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23 de Maio de 2024

O juiz pode condenar o réu ainda que o Ministério Público peça sua absolvição?

13/06/2020

Publicado por Vanessa Macario
há 4 anos

O Código de Processo Penal adota um sistema acusatório e com isso as funções de acusar, julgar e defender, são alocadas em mãos diferentes.

Com a mudança produzida no Código de Processo Penal, em virtude da entrada em vigor do pacote anticrime, lei 13.964/19, tal sistema foi incluído expressamente no artigo -A, que afirma que:

O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação”.

Em outras palavras, não pode o juiz interferir na atuação dos demais agentes da persecução penal. A condução da investigação, na fase pré processual, cabe a autoridade policial. Ao Ministério Público, titular da ação penal pública, cabe o início da ação penal por meio do oferecimento da denúncia, devendo, portanto, produzir as provas que sustentem seu pedido de condenação. E, por outro lado, cabe à defesa a produção das provas que apontem a inocência do réu.

As PARTES (acusação e defesa) devem produzir provas a fim de convencer o juiz da culpa ou inocência do acusado. Assim, de forma imparcial, analisando as provas levadas até ele pelas partes, o juiz, ao final do processo, irá condenar ou absolver o réu.

A função ministerial de titular da ação penal pública e portanto responsável por iniciar o processo e sustentar um pedido de condenação está prevista no artigo 129, I da CF.

O Ministério Público inicia a ação penal por meio do oferecimento da denúncia e geralmente, ao final do processo, em sede de alegações finais, costuma sustentar a acusação inicial pedindo a condenação do réu.

Todavia, nem sempre isso ocorre.

Muitas vezes, o Ministério Público denuncia uma pessoa, atribuindo a ela a autoria de um crime, mas no decorrer do processo, pelas provas carreadas aos autos, o próprio órgão ministerial percebe que não há fundamentos legais para pedir a condenação do réu e então, ao final, acaba pedindo sua absolvição.

Esse pedido de absolvição pelo próprio Ministério Público pode acontecer porque ele não é apenas um órgão acusador. Sua função não é apenas acusar e pedir a condenação a qualquer custo. Pelo contrário, o Ministério Púbico é também o fiscal da ordem jurídica e deve pautar seus atos no respeito à lei e à Constituição Federal. Para que o processo seja legal, deve haver justa causa para ele iniciar a ação penal e provas suficientes de autoria e materialidade para pedir a condenação.

Obviamente, não faria o menor sentido que o Ministério Público pleiteasse a condenação de alguém que sabe inocente. Isso iria na contramão de sua função constitucional de respeitar a lei e defender seu fiel cumprimento. Nesse caso, nada mais natural que ele peça a absolvição do réu.

Acontece que é aí que surge a dúvida: quando o MP percebe que não há embasamento legal para o réu ser condenado e pede sua absolvição, PODE O JUIZ, mesmo assim, CONDENÁ-LO?

O artigo 385 do Código de Processo Penal diz que SIM. Veja:

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz PODERÁ proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

Diante desse texto legal, qual é o problema que alguns juristas levantam? Para alguns, quando o MP pede a absolvição do réu o juiz não poderia condená-lo.

Isso porque, em razão do sistema acusatório, o juiz SÓ PODE CONDENAR O RÉU QUANDO HÁ UM PEDIDO FORMAL DA ACUSAÇÃO NESSE SENTIDO. SEM PEDIDO DE CONDENAÇÃO, O JUIZ NÃO PODERIA CONDENAR PORQUE SUA FUNÇÃO É APENAS JULGAR E PARA TANTO ELE PRECISA SER PROVOCADO. PORTANTO, NÃO PODERIA O JUIZ AGIR DE OFICIO, CONDENANDO O RÉU SEM PEDIDO FORMAL, PORQUE ISSO VIOLARIA A REGRA DO SISTEMA ACUSATÓRIO.

Para esses defensores, quando o MP pede, ao final do processo, a absolvição do acusado, isso equivaleria à retirada da acuação, cabendo ao juiz nesse caso encerrar a ação penal, em respeito ao princípio da imparcialidade do julgador e da demanda e do sistema acusatório.

Por outro giro, HÁ QUEM SAIA EM DEFESA DO ARTIGO 385 do CPP, dizendo que ele não viola o sistema acusatório em razão do PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA, previsto no artigo 42 do CPP, segundo o qual após o início da ação penal pública O MINISTÉRIO PÚBLICO NÃO PODE MAIS DESISTIR DELA.

Portanto, uma vez oferecida a denúncia, o processo penal deve seguir até o fim, COM A CONDENAÇÃO OU ABSOLVIÇÃO DO RÉU, NÃO PODENDO MAIS O MP DESISTIR DO PROCESSO INSTAURADO POR ELE.

O fato de o MP, ao final do processo, perceber que não há fundamentos para a condenação não lhe permite desistir da ação penal. Ele pode apenas OPINAR pela absolvição, MAS A DECISÃO CABE AO JUIZ.

