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30 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR - Apelação: APL XXXXX-55.2016.8.16.0179 Lapa XXXXX-55.2016.8.16.0179 (Acórdão)

Tribunal de Justiça do Paraná
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

18ª Câmara Cível

Publicação

Julgamento

Relator

Fernando Antonio Prazeres

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-PR_APL_00038555520168160179_97f27.pdf
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Ementa

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. PRETENSÃO DE ISENÇÃO DE TARIFA DE PEDÁGIO. DEMANDA MOVIDA POR MORADOR CONTRA CONCESSIONÁRIA QUE ADMINISTRA A RODOVIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA RÉ.

I – EXTENSÃO NÃO CONHECIDA: PRETENDIDO CHAMAMENTO AO PROCESSO DO DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DO PARANÁ – DER/PR. INTERVENÇÃO DE TERCEIRO INDEFERIDA PELO JUÍZO DE ORIGEM, POR OCASIÃO DA PROLAÇÃO DA DECISÃO SANEADORA. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO CABÍVEL, EM MOMENTO OPORTUNO – ARTIGO 1.015, INCISO IX DO CPC. PRECLUSÃO CONSUMATIVA CARACTERIZADA. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, NESSA DIMENSÃO.
II – SUPOSTA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE (QUESTÃO SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES): DESCABIMENTO. RAZÕES RECURSAIS QUE DIALOGAM COM AS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICO-PROCESSUAIS DA DEMANDA.
IIIMÉRITO RECURSALAPLICABILIDADE DO CONTRATO DE CONCESSÃO – VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: DESCABIMENTO. AUTOR QUE RESIDE EM ZONA RURAL, DESLOCANDO-SE DIARIAMENTE PARA O CENTRO DA CIDADE, EM RAZÃO DE SEU TRABALHO. INEXISTÊNCIA DE VIA ALTERNATIVA, QUE NÃO A RODOVIA PEDAGIADA, PARA A REALIZAÇÃO DO DESLOCAMENTO. CONCESSIONÁRIA QUE, EMBORA TENHA SUSTENTADO HAVER ROTA ALTERNATIVA, NÃO LOGROU ÊXITO EM COMPROVÁ-LA. AUTOR QUE, PORTANTO, OU ARCA COM OS CUSTOS DECORRENTES DA TARIFA DE PEDÁGIO, OU NÃO PODE DESLOCAR-SE AO SEU LOCAL DE TRABALHO. CUSTOS DECORRENTES DA COBRANÇA DA TARIFA, A DESPEITO DA ISENÇÃO PARCIAL CONCEDIDA PELA RÉ, QUE ATINGEM SIGNIFICATIVA MONTA, QUANDO COMPARADOS COM OS RENDIMENTOS MENSAIS DO USUÁRIO. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA RAZOABILIDADE, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LIVRE LOCOMOÇÃO E DO DIREITO AO TRABALHO. ENTENDER DE FORMA DIVERSA SIGNIFICARIA IMPOR AO JURISDICIONADO ÔNUS DESARRAZOADO, COM O SIGNIFICATIVO COMPROMETIMENTO DE SUAS FINANÇAS E OS INDISSOCIÁVEIS REFLEXOS NO QUE CONCERNE AO SUSTENTO DE SUA FAMÍLIA, DADO O DISPÊNDIO DE SIGNIFICATIVO VALOR DIÁRIO, APENAS EM RAZÃO DA SUA NECESSIDADE DE DESLOCAMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE NÃO VIOLA O PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INSTITUIÇÃO DO PEDÁGIO QUE VISA ARRECADAR RECURSOS DESTINADOS À CONSERVAÇÃO DAS RODOVIAS FEDERAIS, EM PONTOS CONSIDERADOS NÃO URBANOS, O QUE PRESSUPÕE A IDEIA DE QUE O USUÁRIO PAGADOR É TRANSEUNTE, QUE UTILIZA A RODOVIA EM CARÁTER ESPORÁDICO, OU, PELO MENOS, NÃO DIARIAMENTE, PARA FINS ORDINÁRIOS – ARTIGO , PARÁGRAFO 1º DA LEI Nº 7.712/1988. PROMULGAÇÃO DE LEI FEDERAL RECENTE (LEI Nº 14.157/2021) QUE DELEGA AO PODER EXECUTIVO A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA DE LIVRE PASSAGEM A USUÁRIOS FREQUENTES. CARÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO QUE NÃO AFASTA A TOMADA DE DECISÃO, PELO PODER JUDICIÁRIO, EIS QUE PROVOCADO – ARTIGO , INCISO XXXV DA CF. DEMANDA COM EFEITOS INTERPARTES, COM A PRESENÇA DE ELEMENTOS SUFICIENTES A ENSEJAR A CONCLUSÃO SEGUNDO A QUAL O AUTOR NÃO DISPÕE DE VIA ALTERNATIVA E QUE O PAGAMENTO, AINDA QUE PARCIAL, DA TARIFA DE PEDÁGIO TEM O CONDÃO DE IMPACTAR DIRETAMENTE NO SUSTENTO PRÓPRIO E DE SUA FAMÍLIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA, COM FULCRO NOS ARTIGOS , E 193 DA CF, TAL COMO DESTACADO NA FUNDAMENTAÇÃO.
