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27 de Maio de 2024

Poliamorismo: uma nova forma de constituição familiar

Poliamorism: a new form of family constitution

Cláudia Mara de A. Rabelo Viegas [1]

Giselle Souza Rocha[2]

RESUMO: O presente estudo tem por objetivo analisar a possibilidade de reconhecimento das famílias poliafetivas, sobretudo, pela aplicação dos princípios constitucionais da dignidade humana, pluralidade familiar, autonomia privada e isonomia. As famílias poliafetivas surgiram a partir de uma filosofia de vida não monogâmica, denominada poliamor, a qual os indivíduos podem amar e ser amados por mais de uma pessoa simultaneamente com consentimento de todos os membros envolvidos. Essa nova forma de convivência apresenta aspectos diversos dos padronizados, porém, nenhum que o impeça de obter o reconhecimento jurídico como entidade familiar. Desse modo, objetiva-se, por meio de um estudo investigativo bibliográfico e discursivo, desmistificar a ideia de que a única forma legítima de família seja baseada na monogamia. Para tanto, demonstra-se que a monogamia não é um princípio jurídico, sendo, na realidade um valor social, que não impede a constituição da família poliafetiva. Até porque a simples aplicação dos princípios constitucionais dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade, pluralismo das entidades familiares e direito à busca da felicidade estão aptos para legitimação das entidades familiares poliafetivas, apresentando o contrato de união civil como forma de garantir esse direito.

Palavras-Chave: Família. União Poliafetiva. Dignidade da Pessoa Humana. Monogamia. Reconhecimento.

ABSTRACT: The purpose of this study is to analyze the possibility of recognition of police families, mainly through the application of the constitutional principles of human dignity, family plurality, private autonomy and isonomy. Polyphatic families have emerged from a non-monogamous philosophy of life called polyamory, which individuals can love and be loved by more than one person simultaneously with the consent of all members involved. This new form of coexistence presents aspects different from the standard ones, however, none that prevents it from obtaining legal recognition as a family entity. Thus, through a bibliographical and discursive investigative study, the objective is to demystify the idea that the only legitimate form of family is based on monogamy. In order to do so, it is demonstrated that monogamy is not a juridical principle, and is in fact a social value, which does not prevent the formation of the police family. Even because the simple application of the constitutional principles dignity of the human person, freedom, equality, pluralism of family entities and the right to the pursuit of happiness are apt to legitimize the family legal entities, presenting the civil union contract as a way to guarantee this right.

Keywords: Family. Poliaffective Union. Dignity of human person. Monogamy. Recognition.

Sumário: 1 Introdução; 2 A União Poliafetiva; 2.1 Conceito de poliamor; 3.2 Espécies de poliamor; 3.3 Distinção entre união poliafetiva e poligamia; 3.4 A monogamia como um valor Jurídico; 4 Princípios que tutelam a união poliafetiva; 4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 4.2 Princípio do não retrocesso; 4.3 Princípio da não intervenção ou liberdade; 4.4 Princípio da igualdade e respeito à diferença; 5 A união poliafetiva e os institutos jurídicos correlatos; 5.1 A união poliafetiva e a Constituição Federal de 1988; 5.2 A união poliafetiva sob o enfoque da união estável; 5.3 A união poliafetiva e o casamento; 5.4 O posicionamento do CNJ,em relação às escrituras públicas de união civil poliafetivas; Referências

1 INTRODUÇÃO

Ao longo da história da humanidade, a família vem passando por profundas transformações, partindo do estado primitivo e alcançando a pós-modernidade, com transformações constantes que seguem a complexidade do ser humano. Até a constituição de 1967, a família era reconhecida apenas pelo vínculo do matrimônio, que se definia como a união de homem e mulher com objetivo único de perpetuação familiar, incorporação e transmissão de patrimônio. A mulher era subjugada e a felicidade dos membros familiares inserida em segundo plano.

Com a promulgação da Constituição da República de 1988, que apresenta como princípio basilar o respeito à dignidade da pessoa humana, o instituto da família passou a sofrer profundas alterações na esfera jurídica, social e cultural, inclusive, na reformulação do conceito de família.

A família considerada tradicional, composta pela esposa, marido e filhos, já não é vista como única forma familiar reconhecida socialmente.

Percebe-se com a evolução social, que a família que antes era alicerçada no patrimônio, atualmente é norteada pelo Eudemonismo, (que se define como a busca pela felicidade), solidariedade e respeito à dignidade humana de cada membro.

Ao longo dessa transformação social, foram surgindo diversas formas de arranjos familiares, contudo, o direito não acompanhou a rápida alteração sociológica não garantindo a estas, o respaldo do direito da família. Daí a importância do estudo das novas formas de família e do reconhecimento destas pelo ordenamento jurídico pátrio.

A última inovação apresentada neste âmbito é a união poliafetiva ou poliamorismo, que é definida como a modalidade de entidade familiar consistente na união estável poliafetiva, união entre mais de duas pessoas, significando um contrato onde os envolvidos deixam claras suas vontades e intenções como família.

Assim como o casamento monogâmico e a união civil apresentam-se amparados constitucionalmente, busca-se o direito de ter reconhecido também a união poliafetiva, bem como a garantia legal aos membros adeptos a referida união, sendo este direito embasado em vários princípios do ordenamento jurídico brasileiro, mas principalmente no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Entende-se por dignidade, o direito que cada indivíduo tem de fazer suas escolhas individuais sem ser recriminado ou impedido de fazê-las por preconceito moral alheio.

Pondera-se a importância do tema proposto considerando que as relações poliamoristas encontram-se presentes na sociedade moderna, e que não é mais possível ignorá-las, tampouco seus efeitos.

Une-se à importância do tema, o alto índice de procura pelo Poder Judiciário visando auxílio na resolução dos impasses gerados pelo interesse de se registrar as uniões advindas do poliamorismo. Nos Tribunais, surgem inúmeras discussões que provocam interesse sobre a matéria, derivando, especialmente, sobre a possibilidade ou não de reconhecimento dessas relações poliamoristas.

Busca-se com este estudo, portanto, uma breve análise sobre a possibilidade do reconhecimento jurídico, bem como a garantia legal aos membros adeptos a união poliafetiva, com base nos princípios do ordenamento jurídico brasileiro, com maior enfoque princípio constitucional da dignidade humana, e o direito à condução da vida privada de forma livre, sem que o Estado possa intervir de forma excessiva na vida íntima de cada indivíduo.

Em suma, o pretendido é resguardar por meio de efeito dos princípios jurídicos contemporâneos, o direito fundamental de cada indivíduo, de constituir de forma livre uma família, inclusive as pessoas que optam por um núcleo com vários membros.

