Busca sem resultado
Contratos Built To Suit - Ed. 2023

Contratos Built To Suit - Ed. 2023

1.. Extinção Unilateral do Vínculo Contratual e Aspectos Controvertidos

Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Sumário:

Pode-se dizer que a causa natural de extinção do contrato é o adimplemento, que significa o cumprimento das respectivas obrigações contratuais, nos exatos termos previstos na avença. Como bem referido por Clóvis V. do Couto e Silva 1 , “o adimplemento atrai e polariza a obrigação. É o seu fim”.

Nos contratos built to suit , o adimplemento é verificado quando o empreendedor, após a regular construção, tenha cedido o uso ao ocupante durante o prazo estipulado no contrato. Por parte do ocupante, adimplemento significa o pagamento dos valores ajustados e, ao final do contrato, a devolução do imóvel após regular uso e em boas condições de uso e manutenção.

No presente capítulo, interessa-nos estudar as circunstâncias em que o contrato built to suit é extinto quando não tenha ocorrido o adimplemento. Assim, a extinção pode ocorrer por resilição contratual exercida pelo ocupante, em razão do descumprimento das partes ou em razão da ocorrência de fatos supervenientes e extraordinários.

1. Extinção unilateral do vínculo contratual e aspectos controvertidos

Etimologicamente, do latim resilire, a resilição significa “voltar atrás” 2 . A resilição bilateral é intitulada distrato e regulada no artigo 472 , do Código Civil 3 , e opera-se mediante acordo firmado pelas partes.A resilição unilateral, a seu turno, em consonância com José Fernando Simão 4 , é a faculdade concedida por lei, em determinados casos, de a vontade de apenas uma das partes pôr fim ao contrato.

A resilição unilateral é aquela prevista no caput do artigo 473 do Código Civil , segundo o qual “a resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”.

A resilição unilateral é comumente intitulada pela doutrina como gênero do qual são espécies a denúncia, a renúncia, a revogação 5 e o arrependimento.

A respeito da denúncia 6 , a lei distingue-a de duas formas. Na denúncia imotivada (vazia), o contraente, sem qualquer justificação, põe fim ao contrato mediante notificação imotivada à parte contrária 7 . A exceção é a denúncia motivada (ou cheia) 8 .

Paulo Doron Rehder de Araújo 9 , após relembrar o histórico de tramitação do Código Civil , assevera que, originalmente, o Projeto de Lei 3.264/1965 determinava no então art. 337 que “a resilição unilateral, nos casos em que a lei não o vede , opera mediante denúncia notificada à outra parte”.

Ainda segundo Araújo, foi Agostinho de Arruda Alvim quem, em 1972, inseriu o art. 469 no projeto, cujo texto era o seguinte: “A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”, texto que foi mantido pelo atual art. 473 do Código Civil .

Como exemplo de casos em que a lei expressamente admite a extinção unilateral cite-se a locação urbana (art. da Lei 8.245/1991), o mandato (art. 682, inciso I , do Código Civil) e agência e distribuição (art. 720 do Código Civil).

A dificuldade é saber justamente quais são os casos em que a lei implicitamente admite a extinção unilateral. Segundo Paulo de Araújo 10 , essa hipótese se dá quando, por exemplo, o contrato de trato sucessivo vige por prazo indeterminado, considerando-se a vedação às relações contratuais eternas.

Assim, uma vez firmado contrato de locação de impressoras entre duas empresas (execução por trato sucessivo), após o transcurso do prazo determinado, a qualquer tempo a locatária poderia denunciar a locação, ainda que o contrato não disponha de tal cláusula. Até porque, tal como enuncia Pontes de Miranda 11 , nas relações jurídicas duradouras, é preciso que possa ter ponto final o que se concebeu em reticência. Daí a figura da denúncia, com que se “des-nuncia”, pois resulta de haver atribuído a algum dos figurantes o direito formativo extintivo, que é o de denunciar.

Por outro lado, resta saber se, diante da autonomia privada, as partes poderiam dispor nos contratos em que a prestação não é imediata, a faculdade de uma delas resilir no decorrer do curso do contrato, mediante (ou não) o pagamento de compensação pecuniária.

Araken de Assis 12 assevera que é possível às partes estabelecerem a hipótese de resilição convencional .

Antonio Junqueira de Azevedo 13 , da mesma forma, embora ressalte que a extinção unilateral dos contratos de duração determinada não é permitida, entende que seria possível somente se houvesse regra contratual expressa e inequívoca nesse sentido 14 .

