Página 216 da JUDICIAL_1A_INSTANCIA_CAPITAL_PARTE_I do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 10 de Maio de 2024

considerando ser a autora hipossuficiente do ponto de vista técnico em relação ao réu, bem como por serem verossímeis suas alegações. Sustenta o autor, em síntese, ter buscado o réu para obter um empréstimo consignado em seu benefício previdenciário, com baixas taxas de juros remuneratórios, como tantos outros empréstimos já contratados anteriormente. Alega, no entanto, ter contratado, no plano prático, um cartão de crédito consignado, quando acreditava estar contratando um empréstimo consignado em sua aposentadoria. Tais alegações são, de fato, verossímeis. Destaca-se que, além de não ter juntado qualquer dispositivo contratual de cartão de crédito consignado assinado pelo autor, não foi capaz o réu de produzir qualquer prova capaz de demonstrar a utilização do cartão por parte do autor, como soe acontecer em contratos desse jaez. Não foram apresentadas faturas que indiquem o uso habitual do cartão para compra de bens e mercadorias em lojas, restaurantes, supermercados, postos de gasolina, entre outros estabelecimentos de consumo em que cartões de crédito são tipicamente utilizados. Infere-se, pois, que esse “cartão de crédito” não fora, pois, contratado ou utilizado com a finalidade de realizar compras habituais ou realizar saques. Apenas serviu como instrumento de cobrança pelo banco réu, que encontrou um meio de realizar empréstimos financeiros travestidos de cartão de crédito. A tese sustentada pelo autor de que nunca solicitou cartão de crédito consignado é, como destacado alhures, verossímil. Seu comportamento revelou-se sobremaneira distinto daquele que deseja, de fato, usufruir de um cartão de crédito para realizar o pagamento de despesas domésticas, adquirir bens e serviços, entre outras facilidades próprias de um cartão de crédito. Tudo leva a crer que pretendia o autor obter empréstimos financeiros, da forma mais fácil e menos custosa, como alegado na inicial, o que poderia ter sido obtido a partir de contratos de empréstimos consignados ou mesmo de empréstimos pessoais. Ao invés de obter um empréstimo para pagamento com parcelas fixas a serem descontadas em seu benefício previdenciário, o réu forneceu um”cartão de crédito consignado”, por meio do qual apenas um valor mínimo passou a ser descontado de sua fonte pagadora. Havendo o pagamento apenas de parcela mínima do depósito, sobre todo o restante passou a incidir juros de cartão de crédito, a elevar sobremaneira o saldo devedor. Tal operação é extremamente prejudicial ao autor e denota desequilíbrio contratual, uma vez que o valor tomado em empréstimo, maquiado na forma de “saque em cartão de crédito”, passa a ser lançado integralmente e de uma só vez nas faturas seguintes à contratação, incidindo sobre eles todos os encargos avençados. Dada a incidência de juros contratuais elevados sobre o valor de todo o montante “emprestado”, dificilmente o autor conseguirá saldar sua obrigação, como declara na exordial, tratando-se de saldo devedor praticamente infindável. A prática adotada pelo réu e por outras empresas do ramo evidencia o total desrespeito ao consumidor, dada a vantagem exagerada que favorece a instituição financeira, em detrimento do consumidor, além de violar o dever de informação, não havendo provas de que o autor fora cientificada das diferenças entre a contratação de um empréstimo pessoal e de contratação de um cartão de crédito consignado, quanto mais por ser uma pessoa idosa. Prevê o inc. IV, do art. 51, do CDC: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Nesse cenário, a nulidade do contrato firmado entre as partes restou patente, uma vez que não pretendia o autor a contratação de um cartão de crédito, quanto menos com a finalidade exclusiva de obter saques, com a perenização de sua dívida. O Egr. Tribunal de Justiça de São Paulo vem condenando tal prática, em casos semelhantes. Confira-se alguns julgados, in verbis: CONTRATO. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. UTILIZAÇÃO PARA SAQUE. CONSIGNAÇÃO REITERADA, POR ANOS, APENAS DO VALOR MÍNIMO DA FATURA NA FOLHA DE PAGAMENTOS DA AUTORA. SALDO DEVEDOR EXISTENTE, NÃO PLEITEADA A REVISÃO DE ENCARGOS. 1. Restou comprovado nos autos que a autora aderiu ao cartão de crédito, na modalidade consignado, e que se valeu do plástico para a realização de um saque. 