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28 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJBA • PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA • Abono de Permanência (10662) • XXXXX-71.2022.8.05.0001 • Órgão julgador 1ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Órgão julgador 1ª V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA

Assuntos

Abono de Permanência (10662)

Partes

Documentos anexos

Inteiro TeorTJBA_293261431.pdf
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16/10/2023

Número: XXXXX-71.2022.8.05.0001

Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA

Órgão julgador: 1a V DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA

Última distribuição : 31/08/2022

Valor da causa: R$ 38.823,24

Assuntos: Abono de Permanência

Segredo de justiça? NÃO Justiça gratuita? SIM

Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM

Partes Procurador/Terceiro vinculado MARIA DE LOURDES PINHEIRO SANTOS (REQUERENTE) CARLOS ALBERTO BATISTA NEVES FILHO (ADVOGADO) ESTADO DA BAHIA (REQUERIDO)

Documentos

Id. Data da Documento Tipo

Assinatura

29326 16/11/2022 19:17 Sentença Sentença 1431

XXXXX-71.2022.8.05.0001

REQUERENTE: MARIA DE LOURDES PINHEIRO SANTOS

REQUERIDO: ESTADO DA BAHIA

SENTENÇA

Vistos.

Trata-se de AÇÃO COMINATÓRIA COM PEDIDO LIMINAR em que figuram as partes acima nominadas e devidamente qualificadas nos autos.

Em síntese, a parte autora, servidora pública estadual, relata que seu filho é portador de autismo infantil com retardo mental, sendo totalmente dependente dos seus cuidados.

Requer, assim, que o Estado da Bahia seja determinado a reduzir sua jornada de trabalho para três horas diárias, mas com a manutenção integral dos seus vencimentos.

Postergada a análise do pedido de tutela de urgência.

Citado, o Estado da Bahia apresentou contestação.

Audiência de conciliação dispensada.

É o relatório. Decido.

Cinge-se o objeto litigioso à análise da possibilidade da parte autora ter sua jornada de trabalho reduzida, mas com manutenção da sua remuneração e sem compensação de horas, a fim de cuidar do seu filho portador de Transtorno do Especto Autista - TEA.

Como é cediço, o ordenamento jurídico pátrio estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com total prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade, dentre outros. Além disto, determina que cabe aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores.

A respeito do assunto, cita-se os arts. 227 e 229 da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

Por sua vez, o Congresso Nacional, mediante o procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, aprovou, por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007.

Eis o teor do art. 1º do Decreto Legislativo nº 186/2008:

Art. 1º Fica aprovado, nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição Federal, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007.

Logo, diante da adoção do rito previsto no aludido dispositivo constitucional, este tratado tem natureza de emenda constitucional.

Neste passo, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, determina que os Estados Partes devem adotar todas as medidas necessárias para garantir às pessoas com deficiência o pleno exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais e direitos sociais. Nestes termos, é o que se infere do art. 4, itens "1", a, e "2", do referido decreto:

Artigo 4

Obrigações gerais

1.Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a:

a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção;

[...]

2.Em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, cada Estado Parte se compromete a tomar medidas, tanto quanto permitirem os recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação internacional, a fim de assegurar progressivamente o pleno exercício desses direitos, sem prejuízo das obrigações contidas na presente Convenção que forem imediatamente aplicáveis de acordo com o direito internacional.

[...]

No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) - traz as diretrizes para a proteção da pessoa com deficiência, sendo importante, para o caso, os conceitos de institutos para efetivação dessa proteção, dentre os quais, ganha destaque as adaptações razoáveis, atendente pessoal e acompanhante, in verbis:

Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:

[...]

VI - adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais;

[...]

XII - atendente pessoal: pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essenciais à pessoa com deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas;

[...]

XIV - acompanhante: aquele que acompanha a pessoa com deficiência, podendo ou não desempenhar as funções de atendente pessoal.

Registre-se que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência apresentou idêntico conceito a respeito da adaptação razoável, a qual consiste em modificações e ajustes necessários e adequados à tutela dos direitos da pessoa com deficiência, desde que não impliquem em ônus desproporcional ou indevido à contraparte, segundo os termos do seu art. 2º, que diz:

Artigo 2

Definições

Para os propósitos da presente Convenção:

[...]