Analisemos, agora, a resilição unilateral à luz do contrato built to suit. Inicialmente, porque em referido contrato as prestações se prologam no tempo, a princípio, deveria ser permitido às partes denunciá-lo, nos termos do art. 473 do Código Civil . Ocorre que algumas dúvidas podem surgir.

O art. 54-A, § 2º, da Lei do Inquilinato traz a hipótese de “denúncia antecipada 15 do vínculo locatício pelo locatário ”. Pelo dispositivo, a resilição unilateral do contrato built to suit pode ser realizada de forma antecipada (e imotivada) apenas pelo ocupante.

A ideia é idêntica à disposição do art. 4º da mesma lei, o qual assevera que durante o prazo de locação, não pode o locador reaver o imóvel dado em locação, a não ser nas hipóteses previstas no art. 9º 16 .

Todavia, enquanto o locador, desde o início do contrato, já cede o uso da propriedade para o inquilino, no contrato built to suit , a prestação inicial do empreendedor é apenas a reforma ou construção da propriedade (empreitada). A prestação da cessão do uso (locação) terá início apenas quando do término da reforma ou construção e, consequentemente, recebimento do imóvel pelo ocupante.

No contrato de locação residencial não se permite a extinção unilateral pelo locador durante o prazo determinado porque, uma vez firmado o contrato, a família que locou o imóvel já realizou o planejamento para permanecer naquela residência durante o período contratado. Fosse permitido ao proprietário resilir de forma antecipada, a qualquer tempo poderia receber uma proposta melhor e determinar aos inquilinos que deixassem o imóvel. Essa circunstância não se coaduna com o espírito da Lei 8.245/1991 , sobretudo pela proteção necessária aos inquilinos, principalmente para aqueles que ocupam os imóveis para a residência familiar.

Da mesma forma, a Lei do Inquilinato estabelece que o empresário que aluga imóvel comercial também tem o direito de permanecer no imóvel durante o prazo determinado no contrato porque certamente realizou planejamento para o exercício da sua atividade comercial durante aquele prazo.

A Lei do Inquilinato, naturalmente, traz uma proteção aos inquilinos. Ademais, como sabido, na locação residencial, dependendo do prazo em que o contrato foi firmado (menos de 30 meses), ao seu termo, a denúncia não pode ser vazia, mas realizada de forma justificada (denúncia cheia – art. 47). Da mesma forma, como verificado, o inquilino comercial também tem o direito de renovação do contrato, desde que preenchidos os seus requisitos (art. 51).

Em ambos os casos, seja locação residencial, seja comercial, sempre estamos diante de situações em que o locatário ocupa o imóvel. A resilição realizada antes do termo no contrato de locação pelo locador imporia o pesado ônus ao locatário de ter de deixar o imóvel antes do término do prazo estipulado.

Mas será que essa mesma circunstância ocorre nos contratos built to suit , com caráter eminentemente empresarial?

No contrato built to suit é possível que o proprietário, após firmado o contrato, tenha verificado que o projeto construtivo a que se obrigou tem um custo muito maior do que o estimado inicialmente. As circunstâncias podem ser as mais diversas. Nessa hipótese, poderia o proprietário exercer a resilição unilateral, desde que tal cláusula fosse prevista no contrato? Atente-se que, nesse caso, o ocupante ainda não utiliza o imóvel, porque ainda será construído ou reformado substancialmente.

Ainda que não esteja ocupando o imóvel, o futuro ocupante pode ter todo o interesse que o contrato não seja resilido antecipadamente pelo empreendedor. As partes podem ter negociado por longos meses o projeto e, firmado o contrato, o ocupante realiza um planejamento para os próximos anos. A frustração dessa expectativa pode lhe causar prejuízos, certamente.

De todo modo, não poderiam as partes, por exemplo, estabelecer previamente hipótese de resilição antecipada pelo proprietário nos primeiros seis meses de contrato, ainda durante o período de construção, mediante compensação financeira à outra parte?