2 Conceito de poliamor

Poliamor pode ser definido como filosofia de vida, em que há o relacionamento concomitantemente entre mais de uma pessoa, não necessariamente com vínculo sexual, mas com o consentimento de todos os membros, extirpando a ideia de concubinato e monogamia. Segundo Antônio Cerdeira Pilão,

o termo Poliamor é uma combinação do grego [poli (vários ou muitos)] e do latim (amor). No site “Poliamor Brasil’’,o Poliamor é descrito como uma recusa da monogamia como princípio e necessidade, o que possibilita a vivência de “muitos amores” simultâneos de forma profunda e duradoura. (Pilão. 2012)

Vive-se em uma sociedade onde o relacionamento amoroso plural e concomitante é existente para os infiéis monogâmicos tanto quanto para os poliamoristas. O que os difere é que, enquanto os poliamoristas constroem um discurso analítico sobre a regra do monopólio amoroso e sexual, sustentando que é possível viver mais de uma relação ou amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, os infiéis monogâmicos validam de forma hipócrita a regra da fidelidade monogâmica, e imputam ao parceiro, ou a um “pequeno deslize”, sua infidelidade.

Nesse sentido, aduz Mirian Goldenberg:

Nenhum monogâmico apontou o desejo por outra mulher ou a necessidade de uma aventura como motivo para a infidelidade. Os monogâmicos infiéis disseram que sofreram muito e se arrependeram da traição que, acreditam, não se repetirá. A infidelidade não é uma situação desejada ou esperada, mas um acidente de percurso que deve ser corrigido: com o rompimento ou a reestruturação do casamento (Goldenberg, 2010: 131).

O Poliamor baseia-se na liberdade, igualdade, honestidade, cooperação, lealdade, a honestidade, o amor e a ética (a boa-fé-objetiva) e compersão, que significa o controle do ciúme do indivíduo, por ter consciência de que seu parceiro é mais feliz relacionando-se com mais de uma pessoa. Certamente esse é um grande desafio para o ser humano, que naturalmente é possessivo.

2.1 Espécies de Poliamor

É possível perceber diferentes formas de vivência poliamorosa, sendo apresentadas a seguir alguns dos modelos mais conhecidos, quais sejam, mono/poli, poliamor platônico, poliamor aberto, e poliafetividade.

O “monopoli”, identificado quando um dos parceiros é poliamorista, porém o outro é monogâmico, e permite que o companheiro tenha relações fora do relacionamento.

O “poliamor platônico” ou não sexual, ocorre quando há o interesse pelo (s) outro (s) de forma intelectual, sem que haja interesse sexual; a “polifidelidade”, este é o relacionamento pelo qual os membros são fiéis aos parceiros daquela relação, independente de quantos sejam, limitando-se as relações sexuais somente aos entes do relacionamento; o “poliamor aberto”, identifica-se este tipo de relacionamento quando os parceiros não se incomodam com as relações extraconjugais; o “poliamor mono/poli” quando o parceiro mono ou poligâmico permite que o companheiro tenha relações fora do relacionamento.

Sobre essas diversas formas de poliamorismo, Antônio Cerdeira Pilão e Mirian Goldenberg identificam apenas três:

No blog Poliamores, são apresentadas algumas possibilidades de relações poliamoristas. O‘casamento em grupo’ ou ‘relação em grupo’, quando todos os membros têm relações amorosas entre si. A ‘rede de relacionamentos interconectados’, quando cada um tem relacionamentos poliamoristas distintos dos parceiros - ou seja - os namorados de uma pessoa não o são entre si. Há, ainda, as ‘relações mono/poli’, quando um dos parceiros é poliamorista e o outro é monogâmico. O poliamorista mantém relacionamentos paralelos enquanto o monogâmico, por opção, tem só um parceiro.

Os três modelos acima citados se dividem em “aberto” e “fechado”. No primeiro caso, está colocada a possibilidade de novos amores e, no segundo, é praticada a polifidelidade, restringindo as experiências amorosas (PILÃO; GOLDENBERG, 2012, p. 64).

Sandra Elisa de Freire apresenta outro ponto de vista, e identifica uma diversidade maior de espécies com relação ao poliamorismo:

Weitzman, Davidson e Phillips (2009) consideram que o poliamor pode assumir várias configurações, todas adaptáveis aos desejos, às necessidades e aos acordos dos indivíduos envolvidos. Estas formas incluem: (1) Primário – casal em uma relação primária concorda em buscar outros relacionamentos, podendo desenvolver relações profundas e sérias ou terem amantes ocasionais; (2) Tríade – três pessoas desenvolvem uma relação de compromisso íntimo. É mais frequentemente formadaquando um casal já existe e inclui uma terceira pessoa; e (3) Casamento grupal ou poli-família- Três ou mais pessoas formam um coeso sistema de relacionamento íntimo. Eles podem ter exclusividade sexual entre os participantes do grupo (isto é chamado polifidelidade) ou podem concordar com as condições em relação a ter parceiros fora do grupo. VeArd e Veaux (2003) acrescentam outras possíveis configurações poli, a saber: (1) Poli Solteiros – pessoas que não estão envolvidas em qualquer relacionamento, mas acreditam no conceito de poliamor, e nutrem a esperança de incorporá-lo nos relacionamentos futuros que possam ter; (2) Família expandida ou intencional–relação em que três ou mais parceiros conscientemente escolheu uns aos outros como família, podendo ou não viver juntos, possuindo a liberdade de se relacionar sexualmente com todos os membros envolvidos, entretanto este não se constitui um requisito para ser membro (FREIRE, 2013, p. 42-43).

Ainda que o relacionamento poliamorista se apresente mais flexível que o “mono”, por sua estrutura admitir mais de um membro, não implica ser um relacionamento sem regras, as espécies em si apresentam regras próprias, não havendo, portanto, permissão para tudo.

A filosofia praticada no poliamor preza, sobretudo, o fato de que amar, não deve suprimir o mundo tampouco as pessoas em seu derredor, seus seguidores reconhecem de forma lógica que os indivíduos podem amar, bem como serem amados por mais de uma pessoa sincronicamente, de forma sincera e sem nenhuma culpa.

Sobre o progresso do poliamor, discorre a psicanalista Regina Narravo Lins:

No poliamor uma pessoa pode amar seu parceiro fixo e amar também as pessoas com quem tem relacionamentos extraconjugais, ou até mesmo ter relacionamentos amorosos múltiplos em que há sentimento de amor recíproco entre todos os envolvidos.

Os poliamoristas argumentam que não se trata de procurar obsessivamente novas relações pelo fato de ter essa possibilidade sempre em aberto, mas, sim, de viver naturalmente tendo essa liberdade em mente. “O poliamor pressupõe uma total honestidade seio da relação. Não se trata de enganar nem de magoar ninguém. Tem como princípio que todas as pessoas envolvidas estão a par da situação e sentem à vontade com ela. A ideia principal é admitir essa variedade de sentimentos que se desenvolvem em relação a várias pessoas, e que vão além da mera relação sexual”, explica um adepto dessa prática amorosa.

O poliamor aceita como fato evidente que todos têm sentimentos em relação a outras pessoas que as rodeiam. Como nenhuma relação está posta em causa pela mera existência de outra, mas, sim, pela sua própria capacidade de se manter ou não, os adeptos garantem que o ciúme não tem lugar nesse tipo de relação. “Não é o mesmo que uma relação aberta, que implica sexo casual fora do casamento, nem na infidelidade, que é secreta e sinônimo de desonestidade. O poliamor é baseado mais no amor do que no sexo e se dá com o total conhecimento e consentimento de todos os envolvidos, estejam estes num casamento, num ménage à trois, ou no caso de uma pessoa solteira com vários relacionamentos. Pode ser visto como incapacidade ou falta de vontade de estabelecer relações com uma única pessoa, mas os poliamantes se sentem bastante capazes de assumir vários compromissos, da mesma forma que um pai tem com seus filhos” NanWise, uma psicoterapeuta que pratica o poliamor, reconhece que é necessária muita estabilidade emocional. (LINS, 2007, p. 339-340).

