Na prática: COVID-19 e a máxima excepcionalidade da prisão preventiva.
A situação atual do País corresponde a um estado de exceção a ser considerado indistintamente.
É público e notório que o País está vivendo um período de exceção devido à pandemia do novo coronavírus (COVID-19) declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). As autoridades sanitárias estão, a todo momento, recomendando o isolamento social da população para evitar a disseminação do vírus, o qual, como é sabido, pode levar a sintomas graves, complicações e morte.
A preocupação das autoridades se estendeu, por incrível que pareça, aos invisíveis, esquecidos e isolados precariamente, ou seja, àqueles que estão encarcerados nos sistemas de justiça penal e socioeducativo. Em relação à execução penal em nosso País, faz-se importante recordar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu ao declarar, pela sistemática da repercussão geral (APDF nº 347), um estado de coisas inconstitucionais.
De acordo com as lições de Carlos Alexandre de Azevedo Campos[1], o mencionado instituto ocorre quando: a) verifica-se a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; b) causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; c) de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional.
As penas privativas de liberdade no sistema prisional brasileiro foram assim definidas pelo Min. Marco Aurélio:
“As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se ‘lixo digno do pior tratamento possível’, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre”.
Diante da sabida desumanização do sistema de justiça penal aliada à crise mundial em decorrência do COVID-19 – além da excepcionalidade da prisão preventiva insculpida no artigo 5º, inc. LVII, da Constituição Federal e artigo 282, § 6º, do Código de Processo Penal – o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Recomendação nº 62/2020[2], reafirmou, em seu artigo 4º, inciso III, “a máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva, observado o protocolo das autoridades sanitárias”.
O Min. Rogério Schietti Cruz da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Habeas Corpus nº 565.799 julgado em 18/03/2020, asseverou que:
“(...) Ainda que, em casos complexos, o recomendável seja o prestígio às competências constitucionais, deve-se fortalecer sobremaneira o princípio da não culpabilidade e eleger, com primazia, medidas alternativas à prisão processual, como o propósito de não agravar ainda mais a precariedade do sistema penitenciário e evitar o alastramento da doença nas prisões. A custódia ante tempus é o último recurso a ser utilizado neste momento de adversidade, com notícia de suspensão de visitas e isolamentos de internos, de forma a preservar a saúde de todos. (...)”.
Em suma, considerando à máxima excepcionalidade da prisão preventiva, atualmente reafirmada pelo Conselho Nacional de Justiça, aliada à precariedade do sistema penitenciário brasileiro, a prisão preventiva deve ser aplicada, assim como mantida, somente em última hipótese, onde, na minha concepção, haja risco incomensurável de a pessoa conviver em sociedade.
Portanto, incumbe ao advogado criminalista, analisando às peculiaridades do caso concreto, postular, observando o que dispõe os artigos 316 e 282, § 6º, do Código de Processo Penal, pela substituição da prisão preventiva pelas medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do mesmo Código.
Registra-se, por fim, que o Conselho Nacional de Justiça recomendou outras diretrizes acerca da prisão preventiva e do cumprimento da prisão-pena.
Tapes, 20 de março de 2020.
Por Vinícius da S. Rocha, adv.
[1] O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-set-01/carlos-campos-estado-coisas-inconstitucional-litigio-estrutural.
[2] Regulamenta aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – COVID-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.