Pela leitura do art. 54-A, § 2º, da Lei do Inquilinato, apenas o ocupante poderia realizar a “denúncia antecipada”. Não há hipótese legal de resilição unilateral antes do termo do contrato pelo proprietário. Ocorre que essa interpretação não nos parece a mais acertada. Pela autonomia privada e porque um contrato atípico misto, as partes poderiam estabelecer a possibilidade de o empreendedor resilir o contrato de forma antecipada, desde que, por exemplo, pagasse multa previamente estabelecida. Em nossa opinião, embora o dispositivo legal nada diga a respeito da possibilidade da extinção antecipada realizada pelo empreendedor, nada obsta que as partes assim acordem contratualmente. Isso porque, mais uma vez, prevalecem as disposições contratuais às disposições de direito material da Lei 8.245/1991 . Até porque a resilição unilateral não é um direito passível de exercício somente quando a lei expressamente autorizar, mas também quando as partes convencionarem a possibilidade do seu exercício, tal como defendido anteriormente.

É possível que as partes acordem que a cláusula penal terá valores diferentes a depender do prazo em que a resilição unilateral é realizada pelo empreendedor. Não permitir às partes consignarem no contrato a faculdade de o empreendedor realizar a resilição unilateral de forma antecipada, embora o contrato contenha tal previsão, obrigaria aquele a levar o projeto adiante, a qualquer custo, o que parece de fato um contrassenso, sobretudo em um contrato atípico misto, de caráter empresarial e cuja liberdade contratual deve ser prestigiada. E se essa fosse justamente a condição para que o empreendedor tivesse firmado a avença? Ou seja, o empreendedor apenas decidiu se obrigar porque o contrato previa a possibilidade de extinguir unilateralmente o contrato nos primeiros seis meses, durante a fase de execução da obra, mediante o pagamento de uma compensação pecuniária. Essa possibilidade nos parece absolutamente legítima.

A possibilidade de resilição unilateral pelo empreendedor, contudo, não é unânime. Fernanda Henneberg Benemond 17 afirma que nos contratos built to suit não poderia o empreendedor reaver o imóvel com o empreendimento antes do término do prazo determinado entre as partes. Ainda segundo a autora, os aspectos de ordem econômica e financeira do built to suit não justificam o afastamento da regra prevista na parte inicial do art. 4º da Lei de Locação, não podendo, portanto, o empreendedor denunciar imotivadamente o contrato antes do término do prazo estabelecido. Esquece-se, a autora, contudo, que a depender do momento contratual, sequer há imóvel, porque a construção ainda não teve início. Se as partes acordaram pela possibilidade de resilição pelo empreendedor, por que a vontade dos contratantes não poderia prevalecer nesse contrato atípico misto?

Embora possa haver controvérsia envolvendo a resilição unilateral pelo empreendedor, a discussão inexiste em relação ao ocupante, porque tal possibilidade é expressamente prevista pelo dispositivo legal. Nesses termos, segundo a lei, o contrato poderá ser extinto, a qualquer tempo, de forma unilateral e imotivada pelo ocupante.

Em resumo: o art. 54-A da Lei 8.245/1991 dispõe expressamente a possibilidade de o ocupante, a qualquer tempo, realizar a extinção unilateral e imotivada do contrato built to suit. Embora o dispositivo nada diga a respeito da possibilidade de o empreendedor resilir o contrato durante o termo contratual, caso as partes assim disponham na avença, com fundamento na autonomia privada e na liberdade contratual, em nosso entender, não haveria qualquer óbice para que a extinção unilateral, no curso do prazo, partisse do empreendedor. Não há razões, em nosso entendimento, para que o intérprete faça uma interpretação restritiva ao dispositivo, contrariando a vontade das partes.

Naturalmente que, em virtude da resilição unilateral firmada por uma das partes, o contrato pode estabelecer multa contratual pela parte que requer a extinção do vínculo de forma antecipada ao termo contratual.

Em virtude de tal faculdade, analisemos as implicações da cláusula penal na hipótese de denúncia antecipada de uma das partes.

1.1. Cláusula penal e implicações aos contratos built to suit: aplicação analógica dos artigos 413 e 416 do Código Civil?

A “multa convencionada”, referida no art. 54-A, § 2º, tecnicamente é chamada de cláusula penal e pode ter funções distintas. Segundo Antonio Pinto Monteiro 18 , como função indenizatória, a cláusula penal tem por intuito indenizar a vítima pelos danos causados. Já como função coercitiva ou compulsória 19 , a cláusula penal teria por escopo garantir ao credor a realização do próprio direito e não a mera indenização do dano.

A doutrina brasileira costuma classificar a cláusula penal como compensatória ou moratória. Caio Mario da Silva Pereira 20 afirma que a cláusula penal é compensatória quando traz consigo um reforço do vínculo obrigacional: reforça-se o dever de prestar com ajuste de multa. Por outro lado, a cláusula penal é moratória quando o devedor deixa de realizar a prestação a tempo.