Conforme concepção de Regina Narravo Lins, o poliamor se pauta no amor recíproco entre os membros, bem como na honestidade, apresentando um maior foco para o amor do que para o sexo.

No entanto, para que essa forma de relacionamento seja possível, seus adeptos cultivam princípios norteadores para tal prática, destacando-se, conforme já foi dito, a boa-fé objetiva e a livre manifestação de vontade, denominadas pelos poliamoristas de honestidade e consenso, respectivamente. (VIEGAS. 2017)

Antônio Cerdeira Pilão entende que, o poliamor é incompatível com o denominado amor romântico, onde há a idealização do parceiro. Neste sentido expõe que:

Para que o projeto de “honestidade” poliamorista se estabeleça é necessário que o ideal romântico de dois sujeitos se completando seja desfeito. Uma comunicação “sem barreiras” pressupõe que não seja esperado ser o único amado do parceiro - parece ser esse o principal divisor entre o Poliamor e a monogamia: a legitimação de múltiplos vínculos íntimos e profundos. (PILÃO,2012, p. 7).

Claudia Mara de Almeida Rabelo Viegas entende interessante à abordagem de Klesse vinculando o poliamor ao amor democrático, referindo-se à igualdade e liberdade de expressão, não exclusividade, compromisso e honestidade. (VIEGAS.2017).

O indivíduo poliamorista identifica-se com um sentimento diferenciado dos indivíduos monogâmicos, qual seja, a compersão, que se apresenta o oposto do ciúme, sentimento presente em maioria dos relacionamentos monogâmicos.

Neste sentido aduz Antônio Cerdeira Pilão:

A quebra de barreiras na comunicação poliamorista implica uma transformação na forma de lidar com a liberdade do amado, ao invés de “ciúme” e “controle” são valorizados a “flexibilidade” e a “compersão”. O termo “compersão” é uma tradução do neologismo em inglês “compersion” e é considerado um “novo” sentimento, oposto ao ciúme e fruto de um movimento de superação do sentimento de posse, a partir da aceitação da liberdade de amar do (s) parceiro (s). (PILÃO, 2012, p. 7).

Desta forma, conclui-se que compersão é o sentimento de felicidade e satisfação, que um indivíduo tem em saber, e conviver com o fato de seu (s) parceiro (s) se sentirem bem com mais um alguém.

Embora os parceiros poli estejam mais propensos ao ciúme, este sentimento não impede a constituição da relação poliamorosa, principalmente, porque os parceiros parecem mais dispostos a lidar com o sentimento, analisar suas causas e afastando-o por meio da compersão (ANAPOL, 2010).

O indivíduo conversivo não é isento do sentimento de ciúme, contudo, ele lida bem com a presença deste sentimento, e reconhece a liberdade individual do companheiro.

Como se observa, a filosofia poliamorista pressupõe a liberdade e honestidade dos seus membros, no ato de formação do seu arranjo familiar, apresentando regras, linguagem e símbolos próprios. (VIEGAS.2017)

Conclui-se, portanto, que o Poliamor pode ser considerado uma filosofia de vida, através da qual as pessoas adeptas podem ter uma relação afetiva não monogâmica de forma sincera, consensual e compersiva.

2.2 Distinção entre união poliafetiva e poligamia

Necessário se faz discorrer sobre a diferenciação entre a poliafetividade e a poligamia.

Poligamia é a nomenclatura utilizada para os casamentos entre um homem e três ou mais mulheres, sendo denominada poliginia ou poliandria a relação entre uma mulher e vários homens. Nesse caso, o homem contrai um casamento com cada mulher, de modo a possuir mais de um matrimônio, o que no Brasil não é permitido. O termo poligamia é originário da língua grega, decorrendo da combinação das palavras polis (muitos) e gamos (matrimônios).

Em alguns países islâmicos, a poligamia é aceita e faz parte da cultura,no entanto, todas as mulheres do homem, devem aceitar essa condição. Nesses casos, o vínculo é admitido pelas instituições estatais.

É importante ressaltar que as relações sexuais casuais, as consideradas orgias, prostituição e trocas de casais não estão inseridas no que se denomina poligamia.

Noocidente, o direito não autoriza a poligamia, sendo considerado legal pelo ordenamento jurídico, apenas um matrimónio de cada vez.

No Brasil, a poligamia é proibida e está prevista no Código Penal Brasileiro em seu artigo 235, que contempla sanção para casos de bigamia, ou seja, quem é casado e contrai casamento com outra pessoa, simultaneamente, comete crime. Contudo, se não houver vínculo jurídico legítimo, inexistindo um casamento legal, um homem pode ter mais do que uma mulher (poligamia) e uma mulher mais do que um homem (poliginia/poliandria), devido a atipicidade do adultério.

Neste sentido discorre Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas:

Em consonância ao princípio da legalidade e taxatividade do tipo penal, a poligamia proveniente de dois casamentos seria considerada crime no Brasil, todavia, a poligamia fora do âmbito matrimonial não apresentaria qualquer consequência penal (VIEGAS,2017)

A poliafetividade por sua vez, pode ser considerada decorrente do poliamor qualificado pelo objetivo de constituir entidade familiar formada de três ou mais pessoas, que exteriorizam espontaneamente sua vontade de constituir família, fundada na afetividade, boa-fé e solidariedade.

Cláudia do Nascimento Domingues, tabeliã que registrou a primeira união estável poliafetiva, em Fevereiro de 2012, declara que “o Poliamor é gênero do qual a poliafetividade é uma espécie (DOMINGUES, 2015), e complementa:

O Poliamor é uma estrutura aberta, que não exige necessariamente essa constituição que nós criamos com a união estável poliafetiva”, ao passo que a poliafetividade envolve os efeitos jurídicos de uma constituição familiar. Ressaltou a jurista que, no mundo, há estruturas poliafetivas – acordos que envolvem uma unidade familiar, bem como o poliamor que não se constitui em família, como, por exemplo, uma relação poliamor aberta, sexuais – acordo puramente sexual, ou assexuais – acordo de relação assexuais -, sem qualquer objetivo de formação familiar (DOMINGUES, 2015).

Percebe-se, portanto, a diferença existente entre poliamorismo e poliafetividade, sendo este último uma espécie de poliamorismo.

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas conceitua a poliafetividade, ou relação poliafetiva como:

A relação poliafetiva, conforme já dito, se constitui num único vínculo jurídico familiar entre mais de duas pessoas, que se unem pela afetividade e solidariedade, dividindo objetivos comuns. Não se trata bigamia, nem poligamia, pois não há dois casamentos, também não se trata de uma família simultânea. (VIEGAS.2017)

Importante considerar, que nem todas as relações poliamoristas, ensejarão a constituição familiar, visto que em várias espécies, falta um requisito indispensável, a poliafetividade.

