Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Supremo Tribunal Federal STF - HABEAS CORPUS: HC XXXXX PR - Inteiro Teor

Supremo Tribunal Federal
há 7 meses

Detalhes

Processo

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

GILMAR MENDES

Documentos anexos

Inteiro TeorSTF_HC_233574_00a21.pdf
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 233.574 PA RANÁ

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

PACTE.(S) : SIMON MARCIO DE OLIVEIRA

IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ

ADV.(A/S) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DO

PARANÁ

COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública em favor de Simon Márcio de Oliveira contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça no HC XXXXX/PR, assim ementado:

"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. CONVERSÃO DE OFÍCIO. INOCORRÊNCIA. REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELA IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO. LIVRE EXERCÍDIO DO PODER DE JURISDIÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO". (eDOC 5)

Colho dos autos que o paciente foi preso em flagrante, em 8.7.2022, pela suposta prática do crime do art. 33, caput , da Lei 11.343/2006, em razão da apreensão de 22 g de crack. (eDOC 4, p. 2)

A impetrante narra (eDOC 1) que, na audiência de custódia, o Ministério Público teria pedido a imposição de cautelares diversas da prisão ao paciente, porém o magistrado teria decretado a prisão preventiva.

Alega que tal proceder afronta o sistema acusatório e precedentes desta Corte. (p. 7)

Pleiteia a concessão da ordem de habeas corpus para que o paciente responda ao processo em liberdade, ou, subsidiariamente, a decretação de medida cautelar diversa da prisão.

É o relatório.

Decido.

Para melhor compreensão da controvérsia, transcrevo trecho da manifestação do MP ao juízo da custódia: (eDOC 4)

"O B.O. nº 2022/703516 (acostado ao mov. 1.1) descreve que:"RELATA EQUIPE POLICIAL MILITAR QUE REALIZAVAM PATRULHAMENTO PELO BAIRRO CIDADE INDUSTRIAL, QUANDO NA RUA OTACILIO RODRIGUES DE OLIVEIRA, VISUALIZARAM UM INDIVÍDUO ALCANÇANDO ALGO PARA OUTRO, SENDO QUE AMBOS DEMONSTRARAM NERVOSISMO E INQUIETAÇÃO AO AVISTAR A VIATURA CARACTERIZADA. QUE PROCEDERAM A ABORDAGEM AO PRIMEIRO INDIVÍDUO, O QUAL FOI AVISTADO ALCANÇANDO ALGO PARA O SEGUNDO, E QUE POSTERIORMENTE FOI IDENTIFICADO COMO SIMON MARCIO DE OLIVEIRA, SENDO ENCONTRADO COM ESTE R$ 283,00 EM ESPÉCIE. PORÉM, QUE AO VERIFICAREM O QUE SIMON HAVIA DISPENSADO, CONSTATARAM SE TRATAR DE 15 PORÇÕES DE SUBSTÂNCIA ANÁLOGA À COCAÍNA. ATO SEGUINTE, REALIZADA A BUSCA NO SEGUNDO ABORDADO, IDENTIFICADO COMO FABIO CARVALHO, FOI LOCALIZADA, DURANTE A BUSCA PESSOAL, 01 PORÇÃO DA MESMA SUBSTÂNCIA ILÍCITA (COCAÍNA), ALÉM DE R$ 25,00 EM ESPÉCIE. EM SEGUIDA, REALIZADA A BUSCA NO LOCAL DA ABORDAGEM, CERCA DE 2 METROS DE ONDE OS ABORDADOS ESTAVAM, FORAM ENCONTRADOS MAIS 78 PORÇÕES DA MESMA SUBSTÂNCIA ILEGAL (COCAÍNA). TAMBÉM, QUE SOLICITARAM O APOIO DO CANIL, COMPARECENDO AO LOCAL A VIATURA PREFIXO 13445, QUE COM O AUXÍLIO DO CÃO FARUK, REALIZARAM NOVAS BUSCAS, NÃO SENDO LOCALIZADO MAIS NADA DE ILÍCITO. POR FIM, QUE DIANTE DOS FATOS, DERAM VOZ DE PRISÃO À

SAIMON, ESCLARECENDO SEUS DIREITOS CONSTITUCIONAIS E REALIZARAM O ENCAMINHAMENTO JUNTAMENTE COM AS APREENSÕES, À CENTRAL DE FLAGRANTES DA CAPITAL PARA APRESENTAÇÃO À AUTORIDADE POLICIAL DE PLANTÃO E DEMAIS PROVIDÊNCIAS DE POLÍCIA JUDICIÁRIA, SENDO NECESSÁRIA A UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS EM CONFORMIDADE COM SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF A FIM DE PRESERVAR A INTEGRIDADE DA EQUIPE POLICIAL E DE TODOS OS ENVOLVIDOS NA OCORRÊNCIA, BEM COMO ANTE O RECEIO DE FUGA DO CONDUZIDO. FABIO FOI CONDUZIDO À MESMA UNIDADE POLICIAL PARA LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIA EM DECORRÊNCIA DA PORÇÃO DE COCAÍNA ENCONTRADA CONSIGO". (p. 1)

