidade da Perturbação do Sossego no caso concreto. Art. 42, Inc. III, do Decreto-Lei 3.688/41.

Trata-se de sucinta análise do art. 42, inc. III, do Decreto-Lei 3.688/41 que versa sobre perturbação do sossego mediante abuso de instrumentos sonoros. Descrição de caso concreto e sua inaplicabilidade pelos termos legais.

Publicado por Allyson Luan
há 5 anos


DA PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO E SEU DISPOSITIVO LEGAL

O direito é um conjunto de normas e princípios que tem como finalidade a paz social. Esta é uma das mais simples e talvez conhecida definição do direito. Tendo em vista isso, ainda em definições rasas, cabe descrever que nós, homens políticos, vivemos em sociedade; não por escolha, mas por necessidade. Outrora, firmamos um Contrato (Contrato Social) a fim de vivermos da melhor forma possível na natureza, o que viera a denominar sociedade noutro momento.

  • Os teóricos do contrato social da história do pensamento político incluem Hugo Grotius (1625), Thomas Hobbes (1651), Samuel Pufendorf (1673), John Locke (1689), Jean-Jacques Rousseau (1762), e Immanuel Kant (1797); more recently, John Rawls (1971), David Gauthier (1986) e Philip Pettit (1997).

Nas cláusulas do referido Contrato cada pessoa (não usaremos o termo cidadão, tendo em vista que sua definição é limitada) abriria mão de uma parcela da sua liberdade; em troca, haveria um Estado (modernamente falando) que cuidaria das questões sociais, como por exemplo, a segurança, a saúde... e a própria liberdade no sentido amplo da palavra.

O Estado, numa definição do mundo moderno, teria dessa forma o poder de decisão/legislação/administração da população, usando as leis como forma de organização coercitiva. Dessa forma, tendo em vista a multiplicidade de pensamentos, desejos... foram criados normas para definir praticamente tudo, seja daquilo que pode ou não fazer.

Exemplo de normais desse tipo, e adentrando no tema em comento, temos o art. 42, do Decreto-Lei 3.866/1941, que trata sobre a PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO. Descreve o artigo:

Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis

Portanto, podemos notar que foi preciso criar uma lei para inibir que uma pessoa, que em tese reside no mesmo local, não perturbe o trabalho ou o sossego de outra. Vejamos que coisa interessante! Foi preciso criar uma lei para que consigamos viver no mesmo espaço em harmonia e respeito mútuo.

Todavia, surge várias questões no que diz respeito a aplicabilidade do referido tipo penal. Ou seja, quando alguém estará perturbando o sossego de outrem? Afinal, talvez o som ligado, por exemplo, poderia estar perturbando o vizinho da esquerda, mas não o da direito. Nesse caso, haveria crime?

Essa é uma questão muito interessante de se analisar, pois, na leitura do inciso III do art. 42 da Lei de Contravenções, temos: Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios (art. 42), abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos (Inc. III). Porém, em nenhum momento a lei descreve até que altura se enquadraria no tipo penal.

Pois bem, essa subjetividade de quando seria ou não possível denunciar alguém por está lhe perturbando o sossego traz uma evidente insegurança jurídica, seja para o proprietário do equipamento sonoro ou para aquele que se sente incomodado, haja vista não saber se está havendo perturbação para a coletividade ou apenas para si.

Outro ponto interessante é saber se é necessário que várias pessoas se sintam incomodas pelo barulho ou se apenas uma pessoa seria bastante para denunciá-lo. Quanto a esse ponto, talvez várias pessoas de imediato digam que são necessários uma pluralidade de indivíduos para que se enquadre no tipo penal, tendo em vista que no art. 42 descreve “sossego alheios”.

Então vejamos no caso concreto:

A Sra. Maria está se sentindo perturbada pelo som ligado do vizinho, tendo em vista isso liga para a Polícia. A polícia ao chegar ao local verifica que o som do Sr. João está ligado. Sr. João por sua vez, ao ser questionado pela autoridade policial quanto ao barulho produzido vai até a casa do outro vizinho e pergunta-lhe na frente de todos, se ele estava se sentido incomodado também; na oportunidade foi dito que não estava se sentido nenhum pouco incomodado pelo aparelho sonoro produzido.
  • Nesse caso, a autoridade policial poderá autuar o Sr. João pela perturbação do sossego tendo em vista o aparelho de som ligado? Maria terá que retornar a sua residência e continuar ouvindo sem nada poder fazer sobre o barulho do som?