Cláudia do Nascimento Domingues afirma que a poliafetividade é um legítimo conformador do vínculo familiar, ainda que não sobrevenha registro, interessando apenas a relação fática constituída pela união estável pública, duradoura e com intuito de solidariedade familiar (DOMINGUES, 2015).

O que diferencia a poliafetividade da poligamia, é que o relacionamento poliafetivo, é constituído de um vínculo jurídico familiar entre três ou mais pessoas, que se unem pela afetividade e solidariedade, compartilhando objetivos comuns. Não se deve confundir a poliafetividade com a bigamia, tampouco com a poligamia, pois não há dois casamentos, bem como, não se trata de uma família simultânea.

A família poliafetiva se insere no âmbito do reconhecimento da autonomia privada do ser humano, que, dentro da natureza constitucional pluralista, tem o poder jurídico de escolher a família que melhor lhe satisfaça. Os princípios da pluralidade familiar, igualdade e autonomia privada pressupõem respeito a toda e qualquer entidade familiar formada livremente pela afetividade de seus membros.

3 A monogamia como um valor Jurídico

A monogamia foi instituída na Grécia antiga e no Oriente Médio com o estabelecimento da propriedade privada, buscando a delimitação da constituição familiar e restringindo a liberdade sexual da mulher, e a garantia da paternidade biológica, sendo o núcleo familiar centralizado em um único homem, iniciando o sistema patriarcalista, com intuito de proteção patrimonial, forma de perpetuação da propriedade através da herança.

Para Engels, a monogamia foi primeira forma de constituição familiar que não se baseou em condições naturais, mas sim em econômicas, no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade privativa, originada espontaneamente. (ENGELS, 2002, p. 75)

Engels caracteriza de forma evidente o heterismo masculino, que de forma quase indissociável acompanhou o casamento monogâmico, pois os homens mantinham relações fora do casamento e isso era considerado natural, só não havia o reconhecimento dos filhos bastardos. Desta forma, percebe-se que a monogamia desde o início fora instituída basicamente para a mulher.

Entende-se que a monogamia é uma livre opção de cada indivíduo, podendo este se relacionar com único parceiro toda a sua vida, sendo denominada monogamia tradicional, ou aquele que se relaciona com um parceiro de cada vez durante um certo período, denominada monogamia serial.

Conforme entendimento de Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas,

A monogamia não se sustenta como princípio jurídico, sobretudo, por não ser considerada um “dever ser” imposto pelo Estado a todas as relações familiares. No primado da dignidade da pessoa humana, não é possível compelir um indivíduo a formar uma família essencialmente monogâmica, quando esta não for a sua essência de vida. (VIEGAS, 2017)

A monogamia foi institucionalizada pela igreja, é ainda hoje, indiscutivelmente arraigada na sociedade contemporânea, contudo, não pode ser considerada como impedimento para o reconhecimento das novas famílias como entidade familiar, não tem a monogamia respaldo legal para inviabilizar direitos quando se tem em mente um novo paradigma de família trazido pela Constituição Federal de 1988.

O reconhecimento da família poliafetiva como entidade familiar encontra grande resistência baseada na monogamia, que para muitos é tida como princípio.

No entanto, há controvérsia se a monogamia é ou não um princípio. Diante de tal indagação, necessário se faz definir o que venha a ser princípio.

Conforme cita Claudia Mara de Almeida Rabelo Viegas apud Robert Alexy (2012) e Ronald Dworkin (2002), “(..) as normas jurídicas que compõem o Direito Contemporâneo manifestam-se por meio de regras e de princípios jurídicos, ou seja, o gênero “norma” abarca como espécies as regras (leis) e os princípios.” (VIEGAS. 2017)

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas define princípios como:

Os princípios são fontes do direito, que possuem caráter de dever e de obrigação, proposições ideais que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico. Dotados de força normativa, são diretrizes centrais que embasam o direito e fornecem subsídios a sua correta interpretação e aplicação. (VIEGAS. 2017)

O princípio na qualidade de lei moral, é um valor que orienta o individuo a aderir determinado comportamento,associado à liberdade individual, visto que, um princípio é estabelecido sem imposição, apesar da influência em torno do processo de socialização.

Sendo a monogamia um princípio, devendo ser imposta a todos o “dever ser”, estaria havendo uma supressão da liberdade individual,em detrimento da autonomia privada. Neste sentido, aduz Claudia Mara de Almeida RabeloViegas:

Sendo o princípio jurídico um mandamento, uma norma que delimita comportamento, a imposição da monogamia vai de encontro aos princípios da pluralidade familiar e da autonomia privada, ferindo de morte a liberdade das pessoas de formar o desenvolvimento de sua personalidade, no modelo familiar que melhor lhe corresponda. O princípio, como dever-ser, obrigaria a conduta monogâmica a todos, inadmitindo juízo acerca da sua qualidade como meio de vida. (VIEGAS, 2017).

Ainda sobre a monogamia, César Fiúza e Luciana Poli apontam que:

Elevar a monogamia à categoria de princípio é perpetuar o que o texto constitucional não disse; é vendar os olhos para inúmeras realidades familiares; é perseguir resultados desastrosos; é negar o reconhecimento e proteção a diversos núcleos familiares (FIÚZA; POLI, 2016, p. 166).

E complementam ainda que Princípios têm conteúdo normativo; pertencem ao plano deôntico e possuem tônus de coercibilidade; importam um dever ser, que propõe uma avaliação de lícito ou ilícito. (FIÚZA; POLI, 2016, p. 166).

Notório, portanto, que, considerar a monogamia como princípio jurídico seria como renegar todas as conquistas históricas do Direito das Famílias. Não podendo a dignidade, bem como liberdade individual ser suprimida, compelido os indivíduos, de forma a controlar suas vontades, e os fazer abrir mão de sua liberdade de escolha, em detrimento de determinações morais, patrimoniais, religiosas e estatais.

Desta forma, a monogamia apresenta-se mais como um estilo de vida, sendo uma escolha individual, do que um princípio, que deve ser imposto a todos de forma semelhante.

Neste sentido, assevera Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas “monogamia é, na verdade, um estilo de vida, um valor que cabe juízo de qualidade de ser uma boa ou péssima opção de modo de viver”, sendo complementada por Lana e Rodrigues Júnior relatam que “os valores se encontram no campo da axiologia e suas avaliações serão consideradas a partir do melhor e pior na visão de quem avalia” (LANA; RODRIGUES, 2010).

Portanto, deve-se considerar a monogamia como um valor moral, que não apresenta natureza de princípio, sendo, portanto, incabível julgar ilícitas as demais formas de convivência resultante de escolhas simultâneas.

Neste sentido aduz Maria Berenice Dias, “O princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural” (DIAS. 2012)

E complementa, Carlos Eduardo Pianovsky Ruzyk, sintetiza que:

[...] tomar um princípio jurídico da monogamia como um “dever ser” imposto pelo Estado a todas as relações familiares é algo que entra em conflito com a liberdade que deve prevalecer naquela que é uma das searas da vida na qual os sujeitos travam algumas das mais relevantes relações no tocante à formação de sua subjetividade e desenvolvimento de sua personalidade.