O STJ já teve oportunidade de apreciar essa questão ao julgar o Resp 1.612.551 e o Ag Reg. Resp 1.612.551. Nessa ocasião, o MPF defendeu a IMPOSSIBILIDADE DE O JUIZ CONDENAR O RÉU QUANDO O MP PEDE A ASBOLVIÇÃO. Para o MPF, o juiz, ao condenar o acusado em contrariedade à posição ministerial sobre a absolvição, condena sem acusação, tornando-se parcial e assumindo automaticamente a figura de acusador. Portanto, defendeu o MPF que o artigo 385 do CPP não havia sido recepcionado pela CF, alegando, ainda, que este dispositivo legal só fazia sentido em um sistema inquisitório, ou tendencialmente inquisitório, e não em um sistema acusatório, que deve primar pela imparcialidade dos julgamentos como garantia fundamental dos acusados, essencial à realização do devido processo legal (art. , LIV, da Constituição).

Ocorre que, em fevereiro de 2017, o STJ NÃO ENCAMPOU ESSA TESE DO MPF e manteve seu entendimento no sentido de que o artigo 385 do CPP foi SIM RECEPCIONADO PELA Constituição Federal e que o JUIZ PODE SIM CONDENAR O RÉU AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO PEÇA SUA ABSOLVIÇÃO, prevalecendo, portanto, a permissão dada pelo artigo 385 do CPP e o artigo 42 do mesmo diploma legal, que traz o princípio da indisponibilidade da ação penal pública.

O STF também tem entendimento nesse sentido, reconhecendo a POSSIBILIDADE DE O JUIZ CONDENAR O RÉU AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO REQUEIRA SUA ABSOLVIÇÃO. Para o STF, o MP, como PARTE, FAZ APENAS UM PEDIDO EM SEDE DE ALEGAÇÕES FINAIS, QUE NÃO VINCULA O JUIZ, A QUEM CABE A DECISAO DE CONDENAR OU ABSOLVER. Veja:

AP 921

Órgão julgador: Primeira Turma

Relator (a): Min. LUIZ FUX

Julgamento: 20/06/2017

Publicação: 30/06/2017

Ementa

Ementa: PENAL. DENÚNCIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO EM ALEGAÇÕES FINAIS DO PARQUET. INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. NECESSIDADE DE JULGAMENTO DO MÉRITO, COM BASE EM CONVENCIMENTO JURIDICAMENTE MOTIVADO. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DO ART. , I, DO DECRETO-LEI 201/67. APROPRIAÇÃO OU DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. INSTALAÇÃO DE ESCULTURA METÁLICA EM PRAÇA PÚBLICA. INTUITO DE AUTOPROMOÇÃO. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO AO ERÁRIO, SEM APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS OU DESVIO EM PROVEITO DE TERCEIROS. POSTERIOR REPARAÇÃO DOS DANOS E REMOÇÃO DA ESCULTURA, EM SEDE DE AÇÃO POPULAR. INADEQUAÇÃO DA CONDUTA AO TIPO PENAL OBJETIVO. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. 1. A indisponibilidade da ação penal pública não proíbe que o Ministério Público possa opinar pela absolvição do réu, mas exclui a vinculação do juízo à manifestação do Parquet, tendo em vista a vedação inscrita nos artigos 42 e 576 do Código de Processo Penal, que impedem o Ministério Público de desistir da ação penal ou do recurso que haja interposto. 2. (a) As razões finais da acusação, no processo de ação pública, são meras alegações, atos instrutórios, que tendem a convencer o juiz.

Diante das decisões proferidas pelo STJ e pelo STF e ante a recente mudança produzida no CPP pelo pacote anticrime, que trouxe expressamente no artigo A do CPP o sistema acusatório, mas que em NADA ALTEROU O ARTIGO 385, PODEMOS AFIRMAR QUE PREVALECE O ENTENDIMENTO segundo o qual o artigo 385 do CPP NÃO FERE O SISTEMA ACUSATÓRIO E QUE O JUIZ REALMENTE PODE CONDENAR O RÉU, AINDA QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO PEÇA A ABSOLVIÇÃO.

Vanessa Cristina Macário de Oliveira

Delegada de Polícia

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1 Comentário

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Excelente! Cabe ao Douto Representante do Ministério Público, em sua expertise e fiel fiscalizador dos atos processuais em estrutura acusatória e em face de sua atuação, munido do mais inspirador sentimento de justiça, pois como fiscal da ordem jurídica, pauta sua pretensão com respeito à Lei e a Constituição Federal, atentando para os mínimos detalhes das entrelinhas contidas nas provas carreadas aos autos no decorrer do processo, com olhar de águia e próprio para fundamentar seu pedido de absolvição, não em in dubio pro reo, mas convicto de que o acusado exerceu seu direito de preservação à vida e agindo em legítima defesa! continuar lendo