"Desta forma, cremos que os pressupostos da prisão preventiva para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para se assegurar a aplicação da lei penal ficam, por ora, em segundo plano, isto porque, embora o crime sempre cause espécie ao cidadão comum, não se pode deixar de considerar o aspecto subjetivo no caso, onde em relação ao conduzido há presunção de que não se furtará a responder o processo e estar presente a todos os seus atos.

Entretanto, observa-se cabível a fixação de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, consistentes em: a) Comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar as suas atividades, com a apresentação de comprovante de endereço atualizado; b) Proibição de ausentar- se desta Comarca por mais de oito dias consecutivos sem autorização prévia do Juízo processante; c) Comparecimento ao CEMSU- Central de Medidas Socialmente Úteis no Centro

Judiciário de Curitiba". (p. 8)

O juízo da custódia, todavia, decretou a prisão preventiva, assim ponderando:

"Nem se alegue, ainda, não ser possível a decretação da prisão preventiva de ofício, sem que tenha havido requerimento do Ministério Público.

O Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná tem admitido a decretação da segregação preventiva quando o flagranteado age de forma reincidente, com o mesmo modus operandi, e nas situações em que resta evidenciado que medidas alternativas à prisão restariam inócuas para evitar que o agente volte a delinquir. Vejamos: (Ementas do RHC XXXXX/RO, rel. Rogerio Schietti Cruz, 6a Turma, 15/02/2022, e HC XXXXX/MG, rel. Jesuíno Rissato, 5a Turma, DJe 16/12/2021)". (p. 6)

Já o ato coator se fundamentou nestes termos:

"Com efeito, é firme o entendimento firmado neste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que havendo manifestação do Ministério Público pela imposição de medidas cautelares, pode o magistrado decretar medida diversa, seja ela mais branda ou mais gravosa sem que isso configure atuação de ofício". (eDOC 5, p. 3)

Percebe-se que a decisão originária decretou a prisão de ofício, o que, segundo a jurisprudência desta Corte, infringe o sistema acusatório adotado pela Constituição e revela manifesta teratologia.

A reforma promovida pela lei 13.964/2019 busca consolidar a cisão

das funções de investigar, acusar e julgar.

Nos termos da nova redação:

"Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial".

Assim sendo, a alteração feita no art. 311 do CPP é clara em destituir o julgador da capacidade de decretar a prisão preventiva sem que seja provocado pelo Ministério Público ou pela autoridade policial. Nesse sentido, a determinação de prisão sem que haja requerimento ou representação é contrária ao texto do art. 311 do CPP.

E, aqui, deve-se destacar claramente: não se está a proibir ou inviabilizar a segregação de imputados perigosos em casos em que a prisão cautelar se justifica nos termos do art. 312 do CPP. Isso pode e deve ser feito em conformidade com o texto constitucional e legal , que autoriza a privação da liberdade individual a partir de pedido do Ministério Público ou representação da autoridade policial. Confiram-se os precedentes:

" HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE INDEFERE LIMINAR EM TRIBUNAL SUPERIOR. SÚMULA XXXXX/STF. SUPERAÇÃO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. CONVERSÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. ARTS. 5º, LIII, LV, LIX, 93, 129, I, E 133, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTS. 282, §§ 2º e , 310, 311 E 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PODER GERAL DE CAUTELA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da superação da Súmula XXXXX/STF nas hipóteses em que se evidencie a existência de flagrante ilegalidade ou abuso de poder na decisão hostilizada. 2. A Constituição Federal de 1988, ao atribuir a privatividade da promoção da ação penal pública ao Ministério Público (art. 129, I); ao assegurar aos ligantes o direito ao contraditório e à ampla defesa e assentar o advogado como função essencial à Justiça (art. 5º, LV e 133); bem como, ao prever a resolução da lide penal, após o devido processo legal, por um terceiro imparcial, o Juiz natural (art. 5º, LIII e LXI; 93 e seguintes), consagra o sistema acusatório. 3. A Lei n. 13.964/19, ao suprimir a expressão "de ofício" constante na redação anterior dos arts. 282, §§ 2º e , e 311, ambos do Código de Processo Penal, veda, de forma expressa, a imposição de medidas cautelares restritivas de liberdade pelo magistrado sem que haja anterior representação da autoridade policial ou requerimento das partes. 4. O art. 310 do Código de Processo Penal deve ser interpretado à luz do sistema acusatório e, em conjunto, com os demais dispositivos legais que regem a aplicação das medidas cautelares penais (arts. 282, §§ 2º e , 311 e seguintes do CPP). Disso decorre a ilicitude da conversão, de ofício, da prisão em flagrante em prisão preventiva pela autoridade judicial. 5. O auto de prisão em flagrante é procedimento de natureza administrativa, em que a autoridade policial limita-se a observar as formalidades legais para a sua lavratura (arts. 304 e seguintes do CPP), sem tecer consideração sobre a necessidade e a adequação da prisão preventiva, espécie com pressupostos e requisitos distintos (art. 311 e seguintes do CPP). Faz-se, portanto, necessário pedido, formal e expresso, da autoridade policial ou do Ministério Público, em audiência de custódia, para a imposição da prisão preventiva pelo magistrado. 6. O poder geral de cautela não autoriza o agir do Juiz por iniciativa própria quando em detrimento da liberdade individual. No processo penal, para que a intervenção estatal opere nas liberdades individuais com legitimidade, é necessário o respeito à legalidade estrita e às garantias fundamentais. Doutrina. Precedentes. 7. Habeas corpus não conhecido. Ordem