Nada obstante sua inequívoca inserção histórico-sociológica como dado de longa duração - sob a perspectiva já explicitada - não se trata a monogamia de regra que possa ser imposta a todas as pessoas que, em suas múltiplas “morais”, podem reputar uma realidade familiar poligâmica como mais adequada às suas aspirações existenciais.

Não se trata de criticar a orientação monogâmica comum a uma moral social média, que reflete uma longa permanência histórica. Trata-se, sim, de criticar a pretensão de atribuir ao direito estatal o poder de reputar ilícitas formas de convivência decorrentes de escolhas coexistências materialmente livres (RUZYK, 2016, p. 05).

Conclui-se que não há embasamento jurídico para considerar a monogamia um princípio constitucional, simplesmente, para não legitimar os grupos familiares simultâneos e poliafetivos, deixando de aplicar a eles seus os efeitos jurídicos.

Rodrigo da Cunha Pereira, “a monogamia funciona como um ponto chave das conexões morais de determinada sociedade. Mas não pode ser uma regra ou princípio moralista, a ponto de inviabilizar direitos” (PEREIRA, 2015).

Prosseguindo,

Princípio da monogamia deve ser conjugado e ponderado com outros valores e princípios, especialmente o da dignidade da pessoa humana. Por este motivo, todos os direitos concedidos aos casais com união estável devem ser garantidos a essa união poliafetiva (PEREIRA, 2015).

Ainda que partíssemos da hipótese de haver colisão entre princípios, utilizar-se-ia a técnica da ponderação, que é um meio de conciliação dos princípios em conflito, de modo que cada qual será aplicado na medida em que melhor contribui para a justiça num dado caso concreto. Neste caso, não haveria análise da dimensão de validade do princípio da monogamia, somente o afastamento do mesmo, em face do sopesamento, “maior peso”, da dignidade da pessoa humana.

Considerando a carga valorativa do princípio da dignidade humana, este se mostra satisfatório para legitimar a liberdade do indivíduo para constituir uma família não monogâmica, quebrando padrões.

4 PRINCÍPIOS QUE TUTELAM A UNIÃO POLIAFETIVA

Diversos princípios constitucionais tutelam as relações poliafetivas, demonstrando seu valor como entidade familiar, sendo os mais pertinentes, o princípio da dignidade da pessoa, o princípio da afetividade, o princípio da intervenção mínima do Estado, o princípio da solidariedade e o princípio da igualdade.

Para demonstrar a força normativa dos princípios afetos a esfera familiar, mister se faz uma breve diferenciação entre as regras e princípios.

No ordenamento jurídico, entre os princípios e regras, a principal diferença está no grau de importância e abrangência de cada um.

De uma forma mais ampla, estão os Princípios, instituindo carga valorativa aos anseios sociais e ideais filosóficos.

As regras apresentam-se de forma mais específica e devem demonstra-se de acordo com os princípios. As regras têm caráter mais limitado, sendo comum um princípio incidir sobre várias normas, visto que as regras sucedem dos princípios.

Passa-se agora a analisar cada um dos princípios norteadores da possibilidade de reconhecimento da união poliafetiva.

4.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

Dentre os princípios instituídos pela Carta Magna em 1988 está “a dignidade da pessoa humana”, previsto no art. 1, III CR/88.

Sobre o princípio da Dignidade da pessoa humana aduz Alexandre de Moraes “concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas”, e aparta a ideia “de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual”. (MORAES. 2011, p. 24).

A dignidade é fundamentada na própria existência do homem, podendo ser definida como agrupamento de direitos existenciais intrínsecos a todos os indivíduos, em proporção semelhante, independentemente de sua capacidade de agir, pensar, sentir.

Alexandre de Moraes em Constituição do Brasil Interpretada aduz:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.(Moraes, 2005. p. 129.)

Há o entendimento de que a dignidade da pessoa independe de fatores sociais, culturais ou quaisquer outros que sejam, sendo todo indivíduo detentor de igual dignidade, por apresentar as mesmas necessidades e faculdades vitais devido a sua condição humana.

Segundo Dalmo de Abreu Dallari, mesmo considerando as diversidades socioculturais dos povos, a dignidade constitui-se um “valor universal” (DALLARI, 2002, p. 08).

A concepção de proteção à Dignidade da Pessoa Humana não é um fato recente, ganhando maior força após os degradantes episódios ocorridos na Segunda Guerra Mundial, momento em que a pessoa humana foi inserida como o centro de proteção no ordenamento jurídico pela Declaração Universal de Direitos Humanos, conferindo-lhe dignidade e igualdade de direitos, logo no artigo 1º, in verbis: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (ONU, 1948).

A dignidade assume várias concepções, entre elas a de proteção a igualdade, justiça social e solidariedade, princípios que incidem nas relações públicas e particulares.

Com efeito, o princípio da Dignidade Humana vincula não só os poderes públicos, mas também os particulares, pois, a Constituição Federal normatiza principiologicamente, diversos âmbitos da vida do ser humano, os quais o Estado não participa diretamente. (VIEGAS. 2017).

Verifica-se grande evolução quanto ao reconhecimento e proteção à dignidade da pessoa humana no que tange o direito.

Nesse sentido, Guilherme Calmon, oportunamente, ressalta que:

A dignidade da pessoa humana, na perspectiva das relações intersubjetivas, cria dever geral de respeito pela pessoa (com valor intrínseco), consistente num conjunto de deveres e direitos recíprocos, de natureza material, voltados ao resguardo e à promoção dos bens indispensáveis ao desenvolvimento da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana, também vista sob o enfoque das relações intersubjetivas, merece ser reconhecida e devidamente tutelada pela ordem jurídica na perspectiva de igual respeito e igual consideração de toda pessoa humana, tanto pelo Estado como pela sociedade (GAMA, 2011, p. 262).

Considerando essa evolução do direito com relação a dignidade humana, verifica que esta se tornou um princípio indissociável da democracia, sendo considerada um direito supra positivo, ou seja, aquele direito natural de existência Humana digna, devendo portanto ser respeitado e amparado pelo Estado. Neste sentido discorre Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas:

E, atualmente, os direitos da pessoa humana considerados como direitos supra positivos, ou seja, constituem prerrogativas inerentes à condição humana que devem ser respeitados e protegidos pelo Estado de Direito Democrático, tornando-se indissociáveis de todas as Constituições Democráticas. (VIEGAS, 2017)

Importante ressaltar que, esse progresso da dignidade da pessoa no ramo do Direito, refletiu profundamente nas formas das famílias brasileiras. Em respeito ao princípio basilar da dignidade humana, o Direito das Famílias evoluiu, e trouxe a ampliação do conceito de família, considerando legítimas as mais variadas formas de constituição familiar.

A Constituição da República de 1988 veio romper o tratamento discriminatório existente no passado, através da instituição dos princípios, valores e a proteção a pessoa humana, instaurando igualdade entre homens e mulheres e a liberdade de escolha de cada indivíduo.

Tem-se hoje, a dignidade humana elevada a valor fundamental a ser executada pelos direitos e garantias fundamentais da República Federativa do Brasil.

A Dignidade pressupõe a igualdade entre as pessoas, de forma que, todos devem ter seus interesses considerados de maneira igualitária, independentemente de características individuais.