IV – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ (QUESTÃO SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES): INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTOS INVOCADOS NESTE RECURSO QUE, CASO FOSSEM ACOLHIDOS, TERIAM O CONDÃO DE CULMINAR EM UMA MELHORA FÁTICA DA SITUAÇÃO DA CONCESSIONÁRIA, COM A REFORMA DA SENTENÇA RECORRIDA, DE MODO QUE NÃO HÁ COMO CONSIDERAR O EXERCÍCIO DO DIREITO DE RECORRER COMO EVENTUAL AFRONTA À BOA-FÉ PROCESSUAL.
V – RESULTADO DO JULGAMENTO E ÔNUS SUCUMBENCIAIS: SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA. MANUTENÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS – ARTIGO 85, § 11 DO CPC. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA DIMENSÃO, DESPROVIDO. (TJPR - 18ª C.Cível - XXXXX-55.2016.8.16.0179 - Lapa - Rel.: DESEMBARGADOR FERNANDO ANTONIO PRAZERES - J. 29.11.2021)

Acórdão

I – RELATÓRIO Trata-se de recurso de apelação interposto em face de sentença proferida nos autos de ação cominatória, ajuizada por Aressandro Ribeiro dos Santos, ora apelado, em desfavor da União Federal e de Caminhos do Paraná S.A., esta última ora apelante. Conforme constou da petição inicial, o autor reside na área rural do município de Lapa e se desloca, todos os dias úteis, para o centro da cidade, onde trabalha. No entanto, o autor alegou que, entre a sua residência e o seu local de trabalho, encontra-se instalada praça de pedágio – sem quaisquer vias alternativas –, circunstância que lhe exige o desembolso de R$ 9,70 para ir trabalhar e mais R$ 9,70 quando do seu retorno, o que caracterizaria onerosidade excessiva. De acordo com o autor, embora a corré Caminhos do Paraná S.A. lhe tenha concedido vinte isenções mensais, o que lhe garantiria a gratuidade em dez dias de trabalho por mês, ainda remanesce o custo aproximado de R$ 232,00 mensais, desembolsados exclusivamente a título de pedágio. O autor informou que percebe renda mensal aproximada de R$ 2.000,00, razão pela qual o custo adicional decorrente da tarifa de pedágio estaria impactando no orçamento de sua família. Diante desse cenário, o autor pleiteou, perante a Justiça Federal: (i) pela isenção total da tarifa de pedágio, de segunda a sexta-feira; (ii) pela antecipação dos efeitos da tutela pretendida, a fim de que a isenção fosse imediatamente concedida. A liminar foi parcialmente concedida (mov. 1.7), para o fim de “ordenar às rés, especialmente à concessionária, que se abstenham de cobrar mais de uma tarifa de pedágio por mês do veículo registrado em nome do autor junto ao DETRAN/PR, mediante verificação do comprovante de propriedade a ser apresentado pelo usuário e o comprovante de um pagamento de pedágio no respectivo mês, consoante calendário civil, por sentido da rodovia”. Citadas, ambas as rés apresentaram contestação. A concessionária (mov. 1.14) contestou a pretensão inicial, arguindo que: (i) há coisa julgada acerca do objeto da lide; (ii) “o autor já possui o benefício de passagem isenta, com limite de quarenta passagens mensais para um veículo cadastrado”; (iii) “não há qualquer obrigação legal ou contratual quanto a concessão desse benefício”; (iv) há necessidade de incluir a autarquia estatal Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná – DER/PR como parte no feito; (v) “não há como diferenciar o autor dos demais usuários”; (vi) “o autor omite informações, as quais evidenciam que ele não arca com o alegado ônus, além de deixar de esclarecer quanto à existência de via alternativa”. A União (mov. 1.19) invocou a sua ilegitimidade passiva, e, no mérito, pugnou que “se considere o que foi apresentado pela concessionária Caminhos do Paraná S.A. quanto aos aspectos fáticos, dos quais a União não participou”. Apresentada a impugnação (mov. 1.22), o