"Adaptação razoável" significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;

[...]

A partir dos termos do art. 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência e art. 1 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, entende-se que pessoa com deficiência é "aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", definição esta que abrange a condição do filho da parte autora, pois portador de Transtorno do Especto Autista - TEA, conforme os documentos anexados aos autos (ID Num. XXXXX e ID Num. XXXXX).

Diante de tal conjunto probatório, rejeita-se a alegação de incompetência deste órgão jurisdicional, porquanto suficientemente demonstrada a desnecessidade de maiores investigações quanto ao diagnóstico do filho da parte autora, dispensa-se a produção de prova pericial, nos termos dos arts. 464, § 1º, inciso II, e 472, do Código de Processo Civil, a saber:

Art. 464. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

§ 1º. O juiz indeferirá a perícia quando:

[...]

II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;

[...]

Art. 472. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes.

Nesta senda, deve-se registrar que a Lei nº 13.146/2015, ratificando as proposições da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, consigna que a pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com os demais membros da sociedade e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação, o que engloba eventual recusa às adaptações razoáveis. Conforme se depreende do art. 4º, § 1º, da referida lei:

Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.

§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

[...]

Compulsando os autos, observa-se que o filho da parte autora apresenta diversas demandas clínicas e pedagógicas, de acordo com os documentos anexados aos autos.

Desse modo, percebe-se que a jornada de trabalho da parte autora é incompatível com os cuidados que deve dispensar ao seu filho.

Com efeito, as pessoas com deficiência devem ter prioridade e igualdade de oportunidades, o que, no caso, apenas poderá ser assegurado com a redução da jornada de trabalho da parte autora para acompanhamento do seu filho às atividades diárias.

Ve-se que está em jogo a autonomia do Estado da Bahia contra o direito de inserção, saúde e bem-estar de pessoa portadora de deficiência, cuja proteção e prioridade, como já adiantado, foram alçados à condição de norma fundamental, protegida pela Constituição Federal e, por conseguinte, direito que deve ser tutelado.

Neste ponto, cabe destacar que a previsão de licença por motivo de doença em pessoa da família, prevista na Lei Estadual nº 6.677/1994, não representa medida voltada à satisfação do direito pretendido, sobretudo porque, progressivamente, culminará na redução da remuneração, além de ter prazo certo para a sua fruição.

Assim, no caso em comento, diante da ausência de disciplina legal no âmbito estadual, manifesta-se justificável a aplicação, por analogia, do art. 98, § 3º, da Lei nº 8.112/1990, que assegura ao servidor público federal a possibilidade de jornada especial de trabalho, independentemente de compensação, quando tiver filho com deficiência, in verbis:

Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

[...]

§ 2º Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário

§ 3º As disposições constantes do § 2º são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência.

[...]

Todavia, afigura-se que a redução da jornada em 50% (cinquenta por cento) não se mostra proporcional e onera, demasiadamente, a Administração Pública Estadual, em especial, diante da existência de outros membros da família também responsáveis pelo atendimento das necessidades especiais dos infantes, a exemplo da sua genitora.

Assim, no caso em comento, tem-se como razoável a redução da jornada de trabalho para 20 (vinte) horas semanais, pois medida que atende às demandas do filho da parte autora e não acarreta ônus desproporcional ao Estado da Bahia.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE O PEDIDO , para reconhecer o direito da parte autora à concessão de jornada especial de trabalho, mediante a redução da carga horária semanal para 20 (vinte) horas, sem redução da remuneração ou compensação de jornada, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

É importante salientar que o acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas, bem como a sentença de primeiro grau não condenará o vencido nas custas processuais e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé, com esteio nos arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/1995.

Após certificado o prazo recursal, arquivem-se os presentes autos.

Intimem-se.

Salvador, 10 de novembro de 2022

Zandra Anunciação Alvarez Parada

Juíza de Direito Substituta de 2º Grau, designada para o 1º Juizado da Fazenda Pública

(assinado digitalmente)

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