Desta forma, não resta dúvidas de que a aplicação efetiva da igualdade confere aos membros da família poliafetiva o direito ao respeito pela livre escolha para sua constituição familiar, sem qualquer discriminação.

O direito à livre formação familiar é uma conquista do homem, desta forma exercendo a liberdade e da autonomia privada para escolha do arranjo familiar que melhor lhe agradar, se mostra suficiente para legitimar a formação qualquer entidade familiar baseada no afeto e na solidariedade.

A incidência do princípio da dignidade humana, já é suficiente para retirar qualquer rejeição do Estado, no que tange às novas formas de constituição familiar, inclusive a poliafetiva.

O fato é, que a elevação da dignidade da pessoa humana, como fundamento da República, consagrou a primazia dos valores existências sobre os patrimoniais, razão pela qual tal princípio se mostra como fundamento basilar para justificar o reconhecimento das famílias poliafetivas.

4.2 Princípio do não retrocesso

O princípio do Não retrocesso surgiu na década de 90, época em que a constituição federal sofreu críticas, referentes aos direitos sociais, com intuito de considerar a efetivação dos direitos constitucionais e em defesa das conquistas sociais.

Sobre o princípio do retrocesso expõe Canotilho:

[…] quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A “proibição de retrocesso social” nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana.(CANOTILHO, 2003, p. 338,339 )

Segundo entendimento de Canotilho, pode-se considerar que tal princípio “é a vedação ao legislador de suprimir arbitrariamente a disciplina constitucional ou infraconstitucional de um direito fundamental social”. (CUNHA. 2013.)

Analisando tal princípio, conclui-se que, não pode o legislador decidir de forma que haja um retrocesso a um direito ou garantia já adquirido pelo indivíduo. Ou seja, o Estado tem o dever de buscar medidas que não cause perdas às conquistas já alcançadas.

Neste sentido, verifica-se o princípio do não retrocesso está presente no direito das famílias, uma vez que a Constituição Federal, não exclui a formação de famílias plurais diversas da tradicional, ou seja, não se pode impedir o reconhecimento da família poliafetiva, uma vez aplicado o princípio do não retrocesso, evitando desta forma a violação de um direito já adquirido.

4.3 Princípio da não intervenção ou liberdade

Princípio da não-intervenção ou da liberdade está previsto no art. 1513 do CC/02, que prevê: “É defeso a qualquer pessoa de direito público ou privado interferir na comunhão da vida instituída pela família” (BRASIL, 2002).

Trata-se da consagração do princípio da liberdade ou da não intervenção na perspectiva do Direito de Família.

O princípio da intervenção mínima do Estado refere-se ao fato de que o Estado não detém nenhum direito de intervir na formação dos núcleos familiares, sendo estes constituídos conforme a liberdade e autonomia de seus membros da forma que melhor lhe aprouver trazendo a eles felicidade e realização pessoal.

Ao Estado não cabe intervir na seara do Direito das Famílias, se o fizesse, estaria desconstituindo a base socioafetiva familiar. Resta, portanto ao Estado, o dever de zelar pelas famílias, oferecendo apoio e assistência. Neste sentido descreve Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho PAMPLONA FILHO:

Não cabe, portanto, ao estado, interferir na estrutura familiar da mesma maneira como (justificada e compreensivelmente) interfere nas relações contratuais: o âmbito de dirigismo estatal, aqui, encontra contenção no próprio princípio da afetividade, negador desse tipo de agressão estatal. (GAGLIANO; FILHO; 2013, p. 106)

O princípio da não intervenção ou liberdade apresenta-se interligado ao princípio da autonomia privada, visto que este legitima o indivíduo, o direito de exercer a sua liberdade, autor regulando-a, em conformidade com seus próprios interesses. Analisando no âmbito da família, este princípio proporciona a constituição dos mais variados arranjos familiares, considerando o ambiente que melhor lhe convier.

O princípio da autonomia privada é a liberdade do indivíduo em fazer suas escolhas. Este princípio se faz muito presente no direito das famílias. Daniel Sarmento define o princípio da autonomia privada, “como o poder que a pessoa tem de auto regulamentar os próprios interesses” (SARMENTO. 2005, p. 188), e complementa:

Esse princípio tem como matriz a concepção do ser humano como agente moral, dotado de razão, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, e que deve ter a liberdade para guiar-se de acordo com estas escolhas, desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores relevantes para a comunidade (SARMENTO. 2005, p. 188).

A autonomia privada pode ser facilmente identificada no âmbito das famílias, quando um indivíduo escolhe com quem vai namorar, casar ou se unir, neste sentido, está exercendo a autonomia privada.

Importante frisar que o Estado ou um ente privado não pode intervir coercitivamente nas relações de família, contudo, poderá estimular o controle de natalidade e o planejamento familiar através de políticas públicas.

4.4 Princípio da igualdade e respeito à diferença

Para se falar em igualdade, necessário se faz citar Boaventura "As pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza." (SANTOS, 1997. p. 105-124.)

Por meio de um processo histórico evolutivo, em que se transmuda a cultura social, surgi a ideia de igualdade entre os cônjuges e companheiros, bem como nas relações familiares.

Neste sentido afirma o doutrinador Roberto Senise Lisboa, "com o fim do patriarcalismo e a emancipação da mulher, confere-se a ela a igualdade de direitos em relação ao seu marido, durante a constância do casamento”. (LISBOA, 2004, p.47)

Sobre o princípio da igualdade e respeito à diferença, Maria Berenice Dias lembra que:

[...] falar em igualdade sempre lembra a célebre frase de Rui Barbosa: tratar os iguais com desigualdade ou a desiguais com igualdade não é igualdade real, mas flagrante desigualdade.

O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. (DIAS, 2009, p.62).

E conclui:

[...] a relação de igualdade nas relações familiares deve ser pautada não pela pura e simples igualdade entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros, caracterizada da mesma forma pelo afeto e amor. A organização e a própria direção da família repousam no princípio da igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, tanto que compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mutua colaboração. (DIAS, 2009, p.62)

Entende-se a respeito do princípio da igualdade presume-se que todos são dignos da tutela do Estado de modo igualitário, sem distinção de raça, cor, sexo e classe social. Esta disposição constitucional está fortemente ligada a proteção familiar que, independentemente de seu contexto e dos membros envolvidos são dignos de plena proteção, sendo defeso qualquer tipo de discriminação, conforme aduz Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

O princípio da liberdade, intimamente associado ao princípio do pluralismo democrático, no âmbito das relações familiares, se associa a autonomia privada no segmento da liberdade de escolha de constituição, de manutenção e de extinção da entidade familiar, sem que haja qualquer tipo de imposição externa das pessoas dos familiares. (GAMA, 2008, p. 75)

Conhecido também como princípio da justiça, o princípio da igualdade aliado a valores democráticos e sociais é um ponto forte para o reconhecimento sem distinção dos novos arranjos familiares como entidade familiar, visto que, pelo dado princípio, todos tem o direito a tutela do Estado de forma igualitária, independentemente de ser monogâmico, poliafetivo, heterossexual, ou homossexual.