juízo Federal reconheceu a ilegitimidade da União e declinou da competência para análise do feito em favor da Justiça Estadual (mov. 1.23). Contra a decisão que reconheceu a ilegitimidade passiva da União e a incompetência da Justiça Federal para análise do pleito, tanto o autor como a concessionária ré interpuseram recursos (mov. 1.25 e 1.27), os quais não foram conhecidos (mov. 1.32). Na sequência, foi impetrado mandado de segurança contra a decisão (mov. 1.34), cuja segurança restou denegada (mov. 1.37). Encaminhados os autos à 11ª Vara Cível de Curitiba (mov. 15.1), o autor pugnou pelo impulsionamento do feito (mov. 20.1), enquanto a concessionária ré reiterou o pedido de inclusão do DER/PR como parte na demanda e suscitou a incompetência territorial do juízo (mov. 21.1). Em decisão saneadora, o juízo indeferiu o chamamento ao processo suscitado pela concessionária; rejeitou a arguição quanto à incompetência territorial; anunciou o julgamento antecipado do mérito (mov. 30.1). Na sequência, foi proferida sentença de procedência (mov. 39.1), a qual restou anulada por esta instância recursal, diante da incompetência territorial do juízo de Curitiba para julgar a presente causa. Com a baixa dos autos, o processo foi encaminhado à Vara Cível da Comarca de Lapa, tal como determinado por esta Corte de Justiça (mov. 61.1). Conclusos os autos, o juízo competente proferiu sentença de procedência (mov. 73.1), “para o fim de determinar que a Concessionária requerida isente o autor do pagamento referente à tarifa de pedágio localizada na BR 476, neste Município e Comarca da Lapa/PR, em 40 (quarenta) trechos mensais, correspondente a 01 (um) trecho de ida e 01 (um) trecho de retorno por dia útil, sob pena de fixação de multa diária”. O juízo determinou, ainda, que o autor “apresente todos os documentos eventualmente solicitados pela requerida para fins de concessão da isenção”. Pela sucumbência, a concessionária ré foi condenada ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no artigo 85, § 2º do CPC. Inconformada, a concessionária se insurge contra os fundamentos da decisão, sustentando, em síntese (mov. 78.1): a) preliminarmente, a necessidade da participação do DER/PR na presente lide; b) a concessionária somente faz parte da discussão, em decorrência da concessão realizada, daí porque caberia ao Poder Concedente ser chamado para o acompanhamento da presente demanda, pois, na remota possibilidade de o pedido restar procedente, sua repercussão junto aos demais usuários emanarão um forte desequilíbrio contratual, o que ensejará um reequilíbrio, configurado em uma maior tarifa aos demais usuários, ou outra negociação que exclua o prejuízo causado à concessionária; c) a aplicabilidade do contrato de concessão, que estabeleceu as atribuições, direitos e obrigações da concessionária e dos usuários, sendo certo que a tarifa cobrada não consiste unicamente na contraprestação para utilização da rodovia, mas também a remuneração decorrente de todos os investimentos realizados pela concessionária; d) o contrato de concessão estabelece a obrigação do usuário em pagar corretamente a tarifa do pedágio, havendo, ainda, previsão expressa acerca dos veículos obrigatoriamente isentos de pagamento, bem como os critérios para concessão do benefício, circunstância que não se amolda ao caso dos autos; e) a sentença, ao determinar que a concessionária conceda passe livre ao usuário, e assim isenção tarifária a particular – sem previsão legal ou contratual –, compromete a segurança jurídica da relação contratual existente, bem como a própria boa-fé contratual, estabelecendo encargos à apelante sem prévia e expressa previsão, sendo necessária a preservação da equação econômica e financeira que rege a cobrança da tarifa; f) a redação do artigo 35 da Lei nº 9.074/1995 corrobora com