"(...) IMPOSSIBILIDADE, DE OUTRO LADO, DA DECRETAÇÃO"EX OFFICIO"DE PRISÃO PREVENTIVA EM QUALQUER SITUAÇÃO (EM JUÍZO OU NO CURSO DE INVESTIGAÇÃO PENAL), INCLUSIVE NO CONTEXTO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO), SEM QUE SE REGISTRE, MESMO NA HIPÓTESE DA CONVERSÃO A QUE SE REFERE O ART. 310, II, DO CPP, PRÉVIA, NECESSÁRIA E INDISPENSÁVEL PROVOCAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO OU DA AUTORIDADE POLICIAL - RECENTE INOVAÇÃO LEGISLATIVA INTRODUZIDA PELA LEI Nº 13.964/2019 (" LEI ANTICRIME"), QUE ALTEROU OS ARTS. 282, §§ 2º e , E 311 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, SUPRIMINDO AO MAGISTRADO A POSSIBILIDADE DE ORDENAR,"SPONTE SUA", A IMPOSIÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA - NÃO REALIZAÇÃO, NO CASO, DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA (OU DE APRESENTAÇÃO) - INADMISSIBILIDADE DE PRESUMIR-SE IMPLÍCITA, NO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, A EXISTÊNCIA DE PEDIDO DE CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA - CONVERSÃO, DE OFÍCIO, MESMO ASSIM, DA PRISÃO EM FLAGRANTE DO ORA PACIENTE EM PRISÃO PREVENTIVA - IMPOSSIBILIDADE DE TAL ATO, QUER EM FACE DA ILEGALIDADE DESSA DECISÃO, QUER, AINDA, EM RAZÃO DE OFENSA A UM DIREITO BÁSICO, QUAL SEJA O DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA, QUE TRADUZ PRERROGATIVA INSUPRIMÍVEL ASSEGURADA A QUALQUER PESSOA PELO ORDENAMENTO DOMÉSTICO E POR CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. - A reforma introduzida pela Lei nº 13.964/2019 (" Lei Anticrime") modificou a disciplina referente às medidas de índole cautelar, notadamente aquelas de caráter pessoal, estabelecendo um modelo mais consentâneo com as novas exigências definidas pelo moderno processo penal de perfil democrático e assim preservando, em consequência, de modo mais expressivo, as características essenciais inerentes à estrutura acusatória do processo penal brasileiro. - A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão"de ofício"que constava do art. 282, §§ 2º e , e do art. 311, todos do Código de Processo Penal, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio"requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público"(grifei), não mais sendo lícita, portanto, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação"ex officio"do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade. - A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz dos arts. 282, §§ 2º e 4º, e 311, do mesmo estatuto processual penal, a significar que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP. Magistério doutrinário. Jurisprudência". ( HC 188.888, rel. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 15.12.2020)

Ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus (RISTF, art. 192), a fim de revogar a prisão decretada em desfavor do paciente , se por outro motivo não estiver preso. Em substituição, determino a imposição das medidas cautelares pleiteadas pelo Ministério Público:

a) Comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar as suas atividades, com a apresentação de comprovante de endereço atualizado;

b) Proibição de ausentar-se da Comarca por mais de oito dias consecutivos sem autorização prévia do Juízo processante; e

c) Comparecimento ao CEMSU- Central de Medidas Socialmente Úteis no Centro Judiciário de Curitiba.

Comunique-se com urgência. Publique-se. Brasília, 11 de outubro de 2023.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

Documento assinado digitalmente

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/2015472604/inteiro-teor-2015472607