4.5 Princípio do pluralismo das entidades familiares

Ao longo dos tempos, as estruturas familiares foram adquirindo novos contornos, passando de uma ótica meramente patrimonial e de reprodução para um modelo democrático e fundada nos princípios da promoção da dignidade humana e da solidariedade.

Até a promulgação da CR/88, somente o casamento lograva reconhecimento e proteção do Estado, sendo os demais vínculos familiares rechaçados pela sociedade, bem como pelo Estado.

Com a proclamação da Constituição Federal em 1988, momento em que o matrimônio deixou de ser considerado como a única base da sociedade e da família, houve um considerável aumento nas formas de arranjos familiares.

O Princípio do Pluralismo das Entidades Familiares foi então consagrado a partir da Constituição Federal de 1988 onde houve ampliação do entendimento do Direito de Família. Ocorreu, portanto, a partir da CR/88, o reconhecimento das entidades familiares não matrimoniais, e estendeu a elas, a garantia do amparo jurídico, baseando-se no princípio da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, entende Maria Berenice Dias que “O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento, pelo Estado, da existência de várias possibilidades de arranjos familiares” (DIAS, 2010, p.67).

Nessa fase da evolução, a formação do núcleo familiar, já não mais se prende ao matrimônio como anteriormente. Neste sentido discorre Francisco José Ferreira Muniz.

A família à margem do casamento é uma formação social merecedora de tutela constitucional porque apresenta as condições de sentimento da personalidade de seus membros e a execução da tarefa de educação dos filhos. As formas de vida familiar à margem dos quadros legais revelam não ser essencial o nexo família-matrimônio: a família não se funda necessariamente no casamento, o que significa que casamento e família são para a Constituição realidades distintas. A Constituição apreende a família por seu aspecto social (família sociológica). E do ponto de vista sociológico inexiste um conceito unitário de família." (Muniz, 1993, p. 77)

Considera-se, portanto, que a família, não possui uma forma homogênea e determinada, podendo surgir através de diversos arranjos, seja mono, poli, hétero, homo...Enfim, corroborando com esse entendimento, aduz Francisco José Ferreira Muniz, “inexiste na Constituição uma construção geométrica da família; ao contrário reconhece-se a diversidade, a pluralidade dos diferentes tipos de família que merecem tratamentos idênticos” (MUNIZ, 1993, p. 77).

Pautando de forma exemplificativa, o legislador referiu-se a algumas formas de convivência, como o casamento, a união estável e o arranjo monoparental, previstos no art. 226 da CR/88, deixando explicito que a proteção que antes era voltada ao casamento foi direcionada à entidade familiar, hoje considerada base da sociedade, independente do seu modo de constituição.

Com a Constituição da República de 1988, a manifestação de vontade que antes era voltada para a reprodução e preservação do patrimônio, perde o foco e deixa de ser elemento característico dos vínculos interpessoais para dar lugar à afetividade. A família transforma-se de unidade produtiva para uma unidade plural e socioafetiva. Nasce à concepção eudemonista, a busca pela felicidade, em que os arranjos familiares priorizam a realização dos interesses afetivos e existenciais de seus membros, e é assegurada ao indivíduo, relação de igualdade e de respeito mútuo.

Não há como se negar às novas formas de constituição familiar, uma vez que essas já foram admitidas constitucionalmente e trata-se de uma realidade sociológica que antecede o direito.

Além de tudo, o ser humano é um sujeito de direitos, bem como um sujeito de desejos, não sendo possível ao Estado controlá-los.

5 A UNIÃO POLIAFETIVA E OS INSTITUTOS JURÍDICOS CORRELATOS

Com a promulgação da Constituição de 1988, a atribuição de lei primordial da família, que era exercida pelo Código Civil e leis esparsas, passou a ser de tutela da CR/88. O texto constitucional aliado a nova ordem jurídica recusou dogmas passados, como o reconhecimento somente do casamento civil como entidade familiar, a ideia de inferioridade jurídica da mulher, dentre outras, buscando trazer uma prevalência dos valores das pessoas sobre a importância material, havendo uma inversão dos valores anteriores. Neste sentido, disserta Maria Berenice Dias:

O casamento não mais é a única entidade familiar reconhecida e tutelada. A lei do divórcio ganha cunho constitucional. A igualdade entre homem e mulher é expressamente estabelecida, rompendo com os paradigmas do pátrio poder, instituindo o poder familiar, assegurando às mulheres participação e capacidade igualitárias no seio da entidade familiar. O princípio da dignidade da pessoa humana ganha referência expressa e é instituído como basilar das relações familiares. Por fim, a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 preocupa-se em garantir o direito à individualidade dos membros do grupo familiar (DIAS, 2007, 30-31).

A Constituição da República de 1988 inseriu no ordenamento jurídico, o reconhecimento de um conceito pluralista de famílias, acompanhando a evolução da sociedade contemporânea. Tais preceitos apresentados pela Carta Magna, conduziram toda a legislação incidente, em especial o constitucionalizado Código Civil de 2002, que inseriu em seu título III, a união estável como entidade familiar.

5.1 A união poliafetiva e a Constituição Federal de 1988

A família é uma instituição muito antiga que vem evoluindo e se alterando tanto no ponto de vista estrutural, comportamental e conceitual, expondo nos dias atuais uma face social diferenciada.

A família hoje vem sendo alvo de muitas elaborações legislativas com o intuito de trazer aos indivíduos, o ordenamento jurídico que a contemporaneidade necessita.

A Constituição Federal de 1988 trouxe grandes alterações para o ordenamento jurídico brasileiro. O art. 226 vem ampliando o conceito de família e reconhecendo algumas das entidades familiares já existentes na sociedade.

Em especifico, no art. 226, § 3º, houve o reconhecimento da união estável como entidade familiar, garantido aos companheiros, o amparo estatal enquanto família.

Importante frisar que a previsão legal de entidade familiar na Carta Magna, não se apresenta de forma a limitar o reconhecimento de quaisquer outras novas constituições familiares que poderão surgir ao longo da evolução social, movimento que não há como se impedir.

A poliafetividade, hoje, é um desses arranjos familiares diferenciados, que surgiu ao longo da evolução social. Esta nova forma familiar vem enfrentado muito preconceito e resistência dos mais conservadores, para obter seu reconhecimento como união poliafetiva, vindo a complementar as entidades familiares presentes em nossa sociedade.

Não há que se falar em impedimentos legais, no que tange tal reconhecimento, pois a união poliafetiva, apresenta os mesmos requisitos necessários para uma união civil, quais sejam, convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição familiar. A lealdade e respeito mútuo, também estão presentes nestas relações, visto que o envolvimento só é permitido entre os membros integrantes da relação, ocorrendo o contrário, é tido como traição.

O que diferencia a união civil da poliafetiva é o número de membros desta relação, sendo um elemento incapaz de impossibilitar o reconhecimento desta união.

Conclui-se, portanto, que a união poliafetiva, merece tanto quanto as outras entidades familiares o reconhecimento legal, e a segurança jurídica aos seus adeptos.

5.2 A união poliafetiva sob o enfoque da união estável

O aspecto marcante da união estável é a inexistência de formalismo em sua constituição. Independentemente de qualquer formalidade, o simples fato de ter vida comum entre os membros e estando presentes os requisitos, convivência continua, duradoura e pública, pode-se constituir a união estável.