o cenário defendido pela concessionária neste recurso; g) a atuação da concessionária está atrelada a princípios constitucionais, tais como a legalidade, a isonomia, a moralidade, a proporcionalidade, a segurança e a boa-fé, os quais não foram observados pelo juízo de origem. Preparo comprovado (mov. 78.2). Intimado, o autor ofereceu contrarrazões ao recurso, pugnando pelo seu não conhecimento, ou, subsidiariamente, pelo seu desprovimento; ainda, o autor pleiteou pela condenação da ré ao pagamento de multa por litigância de má-fé (mov. 83.1). Vieram-me os autos conclusos. É, em suma, o relatório. II – VOTO a) Juízo de admissibilidade A despeito de ser formalmente regular, o recurso comporta apenas parcial conhecimento, à medida em que os pressupostos de admissibilidade recursal se encontram parcialmente presentes. Isso porque a concessionária invoca, em caráter preliminar, a necessidade de se promover o chamamento ao processo do Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná – DER/PR, o que denota a clara pretensão quanto à intervenção de terceiros, prevista no Título III do CPC. No entanto, conforme relatado, a intervenção de terceiro foi indeferida pelo juízo de origem, por ocasião da prolação da decisão saneadora (mov. 30.1):Tal decisão interlocutória não foi objeto de recurso, embora o artigo 1.015 do CPC preveja, expressamente, o cabimento de agravo de instrumento na hipótese examinada: Artigo 1.015 do CPC. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:[...]IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros. Nesse cenário, a questão relativa à intervenção de terceiro resta preclusa, o que obsta o conhecimento do recurso, nessa dimensão. De outro lado, embora o autor tenha arguido, em suas contrarrazões, a suposta violação ao princípio da dialeticidade, tem-se que as presentes razões recursais – excetuada a matéria preclusa –, comportam conhecimento, uma vez que dialogam com as circunstâncias processuais desta demanda. Assim, uma vez superadas tais questões, passa-se ao exame das presentes razões. b) Mérito recursal – aplicabilidade do contrato de concessão – violação a princípios constitucionais No mérito, a apelante pugna pela aplicabilidade do contrato de concessão, que estabeleceu as atribuições, direitos e obrigações da concessionária e dos usuários, sendo certo que a tarifa cobrada não consiste unicamente na contraprestação para utilização da rodovia, mas também a remuneração decorrente de todos os investimentos realizados pela concessionária. Alega que o contrato de concessão estabelece a obrigação do usuário em pagar corretamente a tarifa do pedágio, havendo, ainda, previsão expressa acerca dos veículos obrigatoriamente isentos de pagamento, bem como os critérios para concessão do benefício, circunstância que não se amolda ao caso dos autos. Aduz que a sentença, ao determinar que a concessionária conceda passe livre ao usuário, e assim isenção tarifária a particular – sem previsão legal ou contratual –, compromete a segurança jurídica da relação contratual existente, bem como a própria boa-fé contratual, estabelecendo encargos à apelante sem prévia e expressa previsão, sendo necessária a preservação da equação econômica e financeira que rege a cobrança da tarifa. Ressalta que a redação do artigo 35 da Lei nº 9.074/1995 corrobora com o cenário defendido pela concessionária neste recurso. Ao final, defende que a atuação da concessionária está atrelada a princípios constitucionais, tais como a legalidade, a isonomia, a moralidade, a proporcionalidade, a segurança e a boa-fé, os quais não teriam sido observados pelo juízo de origem. Pois bem. A despeito do esforço hermenêutico da concessionária, a sentença recorrida não carece de qualquer reparo. Conforme relatado, o autor sustentou que reside na zona rural da Comarca de