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2 de Maio de 2024

Recusa à Vacina e Demissão por Justa Causa

Muita politização e pouco bom senso

Publicado por Wladimir Pereira Toni
há 3 anos

(Imagem de Peggy und Marco Lachmann-Anke por Pixabay )

Recentemente vimos uma das turmas do TRT de São Paulo confirmar a demissão por justa causa de uma trabalhadora que se recusou a tomar vacina contra a Covid. Nesse mesmo sentido, na semana passada um sindicato patronal orientou a sua categoria a demitir empregados que recusarem a vacinação.

Vejo com muita preocupação essas ações e o precedente que está sendo criado. Parece-me uma perigosa banalização do instituto da justa causa.

Justa causa é a penalidade trabalhista máxima, prevista no artigo 482 da CLT, somente podendo ser aplicada em casos extremos, quando não há alternativas menos danosas que se mostrem mais adequadas ao contexto.

Tratando-se de mera recusa quanto a uma vacina, entendo que a demissão por justa causa é uma penalidade desproporcional e até mesmo com viés discriminatório, pois não há como obrigar alguém a se vacinar, principalmente em um contexto de tamanha polêmica e politização envolvendo tudo o que diz respeito à Covid-19.

Na prática, salvo em casos excepcionais, as empresa não cobram comprovação de vacinação dos seus trabalhadores. O máximo que costumam fazer é campanha contra a gripe, mas apenas como incentivo, nunca de forma obrigatória, muito menos sob pena de demissão.

Um dos argumentos em defesa dessa medida é que os interesses da coletividade deveriam prevalecer sobre os individuais (o que por si só é passível de muita discussão). Ocorre que atualmente sequer há vacinas disponíveis para toda a população, de forma que a recusa de uma pessoa significa a imunização de outra, o que, ao menos em tese, em termos coletivos parece ter os mesmos efeitos. Obviamente, quem tem que dizer isso são os médicos especialistas no assunto, mas nem mesmo esses profissionais são unanimes quando o assunto é vacinação contra a Covid.

De todo modo, ainda que houvesse vacinas em quantidade suficiente, entendo que a demissão por justa causa seria abusiva, já que não há previsão legal de que empregadores imponham essa vacinação.

Observa-se que a lei 13.979/2020 que trata de medidas excepcionais de enfrentamento à covid-19 (lei extremamente polêmica) confere apenas ao Ministério da Saúde e aos gestores de saúde locais a possibilidade de exigir vacinação compulsória, ainda assim mediante evidências científicas:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)
(...)
III - determinação de realização compulsória de:
(...)
d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
(...)
§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.
§ 2º Ficam assegurados às pessoas afetadas pelas medidas previstas neste artigo:
(...)
III - o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, conforme preconiza o Artigo 3 do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020 .§ 4º As pessoas deverão sujeitar-se ao cumprimento das medidas previstas neste artigo, e o descumprimento delas acarretará responsabilização, nos termos previstos em lei.
(...)
§ 7º As medidas previstas neste artigo poderão ser adotadas:
I – pelo Ministério da Saúde, exceto a constante do inciso VIII do caput deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 14.006, de 2020)
(...)
III - pelos gestores locais de saúde, nas hipóteses dos incisos III, IV e VII do caput deste artigo.
(...)

Ocorre que no mundo todo há muita divergência sobre o tema entre médicos especialistas, de forma que me parece temerário exigir que alguém se vacine sob pena de ser demitido, sobretudo por justa causa.

Cadê os defensores do "meu corpo, minhas regras!"?

Ademais, a nossa Constituição Federal de 1988 prestigia o direito ao trabalho como base de subsistência e dignidade:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VIII - busca do pleno emprego;
(...)

Em um contexto ideal, acredito que os empregadores devem ter liberdade para escolher quem querem na sua empresa, mas não sob pena de demissão por justa causa (exceto em casos excepcionais e expressamente previstos em lei). Se esse tema (vacina contra a Covid) não tivesse sido tão politizado, tenho certeza de que muitos diriam tratar-se de demissão discriminatória (mesmo que a dispensa fosse sem justa causa).

Nesse sentido, a lei 9.029/95 proíbe qualquer prática discriminatória para contratação ou manutenção da relação de emprego, elencando um rol meramente exemplificativo:

Art. 1o É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

A questão é muito controvertida, não podendo ficar a critério de cada empregador optar pela demissão por justa causa, até porque nem sempre os objetivos da dispensa são nobres, não passando de oportunismo para demitir trabalhadores sem pagar os direitos trabalhistas.

Ainda que se trate de real preocupação com a saúde pública, não se pode admitir que cada empregador decida o que é ou não passível de demissão por justa causa, pois isso irá gerar uma enorme insegurança jurídica nas relações de trabalho.

O tema é muito polêmico e certamente irá render discussões interessantes, com bons argumentos para os dois lados. O importante é que haja muito bom senso e pouca politização da questão, senão todos sairão perdendo.

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4 Comentários

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Boa tarde!

O tema é importantíssimo, neste momento ímpar que estamos vivendo, precisamos de reflexão sobre o tema, como abordado pelo Dr. Toni.

Parabéns! continuar lendo

Como já bem enfatizou o Dr Ivan, um tema de relevante importância para o momento. Parece-me que os "togados" (de alto a baixo), rasgaram a Carta Magna, Leis Trabalhistas, etc., usando de seus próprios critérios ao julgar uma "coisa nova" como essa da obrigatoriedade da tal vacina, por parte de empregadores. Não sei até quando iremos suportar, inclusive os próprios advogados, com os "togados" a disputar o comando da Nação com o Presidente atual, onde até os congressistas (a maioria de rabo preso) estão "afinando". Meu filho (militar da PMSP) foi obrigado a tomar a tal vacina, por ordem expressa do "calça apertada". Estão a criar um "absurdo jurídico", ao dar ganho de causa a classe patronal, sem ao menos dar uma chance para que um empregado possa antes de tomar a vacina, consulte um médico pra saber se ele possa ou não tomar, porque existem pessoas que não se recomenda tomar, segundo sei, smj... continuar lendo

Perfeita a sua análise! Vivemos momentos difíceis, em que o próprio STF que tem obrigação de defender a Constituição é o primeiro a rasgá-la. Na minha percepção, infelizmente, hoje a nossa "Suprema Corte" tem agido como um partido político, em que seus membros defendem abertamente posições pessoais e ideológicas sem qualquer compromisso com o texto constitucional. Essa postura acaba contaminando as decisões de todo o judiciário, além de incentivar ações autoritárias por toda a parte. continuar lendo

E isso é "perigoso", meu caro Dr Wladimir. Pra mim, não, pelo contrário, mas pra quem não gosta nem de ouvir falar em 31 de Março de 1.964, sim. Não vejo "outra saída", no momento, infelizmente, porque se continuar assim, com "eles", interferindo diretamente no "comando da Nação", do modo que estão atualmente, não vislumbro outra alternativa. Fui participante "ativo" naquela época, onde também havia muita balburdia no País e muito "namoro" com os comunistas. Desculpem-me, por minhas opiniões (práticas) pessoais, mas não falo como um jurista, mas sim como um comum do povo... continuar lendo