2. Também ficou demonstrado que, durante anos, apenas o valor mínimo das faturas era consignado na folha de pagamentos do autor, que não realizou o pagamento de nenhuma das faturas. 3. A estipulação contratual acerca da forma de pagamento pode ter levado o consumidor a erro quando da contratação, já que parecia dizer que a consignação do RMC dispensava a quitação mediante faturas. E já que do contrato não constou a taxa de juros incidente à espécie. 4. Todavia, os documentos apresentados pelo réu, especialmente as faturas atuais, demonstram a existência de saldo em aberto. 5. Com a observação acerca das novas regras editadas pelo Banco Central do Brasil (Resolução Bacen 4549/2017), que obrigam os bancos a oferecem ao cliente que paga o mínimo da fatura do cartão de crédito por mais de um consecutivo uma opção de financiamento do saldo devedor em parcelas fixas, a juros menores. Recurso parcialmente provido, com observação.” (TJSP; Apelação 103XXXX-82.2017.8.26.0576; Relator (a): Melo Colombi; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/01/2018; Data de Registro: 16/01/2018) “REVISIONAL. Saque do crédito rotativo de cartão de crédito. Consumidor que pretendia contratar empréstimo consignado. Cartão de crédito não utilizado. Reserva de Margem Consignável (RMC) que se confunde com o pagamento mínimo da fatura. Tentativa ilícita de aumentar a margem consignável para 35% dos rendimentos do mutuário, conforme autorizado pela Lei n.º 13.172/15. Prática abusiva. Inteligência do art. 39, inc. I, IV e V, do CDC. Nulidade do contrato de cartão de crédito. Exegese do art. 51, inc. IV, do CDC. Precedentes deste E. Tribunal. Possibilidade de conversão do negócio jurídico nulo. Inteligência do art. 51, § 2º, do CDC e do art. 170 do CC. Conversão para empréstimo consignado, observada a taxa média de mercado dos juros remuneratórios. Precedente do C. STJ, em caso análogo. Danos morais in re ipsa. Desconto de verba alimentar (benefício previdenciário). Precedentes do C. STJ. Valor reparatório fixado em R$ 10.000,00. Razoabilidade de proporcionalidade. Correção monetária que deve incidir a partir da publicação do acórdão. Juros de mora contados desde a citação. Responsabilidade civil contratual. Exegese da Súmula n.º 362 do C. STJ e do art. 405 do CC. Sentença reformada. Recurso provido”. (TJSP; Apelação 100XXXX-27.2017.8.26.0369; Relator (a): Tasso Duarte de Melo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro de Monte Aprazível - 1ª Vara; Data do Julgamento: 23/01/2018; Data de Registro: 23/01/2018) “AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Sentença de procedência - Recurso de apelação do réu Inexistência, nos autos, de comprovação de solicitação/autorização da autora, tendo sido emitido cartão de crédito para saque - Procedimento que se revela irregular, no caso dos autos - Devolução dos valores cobrados, a título de reserva de margem consignável, que se impõe - Dano moral - Caracterização - Autora pensou estar contratando empréstimo consignado quando, na verdade, contratava cartão de crédito, com encargos próprios deste tipo de operação - Valor fixado, de R$6.000,00, que não se revela excessivo, mas cumpre as finalidades do instituto, pedagógica, repressora e de reparação à vítima - Sentença mantida. RATIFICAÇÃO DO JULGADO - Hipótese em que a sentença avaliou corretamente os elementos fáticos e jurídicos apresentados pelas partes, dando à causa o justo deslinde necessário - Artigo 252, do Regimento Interno do TJSP - Aplicabilidade - RECURSO NÃO PROVIDO”. (TJSP; Apelação 100XXXX-30.2017.8.26.0047; Relator (a): Spencer Almeida Ferreira; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro de Assis - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 07/02/2018; Data de Registro: 08/02/2018) Assim, além da declaração de nulidade contratual, impor-se-á o recálculo do débito contraído pelo autor perante o réu, a fim de que a amortização seja realizada na forma de empréstimos consignados, cujos pagamentos são realizados na forma parcelada, preservando-se a boa-fé contratual. De rigor o cancelamento do cartão de crédito, a readequação dos cálculos da dívida, a partir da data da contratação, às taxas de juros pactuadas pelas partes e em parcelas mensais tantas quantas se revelem necessárias. Todas as parcelas e valores já pagos a título de cartão de crédito deverão ser consideradas, na época do

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