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25 de Maio de 2024

A decisão de Toffoli sobre dados sigilosos e o respeito à lei acima de tudo e de todos.

Por Antonio Ruiz Filho

O preâmbulo da Constituição Federal institui um Estado Democrático destinado a assegurar liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade, justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social. A consecução destes objetivos está imbricada com o respeito à lei, acima de idiossincrasias ou predileções.

A igualdade de todos perante a lei; a liberdade de expressão, de credo, de pensamento, de imprensa; o direito à propriedade, ao sigilo e à intimidade; o devido processo legal e direito ao contraditório, ampla defesa e presunção de inocência, enfeixam um conjunto de valores que permitem concluir que a nação brasileira está sob a égide de legítimo Estado Democrático de Direito e que, portanto, preserva os direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Respeitadas estas balizas, não há como desvirtuar a nossa democracia. Afastar-se delas põe em risco tudo que conquistamos e integra o ideário nacional, apesar de nem sempre existir clareza no seio da sociedade sobre os rumos a seguir.

Quem não estiver satisfeito com esse arcabouço jurídico deve organizar-se politicamente para alterar o sistema legal, mas nunca atuar para subvertê-lo. Não há outra hipótese, senão o império da lei, a que todos estamos submetidos, mesmo quando não nos agrade ou deixe de contemplar todas as nossas vontades. A submissão ao Estado de Direito não é homenagem à passividade, mas decisão voluntária, que visa a atingir os mais elevados anseios sociais em atendimento ao bem comum.

O Supremo Tribunal Federal, nesse contexto, além de servir como instância recursal, exerce papel indispensável de guardião dos valores e garantias, e precisa ser prestigiado nesta condição de resguardar tudo quanto temos de mais caro, pois seu enfraquecimento milita em detrimento de todos, expondo a perigo os bens cuja missão é proteger.

Não obstante as decisões adotadas pelo STF estarem no cume da autoridade cogente, num ambiente de livre pensamento e democracia harmoniosa, é possível escrutinar seus julgamentos e rogar por soluções que sejam fiéis ao texto da Constituição da República. Afinal, os ministros que o integram são humanos e passíveis de erro, apesar de profundamente versados no direito e, seguramente, imbuídos de fazer o melhor julgamento.

Nesse patamar de respeito à autoridade do Supremo Tribunal Federal, pode-se apontar algumas decisões controversas. Cabe observar que a literalidade do artigo 144 da Constituição reserva à polícia a competência para apurar infrações penais, e não ao Ministério Público, embora o STF tenha outorgado aos seus membros poderes de investigação, assim afetando a necessária paridade de armas em prejuízo da defesa, quando ambos são partes em ações penais públicas. A Corte também flexibilizou a presunção de inocência, cujo conceito está diretamente relacionado com o trânsito em julgado, nos termos do artigo , LVII, da CF. Recentemente, interpretou existir crime de homofobia sem tipo penal específico, havendo quem diga que tal decisão esteja em contraposição ao princípio da legalidade, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina.

Aliás, relativizar a lei penal e o seu processo não é apanágio do STF. Trata-se de verdadeira pandemia, o que transforma a Justiça criminal num faz de contas interminável. As regras precisam ser claras, e seu cumprimento inexorável, não apenas para a acusação, mas principalmente em benefício da defesa, sob pena de não se produzir a segurança jurídica que o sistema judicial dedicado à persecução penal precisa inspirar. A Justiça criminal vista por uma ótica utilitária não presta bons serviços à sociedade, antes maculando os seus mais elevados interesses.

O estrito cumprimento a uma regra legal, ainda que por esse vão possa escapar um possível infrator, está dentro dos ditames da melhor Justiça. O reverso disso seria aderir à nefasta teoria de que os fins justificam os meios — que parece tão em voga ultimamente.

A decisão adotada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de suspender o andamento de procedimentos penais, em que tenham existido a transferência de dados sigilosos sem controle do Poder Judiciário, pode ser tomada como exemplo, nada importando quem seja o autor do pedido. Está conforme a lei processual, que expressamente admite a medida quando se trate de tema de repercussão geral (art. 1.035, § 5º, do CPC). E o que é mais importante, está em perfeita sintonia com a Constituição Federal (art. , X e XII, da CF), que protege a intimidade e o sigilo das pessoas, direitos fundamentais dos quais não se pode abrir mão sem abalar os pilares da democracia e do próprio Estado de Direito.

Ao contrário da argumentação ad terrorem, posta a serviço daqueles que defendem seu próprio e ilimitado poder, a decisão do ministro Toffoli não impede nenhuma investigação criminal, mas apenas condiciona a quebra do sigilo à devida autorização judicial, isto até que sobrevenha decisão final do plenário do STF, que haverá de ser no mesmo sentido. Para a tutela desse bem inerente à cidadania, pouco importa que se percam algumas investigações ou anulem-se alguns processos e até condenações, o que faz parte do cotidiano de qualquer Justiça. Sempre foi assim e não há como evitar. Erraram os que descumpriram regra elementar. Premente se faz consertar o erro, e essa profilaxia não vai determinar o fim do combate à criminalidade, longe disso.

O afastamento de um direito fundamental como o sigilo, para permitir providências de ordem criminal, é tarefa do juiz. Assim, preocupa verificar que – do mesmo modo que injustamente os advogados são acusados de atrapalhar o andamento da Justiça – agora parece que até os juízes atrapalham ou impedem o trabalho dos donos de todas as virtudes.

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