Lapa, em área denominada Colônia Mariental Restinga, deslocando-se em todos os dias úteis para o centro da cidade, em razão de seu trabalho. Tais fatos foram comprovados através dos documentos acostados em mov. 1.3. O autor sustentou, ainda, que não dispõe de vias alternativas a fim de se deslocar para o seu trabalho, sendo necessário, portanto, trafegar pela rodovia em que se encontra instalada praça de pedágio administrada pela concessionária ré. Embora a concessionária tenha sustentado, em sua contestação, que há via alternativa capaz de viabilizar o deslocamento do autor, não consta dos autos qualquer elemento indiciário nesse sentido. Dos documentos que instruíram sua contestação (mov. 1.16/1.17), não há nenhum elemento capaz de demonstrar a existência de eventual rota alternativa, o que faz concluir que, ou o autor arca com os custos decorrentes da tarifa de pedágio, ou não pode deslocar-se ao seu local de trabalho. Não se olvida o fato – incontroverso – relativo à concessão de benefício parcial ao autor, por parte da concessionária. Há elementos nos autos capazes de demonstrar a isenção de vinte tarifas mensais, que se refere a dez dias de trabalho, eis que o autor utiliza os dois sentidos da via diariamente (ida e volta ao trabalho). A despeito do benefício parcial concedido, tem-se que o autor ainda continua sendo obrigado a arcar com os custos remanescentes, decorrentes da cobrança da tarifa, os quais atingem significativa monta, quando comparados com os seus rendimentos mensais. Embora os fundamentos invocados pela concessionária neste recurso sejam defensáveis, especialmente no que concerne aos termos do contrato de concessão firmado com o Poder Público e à discricionariedade que lhe foi concedida – para os casos não previstos expressamente no instrumento contratual – quanto ao deferimento de descontos da tarifa, entende-se que, aqui, prevalece os princípios da razoabilidade, da dignidade da pessoa humana e da livre locomoção. Entender de forma diversa significaria impor ao jurisdicionado ônus desarrazoado, com o significativo comprometimento de suas finanças e os indissociáveis reflexos no que concerne ao sustento de sua família, dado o dispêndio de significativo valor diário, apenas em razão da sua necessidade de deslocamento. A título ilustrativo, destaca-se os seguintes dispositivos constitucionais: Artigo da CF. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...]II - a cidadania;III - a dignidade da pessoa humana;IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. – destaquei Artigo da CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[...]XIII - e livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;[...]XV - e livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Artigo 193 da CF. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Com base em tais normas constitucionais, é possível compreender que, tanto os fundamentos do Estado quanto os direitos assegurados aos cidadãos têm por norte a manutenção da dignidade da pessoa humana, a garantia do acesso ao trabalho e a livre locomoção – princípios que seriam frontalmente violados, caso se impusesse ao autor o ônus financeiro desproporcional, decorrente da tarifa de pedágio, apenas e tão somente para desempenhar suas atividades diárias no centro da cidade. Aqui, é importante ressaltar que a manutenção da sentença não tem o poder de violar o princípio da isonomia. Isso porque a instituição do pedágio visa arrecadar recursos destinados à conservação das rodovias federais, em pontos considerados não urbanos, o que pressupõe a ideia de que o usuário pagador é transeunte, que utiliza a rodovia em caráter esporádico, ou, pelo menos, não diariamente, para fins ordinários. Tal interpretação se extrai tanto da Lei nº 7.712/1988 como da recente Lei nº 14.157/2021, nos moldes seguintes: Artigo da Lei nº 7.712/1988. Esta Lei disciplina a cobrança de pedágio pela utilização de rodovias federais, pontes a obras de arte especiais que as integram. Artigo da Lei nº 7.712/1988. Contribuinte do pedágio é o usuário de rodovia federal sob jurisdição do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER. Artigo da Lei nº 7.712/1988. O montante calculado para ser arrecadado com o pedágio não poderá ultrapassar ao necessário para conservar as rodovias federais, tendo em vista o desgaste que os veículos automotores, utilizados no tráfego, nelas provocam, bem como a adequação dessas rodovias às necessidades de segurança do trânsito. Artigo da Lei nº 7.712/1988. Quando o veículo for encontrado trafegando em rodovia federal sem o comprovante do pagamento do pedágio ou fora do período de tolerância de três dias de sua validade, o usuário sujeitar-se-á ao recolhimento de seu valor, acrescido de multa equivalente a 100% (cem por cento), calculada sobre o valor atualizados.§ 1º O disposto neste artigo não será aplicável em trecho de rodovia federal que se encontre sob jurisdição do Estado ou do Município, ou em trecho situado no perímetro urbano do Município onde o veículo esteja licenciado. – destaquei Artigo da Lei nº 14.157/2021. Esta Lei estabelece condições para a implementação da cobrança pelo uso de rodovias e vias urbanas por meio de sistemas de livre passagem, com o intuito de possibilitar pagamentos de tarifas que guardem maior proporcionalidade com o trecho da via efetivamente utilizado.§ 1º Para os fins desta Lei, considera-se sistema de livre passagem a modalidade de cobrança de tarifas pelo uso de rodovias e vias urbanas sem necessidade de praças de pedágio e com a identificação automática dos usuários.§ 2º O Poder Executivo regulamentará o sistema de livre passagem.§ 3º Para os contratos de concessão de rodovias e vias urbanas firmados anteriormente à publicação desta Lei nos quais não seja possível implementar o sistema de livre passagem, a regulamentação prevista no § 2º deste artigo deverá prever a possibilidade de celebração de termo aditivo para viabilizar a concessão de benefícios tarifários a usuários frequentes, os quais serão condicionados e limitados ao abatimento de tributos municipais incidentes sobre a receita de exploração da rodovia. – destaquei Como se vê das normas supratranscritas, especialmente no que diz respeito aos dispositivos da recente Lei, promulgada em 1º de junho de 2021, a implementação dos benefícios a usuários frequentes ainda dependerá de regulamentação pelo Poder Executivo – circunstância que não afasta a tomada de decisão, por parte do Poder Judiciário, em caso concreto, diante da inafastabilidade da jurisdição, prevista no artigo , inciso XXXV da CF. Além disso, destaca-se precedente proferido pelo TRF da 4ª Região, que, em caso análogo, assentou que a concessão do benefício dependia da análise e comprovação de circunstâncias fáticas – as quais, neste caso específico, não se mostram controversas, uma vez que a concessionária ré não demonstrou a existência de via alternativa, tampouco invocou eventual proporcionalidade entre a tarifa desembolsada e os benefícios auferidos pelo autor com a utilização da rodovia. A propósito, confira-se: ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RODOVIA PEDAGIADA. PEDIDO DE ISENÇÃO DA TARIFA PARA MORADORES DAS CERCANIAS DA PRAÇA DE PEDÁGIO QUE UTILIZAM A RODOVIA EM SEUS DESLOCAMENTOS DIÁRIOS. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA. A isenção do pagamento de pedágio para a população residente nas cercanias da respectiva praça, que se vale da rodovia em seus deslocamentos diários, se não estiver prevista no contrato de concessão, não pode ser deferida judicialmente sem o exame de circunstâncias que envolvem o caso concreto, tais como a comprovação da necessidade de utilização da rodovia pela população local pela inexistência de via alternativa razoável, da desproporcionalidade entre o benefício proporcionado e os gastos com as tarifas, e a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Agravo retido provido para anular a sentença, devendo os autos retornarem à origem para a produção das provas requeridas. (TRF4, AC XXXXX-52.2010.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 16/01/2015) – destaquei Além disso, é importante destacar que, no caso supramencionado, se tratava de ação civil pública, de modo que o deferimento da pretensão inicial, sem a pormenorizada análise do acervo probatório, teria o condão de impactar significativamente nos recursos recebidos pela concessionária para o desenvolvimento de suas atividades, eis que contemplaria a coletividade e não usuário específico. Aqui, está-se a tratar de demanda com efeitos interpartes, onde, no caso concreto, não remanesce matéria fática controversa a ensejar eventual dúvida quanto ao direito do autor, eis que: (i) não há via alternativa à sua utilização, eis que a concessionária não logrou êxito em desconstituir a alegação do autor; (ii) o pagamento da tarifa, por parte do autor, impacta diretamente na preservação do sustento e da dignidade, própria e de sua família, considerando-se, especialmente, a sua situação econômica. Nesse cenário, conclui-se, neste caso específico, que, ante à carência da regulamentação a que se refere o artigo , § 2º da Lei nº 14.157/2021, somada à aplicabilidade das normas constitucionais, previstas nos artigos , e 193 da CF, tal como destacado no decorrer desta exposição, a sentença recorrida deve ser mantida, pelos seus próprios fundamentos, culminando, assim, no desprovimento do presente apelo. c) Litigância de má-fé suscitada em contrarrazões Conforme relatado, o autor pugna pela condenação da concessionária ré ao pagamento de multa decorrente da suposta litigância de má-fé, caracterizada pela suposta interposição de recurso manifestamente protelatório. No entanto, não lhe assiste razão. Os fundamentos invocados neste recurso, caso fossem acolhidos, teriam o condão de culminar em uma melhora fática da situação da concessionária, com a reforma da sentença recorrida, de modo que não há como considerar o exercício do direito de recorrer como eventual afronta à boa-fé processual. d) Resultado do julgamento e ônus sucumbenciais Uma vez apreciado o presente recurso, conclui-se que a sentença deve ser mantida integralmente, o que revela o desprovimento do apelo interposto pela concessionária. Não há, portanto, que se falar na redistribuição dos ônus sucumbenciais, cabendo, apenas, a majoração, em 5%, dos honorários advocatícios arbitrados pelo juízo de origem, com fulcro no artigo 85, § 11 do CPC. III – CONCLUSÃO Ante o exposto, voto no sentido de conhecer parcialmente do recurso e, nessa dimensão, negar-lhe provimento, considerando que, à falta de regulamentação a que se refere o artigo , § 2º da Lei nº 14.157/2021, somada à aplicabilidade das normas constitucionais, previstas nos artigos , e 193 da CF – nos moldes destacados na exposição –, o autor efetivamente faz jus à isenção pleiteada, dada a inexistência de rota alternativa capaz de viabilizar o seu deslocamento diário para seu local de trabalho, bem como o significativo comprometimento dos recursos financeiros do usuário, o que acaba por afrontar os princípios da razoabilidade, da dignidade da pessoa humana, do direito ao trabalho e à livre locomoção, nos termos da fundamentação supra. A manutenção da sentença culmina, unicamente, na majoração dos honorários advocatícios lá arbitrados, em percentual já definido no bojo do presente voto.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1331033471

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