A união estável configura-se em uma entidade familiar autônoma, com características próprias, prevista na Constituição Federal em seu art. 226, § 3º, bem como no Código Civil vigente em seus arts. 1.723 a 1.727.

Objetivou-se com a criação da união estável, tutelar aquelas famílias originadas espontaneamente, que antes eram privadas do reconhecimento pelo Poder Estatal, que considerava somente o matrimônio digno de proteção do Estado.

Como já tratado em tópico anterior, é sabido que nem toda espécie de poliamor detém o objetivo de constituição familiar, sendo analisado sob esse prisma, somente a espécie poliafetiva.

Em se tratando das relações poliafetivas, onde existe a pluralidade de afetos, e todos os membros possuem o interesse de constituir uma família, de conviverem de forma contínua e duradoura, bem como respeitar os deveres de lealdade e o respeito individual, caracteriza claramente uma união estável.

Os novos arranjos familiares têm como princípio regulador a afetividade entre seus membros, e esta relação afetiva deve ser protegida, não somente com intuito de amparar as pessoas que tem direito ao reconhecimento judicial, mas também visando garantir e legitimar a relação de coexistência perante terceiros.

Além do mais, a família atual evoluiu, não sendo mais o matrimônio tratado como único modelo de entidade familiar, mas sim sob um molde a ser preenchido conforme as aspirações pessoais de seus membros.

Conforme julgado da Ministra Nancy Andrighi:

Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes. Deve o juiz nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de intolerância ou de repulsa que possam por ventura se revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em conflitos. (STJ, Resp. 1.026.981/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª Turma, j. 04.02.2010, DJe 23.02.2010)

Busca-se defender, a poliafetividade como componente de um vínculo jurídico familiar não monogâmico, constituído livremente por mais de três pessoas, que possui como objetivo constituir família.

Na espécie da polifidelidade, relação em que três ou mais pessoas convivem simultaneamente, sem se relacionar com pessoas de fora do grupo, é clara a intenção de constituição familiar, verifica-se a presença da lealdade entre os membros. Segundo Rafael da Silva Santiago, neste caso da polifidelidade,

Tem-se um verdadeiro casamento – ou união estável – só que com uma única diferença: o número de integrantes. Isso significa que o tratamento jurídico que deve ser conferido a polifidelidade é idêntico ao tratamento estabelecido às famílias oriundas do casamento, da união estável, monoparentais, recompostas, enfim, o mesmo tratamento deferido às demais entidades familiares reconhecidas pelo Direito, tendo como única diferença o número de integrantes (SANTIAGO, 2014, p. 175)

Diante o exposto, o surgimento da família Plúrima, e a projeção, da manifestação da afetividade perante a sociedade, não há como não se falar em reconhecimento do arranjo poliafetivo como entidade familiar. Não pode em hipótese alguma, essas relações serem desamparadas pelo Estado.

5.3 A união poliafetiva e o casamento

Evidenciada a possibilidade de constituição familiar poliafetiva, por meio da escritura pública de união estável, importante realizar uma breve análise, quanto à possibilidade de conversão daquela em casamento.

Contudo, vale ressaltar que o Direito das famílias hoje garante proteção à entidade familiar originaria tanto do matrimônio, quanto das uniões estáveis, não havendo mais qualquer diferença na proteção destas entidades.

A conversão de União estável em casamento está prevista no art. 1726 do Código civil de 2002, in verbis: “A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil” (BRASIL, 2002).

Verifica-se que os procedimentos são praticamente os mesmos do casamento convencional, os documentos, as testemunhas, o regime da comunhão parcial de bens, o prazo, etc., o que diferencia, é a ausência da necessidade dos noivos comparecerem ao cartório num dia determinado para dizer o “sim” diante do juiz de paz.

6 CONCLUSÃO

O presente estudo sobre poliafetividade apresenta grande relevância social nos tempos atuais, pois se tem verificado uma grande evolução nas instituições familiares, e, com isso, o ordenamento jurídico brasileiro, aos poucos, vem rompendo tabus de ordem ética e moral.

O tema é atual e polêmico, com questões extremamente controvertidas, capazes de gerar grande diversidade de opiniões, desde a mais favorável até a mais discordante.

A Constituição da Republica consagrou no caput do artigo 226 o princípio da pluralidade de famílias, não permitindo desse modo, a restrição da diversidade familiar que venha surgir ao longo da evolução social.

Portanto, o Estado deve garantir de forma indistinta, a proteção de qualquer grupo familiar que se encaixe nesse contexto.

Tem-se hoje, que a família é a base social, onde tudo se inicia e termina. Esse instituto sofreu grandes alterações ao longo dos tempos, e demonstra não cessar sua constante evolução.

Os doutrinadores que apoiam essa teoria poliamorista, entendem que havendo boa-fé objetiva entre os membros, e estes objetivando constituição familiar, amparados pelos princípios da autonomia privada e da dignidade da pessoa humana, não há como o Estado intervir, muito menos negar a vontade dessas pessoas em viver sua vida íntima da forma que melhor lhe satisfaça.

Necessário se faz que o Direito evolua junto com a sociedade, se os fatos indicam que existem novas arrumações familiares, o Direito precisa acompanhá-los para garantir a regulamentação dos indivíduos que queiram viver essa nova forma familiar denominada poliamor.

No Brasil, o primeiro registro de união com mais de 02 pessoas data do ano de 2012, no Estado de São Paulo, na cidade de Tupã, e, desde então tem se visto cada dia mais casos que envolvem essa relação múltipla.

Contudo, percebe-se grande resistência moral e religiosa, com relação a esse novo arranjo familiar. Intolerável, um Estado laico, se negar a garantir direitos fundamentais, por uma moral religiosa, que há muito tempo foi afastada do Estado Democrático de Direito.

Diante da realidade da pluralidade familiar, não pode o legislador retroceder, buscando regular uma realidade passada, preconceituosa, discriminatória A abordagem desse tema merece atenção da sociedade, devendo passar por uma discussão política, mas, principalmente, por uma análise jurídica que venha defender os direitos de todos os cidadãos, sem distinção gênero, credo ou religião.

Certo é que não se pode negar a poliafetividade, pois as famílias já existem na sociedade e pugnam pela escolha do regime de bens, pelo registro de multiparentalidade dos filhos, pela regulamentação da guarda em caso de dissolução do vínculo conjugal, dentre todos os efeitos do Direito das Famílias.

Em síntese, a abordagem de tal tema merece especial atenção da sociedade, visando defender o direito individual fundamental de cada cidadão de constituir livremente uma família, sem discriminação de gênero, credo ou religião.

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[1] 1 Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC. Coordenadora do Curso de Direito da UNIESP – Faculdade de Belo Horizonte. Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e UNIESP. Professora-tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Site: www.claudiamara.com.br. E-mail: claudiamaraviegas@yahoo.com.br.

[2] Bacharel em Direito pela Universidade Brasil – Uniesp – Faculdade de Belo Horizonte. Advogada no Escritório Abreu, Almeida e Lanna Advogados Associados. E-mail: gygarocha@hotmail.com.

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