No contrato built to suit, a previsão contratual determinando ao empreendedor ou ocupante pagar multa em razão da resilição unilateral do contrato tem por objetivo reforçar as partes em adimplir o contrato até o prazo determinado ou, na hipótese de confirmação da extinção unilateral antes do prazo contratual, indenizar a contraparte.

Atente que a resilição unilateral possui substancial distinção na locação tradicional e no contrato built to suit. Isso porque, fosse permitido ao ocupante resilir unilateralmente o contrato built to suit antes do prazo determinado e pagar uma multa com redução proporcional (tal como nos contratos de locação), o empreendedor correria sério risco de desenvolver um empreendimento sem, ao menos, recuperar o investimento realizado.

Além disso, a cláusula penal no built to suit não é representada por três meses da remuneração mensal, tal como comumente ocorre na locação. O empreendedor normalmente estipula a cláusula penal em caso de resilição unilateral do ocupante em montante suficiente para, ao menos, recuperar o investimento realizado.

Segundo José Paulo Marzagão 21 , permitir que o contratante, unilateralmente, “rescinda” o contrato e pague indenização inferior ao saldo remanescente é reduzir o preço acordado pelas partes. Assim, segundo Marzagão, a manutenção do fluxo dos recebíveis é fundamental para a relação jurídica.

Fez bem, nesse sentido, o próprio art. da Lei do Inquilinato, alterado pela Lei 12.744/2012 , excepcionar a regra da redução proporcional ao período de cumprimento aos contratos built to suit 22 . Assim, como premissa, deve ser asseverado que ao contrato built to suit não deve ser aplicada a redução proporcional e matemática da cláusula penal, em razão de denúncia antecipada pelo ocupante.

Mas ainda que o texto legal determine que o ocupante fique obrigado ao pagamento integral da cláusula penal em caso de resilição antecipada, nada obsta que as partes, com fundamento no princípio da autonomia privada, autorizem uma redução da multa, a depender do momento em que o contrato é denunciado. As partes podem, inclusive, modular uma forma de redução da multa a depender de quando é exercida a resilição, como um escalonamento.

Assim, por exemplo, se o ocupante, logo após o início da ocupação do imóvel, resolve extinguir unilateralmente o contrato, pode ser estabelecido que a multa deve ser paga de maneira integral. Contudo, a multa pode ser reduzida em 50%, por exemplo, após o cumprimento de mais da metade do prazo contratual. As partes podem, inclusive, ajustar que a multa fica dispensada na hipótese de o ocupante, por exemplo, ter adimplido 80% do prazo contratual.

Atente-se, contudo, que o próprio texto do art. 54-A, § 2º, da Lei do Inquilinato impõe uma limitação ao pagamento da multa: não poderá a cláusula penal exceder a soma dos aluguéis a receber até o termo final da locação 23 .

A questão que se coloca é saber se, mesmo diante da redução determinada no § 2º do art. 54-A, seria possível defender, a depender do caso, eventual redução da cláusula penal com fundamento do art. 413 do Código Civil .

O art. 413 do Código Civil determina que o juiz deve reduzir a cláusula penal, de forma equitativa 24 , se a obrigação tiver sido cumprida em parte ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

Esse dispositivo, por se tratar de uma regra aplicável aos contratos em geral, deve ser considerado fonte jurídica aplicável ao contrato built to suit. A dúvida é saber a possibilidade de as partes derrogarem o dispositivo.

Conforme será visto a seguir, o Código Civil brasileiro, contrariamente ao sistema português e francês, não estipula expressamente a impossibilidade de as partes derrogarem o art. 413. No silêncio da lei, as partes teriam a liberdade do afastamento da norma?

A questão diz respeito às limitações à liberdade de contratar. Tal como já referido neste trabalho 25 , o princípio da autonomia privada não significa que as partes possam dispor da forma como queiram. Tratando-se de normas …

Uma nova experiência de pesquisa jurídica em Doutrina. Toda informação que você precisa em um só lugar, a um clique.

Com o Pesquisa Jurídica Avançada, você acessa o acervo de Doutrina da Revista dos Tribunais e busca rapidamente o conteúdo que precisa dentro de cada obra.

  • Acesse até 03 capítulos gratuitamente.
  • Busca otimizada dentro de cada título.
Ilustração de computador e livro
jusbrasil.com.br
17 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/41-revisao-contratual-no-codigo-civil-4-revisao-contratual-contratos-built-to-suit-ed-2023/1929469966