Dessa forma, podemos vê que há uma liquidez no tipo penal, afinal se não tiver outra pessoa que se sinta incomodada, Maria nada poderá fazer quanto aos ruídos produzidos. Frisa-se que nesse caso também não se aplicaria o disposto no art. 65, da Lei de Contravenções Penas, que trata-se sobre a PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE, haja vista que é necessários que o ruído produzido seja por acinte ou por motivo reprovável, senão vejamos:

Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Há inúmeras acordão sobre o tema – PERTUBAÇÃO DO SOSSEGO, todavia, em todos os casos são necessários que uma coletividade seja perturbada para incorrer do tipo penal, como por exemplo esse do TJ-RS – APELAÇÃO CRIME ACR 70077796472 RS (TJ-RS):

EMENTA
ART. 329, DO CP. CONTRAVENÇÃO PENAL. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO PELO USO ABUSIVO DE INSTRUMENTOS SONOROS. ART. 42, INC. III, DO DECRETO-LEI Nº 3.688/41. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA REDUZIDA. PENA DE MULTA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO. AFASTAMENTO. I – A materialidade e autoria restaram demonstradas nos autos. Muito embora o réu tenha permanecido em silêncio, os depoimentos dos policiais, que foram uníssonos a respeito dos fatos, colhidos sob o crivo do contraditório e do devido processo legal, confirmam que ele estava com o som alto, perturbando o sossego alheio, e que resistiu ao ato legal, investindo com chutes e pontapés contra a guarnição. II – A embriaguez voluntária (ingestão de álcool por ato de plena capacidade e vontade do agente) não exclui a imputabilidade penal, consoante disposto no art. 28, inc. II, do CP. III – Redução da prestação pecuniária para 2 (dois) salários mínimos, tendo em vista a quantidade de fatos delituosos praticados e a circunstância de o réu estar assistido por defensor constituído. IV – Afastada a pena de multa, uma vez que inexiste previsão de sua aplicação no preceito secundário do tipo penal do art. 329, do CP. APELO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO... (Apelação Criminal nº 70077796472, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 13/12/2018).

No teor deste Acordão ficou consignado o seguinte ponto: “Na oportunidade, a brigada Militar foi acionada para atender um chamado de perturbação do sossego alheio, em virtude de diversos telefonemas ao batalhão. Passo seguinte, os policiais deslocaram-se até o local, quando constataram que o denunciado estava com uma caixa de som instalada na calçada e com o volume excessivo, sendo efetuada a apreensão do equipamento sonoro”.

Dessa forma, podemos concluir que só haverá contravenção em face do artigo 42, inciso III, da Lei 8.688/41 quando duas ou mais pessoas se sentirem incomodadas pelo barulho sonoro emitido pelo vizinho, por exemplo.

Maria, nesse caso, mesmo se sentindo incomodada pelo som do vizinho, não poderá denunciá-lo tendo em vista que não há manifestação de incômodo por outras pessoas.



Ao público: Será?! Deixe seus comentários a respeito do caso e descreva, se for o caso, o meio legal que poderia ajudar Maria, outrora descrito.


REFERÊNCIAS

  1. https://pt.wikipedia.org/wiki/Contractualismo;
  2. https://www.youtube.com/watch?v=Jj7S_1pIVl4
  3. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3688.htm
  4. http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2244
  5. https://super.abril.com.br/comportamento/leviata/
  6. https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/busca?q=PERTURBA%C3%87%C3%83O+DO+SOSSEGO+ALHEIO+%28ART.+...
  7. https://nova-criminologia.jusbrasil.com.br/noticias/2225523/lei-do-silencioeexagero-sonoro-exibica...
  8. https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/619761248/recurso-crime-rc-71007880537-rs?ref=serp

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